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Emissões de metano na pecuária: conceitos, métodos de avaliação e estratégias de mitigação. Parte II

Publicado: 8 de maio de 2013
Por: Fernanda Samarini Machado, Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, Fernando César Ferraz Lopes, Mariana Magalhães Campos e Mirton José Frota Morenz da Embrapa Gado de Leite, MG; Roberto Guimarães Júnior da Embrapa Cerrados, DF, e Alexandre Vieira Chaves da University of Sydney, Sydney, Austrália.
Influência da dieta e dos parâmetros ruminais na formação de metano entérico
Em altas concentrações de H2, menor quantidade desse gás será formada, já que as vias que produzem menos H2 serão favorecidas. A concentração de H2 no rúmen será elevada nas seguintes situações:
(I) Após a alimentação e quando alimentos prontamente degradados são rapidamente digeridos;
(II) Quando a concentração de H2 requerida para manter a taxa de crescimento das metanogênicas no rúmen for elevada, tal como: rápida taxa de passagem e baixo pH ruminal;
(III) Quando inibidores de metano estão presentes.
A seguir, esses tópicos são abordados e a influência dos mesmos sobre a metanogênese é ilustrada na Figura 2.
 
Após a alimentação e quando alimentos prontamente degradados são rapidamente digeridos
A proporção de metano como produto do metabolismo ruminal é mais baixa logo após a alimentação, e aumenta com o tempo. Ao contrário, as concentrações de H2 aumentam após a alimentação e, pode-se esperar que a elevada concentração de H2 resultará em mudança para vias com menor produção desse gás e maior de propionato. À medida que o alimento é digerido, e as concentrações de H2 reduzem-se, as vias de produção desse gás tornam-se novamente favoráveis, fazendo com que a produção de propionato decresça e a de metano aumente (JANSSEN, 2010).
Em condições favoráveis à elevação nas concentrações de H2 no meio por longos períodos, esperaram-se mudanças na estrutura da comunidade microbiana. Isso porque microrganismos que são consistentemente mais competitivos (ou seja, que utilizam vias com ΔG mais negativo para produzir mais biomassa), eventualmente dominam o rúmen. Nessas condições, ocorrem mudanças nas vias de fermentação, que resultam em menor produção de metano, e menor ou menos ativa população de metanogênicas. Esse fato justifica os resultados encontrados por Van Kessel e Russel (1996), em que vacas alimentadas com dietas baseadas em grãos apresentaram população de metanogênicas menor ou menos ativa.
 
Quando a concentração de H2 requerida para manter a taxa de crescimento das metanogênicas no rúmen for elevada, tal como: rápida taxa de passagem e baixo pH ruminal
A taxa de passagem de sólidos no rúmen é mais lenta do que a da fase líquida, e mais de 95% da biomassa microbiana de ruminantes alimentados com forragem está associada a partículas (CZERKAWSKI, 1986). Menor taxa de crescimento é necessária para os microrganismos aderidos manterem-se no rúmen, visto que são removidos mais lentamente do que microrganismos não aderidos (McALLISTER et al., 1994).
O genoma da espécie Methanobrevibacter ruminantium contém genes codificadores de proteínas e polissacarídeos que podem estar envolvidos na aderência a superfícies (LEAHY et al., 2010). Aderindo- -se às partículas no rúmen, as metanogênicas poderão crescer a uma taxa menor, ou seja, o suficiente para manter o ritmo com a taxa de passagem dos sólidos, ao invés de se adequarem ao rápido fluxo da fase líquida. Taxa de crescimento mais lento resulta em menor concentração estacionária de H2, o que pode aumentar a produção desse gás, pelo fato das vias de sua formação serem termodinamicamente mais favoráveis. Consequentemente, isso proporciona aumento da formação de metano. Metanogênicas que não aderem a partículas sólidas têm que crescer a uma taxa mais elevada para manterem-se no rúmen, o que pode não ser possível se as metanogênicas aderidas reduzirem a concentração de H2 a tal nível em que elevadas taxas de crescimento não sejam possíveis (JANSSEN, 2010).
A produção de metano por ovinos foi negativamente correlacionada com a taxa de passagem (PINARES-PATIÑO et al., 2003), o que pode ser explicado não só pela redução na fermentação ruminal do alimento, mas também porque taxas de passagem elevadas levam ao aumento das concentrações de H2 dissolvido, resultando em menor formação de metano e maior de propionato.
Se as Archaea metanogênicas são capazes de se manterem no rúmen a uma taxa de crescimento mais lenta, por meio da adesão a protozoários, então essa seria uma vantagem quando a taxa de passagem é elevada como, por exemplo, em dietas ricas em concentrado. Entretanto, essa estratégia será menos importante quando a taxa de passagem for mais baixa, quando dietas baseadas em forragem são fornecidas. Além disso, dietas baseadas em forragem proporcionam às metanogênicas muitas outras superfícies com maior tempo de retenção para que elas possam se aderir . É possível que, na presença de protozoários, metanogênicas colonizadoras possam crescer mais lentamente e então reduzir a concentração de H2 do meio, de modo que as vias de fermentação de formação de H2 são favorecidas e mais metano é produzido. Defaunação em ruminantes alimentados com dietas baseadas em grãos resultou na redução da produção de metano, mas as diferenças foram muito menores para dietas baseadas em forragem (HEGARTY et al., 2008; BIRD et al, 2008).
Em geral, a queda do pH ruminal está associada a taxas de passagem elevadas, menor formação de metano, aumento da proporção de propionato no total de AGVs, e maiores concentrações de H2. Dependendo do tipo de dieta e do tempo após alimentação, o pH do líquido ruminal sob condições fisiológicas normais, varia de 5,6 a 6,7 (KOLVER E VETH, 2002). Na extremidade mais ácida desse intervalo, as metanogênicas ruminais são parcialmente inibidas, e sua população é menor ou elas são menos ativas. O pH ótimo para o crescimento das metanogênicas está dentro da faixa de 6,0 a 7,5, e o limite mais baixo está entre 5,5 e 6,5. Isso significa que as taxas mais elevadas de crescimento são alcançadas nos valores de pH ruminal próximos da neutralidade, e a taxa de crescimento cairá à medida que o pH é reduzido. Consequentemente, a concentração de H2 requerida pelas metanogênicas para atingirem a taxa de crescimento necessária para manter sua população no rúmen, em uma dada taxa de passagem, será maior quando o pH está sub ótimo. Portanto, em valores de pH mais ácidos, a concentração de H2 dissolvido deve ser maior em qualquer taxa de passagem. Como consequência das elevadas concentrações de H2 no rúmen quando as metanogênicas estão crescendo em condições sub ótimas, ocorre queda na produção líquida de H2 pelos microrganismos fermentadores, reduzindo a formação de CH4, a qual é determinada pela quantidade de H2 que passa através do pool de H2 dissolvido no meio ruminal (JANSSEN, 2010).
 
Quando inibidores de metano estão presentes
Inibidores de metanogênicas reduzem a taxa de crescimento desses microrganismos de maneira semelhante aos efeitos do baixo pH. Geralmente, a formação de metano é apenas parcialmente inibida e maior pressão parcial de H2 será necessária para que as metanogênicas mantenham qualquer taxa de crescimento. Com o aumento da concentração de H2 observa-se maior formação de propionato. Tais inibidores incluem gorduras e óleos, certos extratos de plantas, óleos essenciais, taninos, entre outros. A utilização desses inibidores como estratégia de mitigação será abordada no tópico Estratégias nutricionais de mitigação.
Se a quantidade de inibidor presente no rúmen impede que as metanogênicas atinjam a taxa de crescimento necessária, ou seja, acima da taxa de diluição, sua população será completamente "lavada". Como consequência, a concentração de H2 no rúmen atingirá níveis muito elevados (JANSSEN, 2010). Tal efeito é observado para o uso de hidrocarbonetos clorados, os quais praticamente cessam a produção de metano, resultam em aumento da pressão parcial de H2 no rúmen, e promovem mudança acentuada para maior produção de propionato (DENMAN et al., 2007; GOEL et al., 2009).
FIGURA 2. Respostas observadas na produção ruminal de metano e propionato em função da dieta e parâmetros ruminais. A concentração de H dissolvido (pressão parcial) controla as quantidades de H (e então de metano) e propionato formadas por unidade de alimento fermentado, por meio da sua influência sobre a termodinâmica das diferentes vias de fermentação que ocorrem no rúmen. Fonte: Adaptado de Janssen (2010).
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Metano entérico e perdas energéticas
Com teor energético de 55,22 MJ/kg (BROUWER, 1965), o metano representa significativa perda de energia pelo sistema de produção (Tabela 2).
Aproximadamente, 5,5 a 6,5% da energia bruta ingerida é convertida a metano (JOHNSON E WARD, 1996). Entretanto, mensurações realizadas em câmaras respirométricas (calorimetria indireta) mostraram grande variação na emissão de metano, de 2 a 12% da energia bruta ingerida (JOHNSON E JOHNSON, 1995). Geralmente, à medida que a digestibilidade da dieta aumenta, ocorre maior variação na produção de metano (Figura 3).
Tabela 2. Variações típicas nas emissões de metano por três classes de ruminantes, energia perdida como CH e estimativa de dias perdidos de pastejo efetivo anual.
Emissões de metano na pecuária: conceitos, métodos de avaliação e estratégias de mitigação. Parte II - Image 2
FIGURA 3. Produção de metano (% da Energia Bruta ingerida) versus Energia Digestível (% da Energia Bruta ingerida).
Emissões de metano na pecuária: conceitos, métodos de avaliação e estratégias de mitigação. Parte II - Image 3
Segundo Johnson e Johnson (1995), existem duas causas principais para esta variação na produção de metano: quantidade de carboidratos fermentados no rúmen, e proporções relativas de propionato e de acetato produzidos.
Embora seja reconhecido que a composição da dieta afeta a contribuição dos ruminantes para a produção de GEE, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, responsável pelo desenvolvimento de metodologias para estimar inventários de emissão global, apenas faz diferenciação entre duas dietas (IPCC, 2006):
• Dietas com mais 90% de concentrado: taxa de conversão de CH4 de 3% da EB ingerida e;
• Dietas com menos de 90% de concentrado: taxa de conversão de CH4 de 6,5% da EB ingerida.
Esse critério pode não estar condizente com as condições observadas nos sistemas de produção de ruminantes instalados no Brasil, onde dificilmente são observados níveis de inclusão de mais de 90% de concentrado na dieta e, talvez a amplitude de 0 a 90% de concentrado seja pouco específica para a maior parte do manejo adotado para o rebanho de ruminantes no país.
Avaliando a produção de CH4 em novilhos de corte alimentados com dietas exclusivamente à base de forragem ou com 80% de concentrado, Harper et al. (1999) verificaram que 8,1 e 2,1% da energia bruta ingerida foi perdida como metano, respectivamente. Segundo Kaharabata et al. (2000), uma vaca leiteira pesando, aproximadamente, 600 kg pode apresentar produção total variando de 268 a 450 g de CH4, sendo a energia perdida na forma de metano (13,344 kcal/g) suficiente para produzir 4,55 e 7,65 kg de leite com 4% de gordura, respectivamente. Johnson et al. (1994) observaram produção de CH4 de 256 L/dia em novilhos (9,1% da EB ingerida), 193,9 L/dia para novilhas (5,6% da EB) e 548,2 L/dia (5,7% da EB) para vacas em lactação.
Dentre as formas de se expressar a produção de metano entérico, é importante considerar a produção por unidade de produto animal formado (kg de leite, de carne, ou de lã). Com esta forma de expressão, pode ser estabelecido equilíbrio entre a necessidade de produção de alimento para a crescente população e a emissão de GEE, além de evitar que sistemas de produção eficientes sejam penalizados. Portanto, a redução da produção de metano entérico sem prejudicar a produtividade animal é desejável, tanto como uma estratégia de mitigar a emissão total de GEE, como também de melhorar a eficiência de conversão alimentar dos ruminantes.
A eficiência dos sistemas brasileiros é passível de melhorias, ou seja, há ainda potencial para aumentar a quantidade de produto final, mantendo ou reduzindo a emissão de GEE. Conforme estimativas realizadas por Barioni et al. (2007), o aumento da taxa de natalidade de bovinos de 55 para 68%, a redução na idade de abate de 36 para 28 meses e a redução na mortalidade até 1 ano de 7% para 4,5%, permitiria que em 2025 as emissões de metano em relação ao equivalente carcaça produzido fossem reduzidas em 18%. Isso seria possível mesmo com o aumento estimado em 25,4% na produção de carne. Ou seja, toda ação que melhore a eficiência do sistema de produção reduz proporcionalmente a emissão de metano, uma vez que mais produto (carne, leite, lã, etc.) será produzido em relação aos recursos utilizados (GUIMARÃES JR. et al., 2010).
Yan et al. (2010) avaliaram dados obtidos em 20 estudos de metabolismo energético, realizados em câmaras respirométricas de fluxo aberto, envolvendo 579 vacas em lactação, com variação no mérito genético, número e fase da lactação e peso vivo. Os autores estudaram as taxas de emissão de metano entérico em relação a variáveis de eficiência de utilização de energia e de produtividade animal. Os resultados indicaram que a perda de energia na forma de CH4 como proporção da energia bruta (EB) ingerida ou da energia do leite, foi negativamente relacionada aos níveis de produção leiteira, metabolizabilidade da energia (q) e eficiência de utilização da energia metabolizável para lactação (Kl). Portanto, a seleção de vacas leiteiras com elevados níveis de produção e eficiência de utilização de energia representa estratégia eficiente de mitigação.
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