Introdução
A proteína bruta contida nos alimentos empregados em dietas para ruminantes é composta por uma fração degradável no rúmen (PDR) e uma fração não degradável no rúmen (PNDR) (Bohnert et al., 2002). A proteína dos alimentos é degradada no rúmen pelas proteases microbianas, no caso da uréia ocorre pela ação da urease, levando à formação de amônia e gás carbônico. Todavia a amônia também pode resultar da autólise ou processos de predação de microrganismos, e da uréia que entra no rúmen através da saliva ou por difusão no sentido do sangue para o rúmen (Marini et al., 2004). Para um melhor entendimento Hvelplund (1991) descreve que o metabolismo do nitrogênio no rúmen pode ser dividido em dois processos. O primeiro é a degradação da proteína da dieta, mediada pela atividade proteolítica dos microrganismos do rúmen, o segundo é a síntese de proteína microbiana (Pmic) no rúmen a partir da energia disponível durante a fermentação de carboidratos. A degradação da proteína no rúmen fornece um suprimento continuo de peptídeos, aminoácidos, e amônia para o crescimento dos microrganismos e conseqüente síntese de proteína microbiana, sendo esta a principal fonte de proteína metabolizável (PM) para o ruminante. Segundo o NRC (1996) 50 a 100% da PM exigida pelo bovino de corte pode ser atendida Pmic. Entretanto, Santos (2006) relata que a Pmic pode representar ao redor de 45% a 55% da PM no intestino de vacas leiteiras de alta produção, 55% a 65% em bovinos de corte confinados com rações ricas em energia e mais de 65% em bovinos mantidos exclusivamente em pastagens, portanto todo programa nutricional só terá sucesso se a produção de Pmic for otimizada. A reciclagem de nitrogênio e o ciclo da uréia em ruminantes estão intimamente relacionados, o processo de reciclagem começa quando a amônia é absorvida pela parede do rúmen e é imediatamente transportada pela circulação entero-hepática via veia porta para o fígado, onde é intensamente metabolizada. No fígado a amônia é convertida em uréia e posteriormente excretada na urina ou reciclada através da saliva ou por difusão através da parede do trato digestório (Van Soest, 1994).
Utilização de nitrogênio não-protéico (NNP) na dieta de ruminantes
Por definição, NNP é todo nitrogênio que não se apresenta na forma polipeptídica (Haliburton & Morgan, 1989). O conceito do uso de componentes nitrogenados não protéicos modificou-se bastante nos últimos anos. No passado utilizava-se o máximo possível de NNP em substituição à proteína verdadeira, desde que a produção e saúde dos animais não fossem afetadas. Segundo Lucci (1997) a recomendação para seu emprego é baseada em novos conhecimentos de taxas de degradabilidade protéica no rúmen, do teor de NNP da forragem e do nível adequado de amônia e energia dentro do rúmen. Outra consideração é que a produção raramente aumenta com o uso do NNP, e assim, sua utilização deve ser estratégica e baseada no conhecimento da disponibilidade e custo dos alimentos. É importante lembrar que atualmente o custo da uréia é dependente dos preços internacionais do petróleo, logo, à medida que o petróleo atinge preços históricos mais altos a uréia apresentara custo mais elevado.
Uma correta suplementação com NNP na dieta só contribuirá de maneira positiva, se esta disponibilizar a amônia necessária para as bactérias do rúmen. Oliveira Jr et al. (2004) destacam que por muitos anos a pesquisa tem estudado a liberação de amônia no rúmen, uma vez que a amônia é utilizada para a multiplicação dos microrganismos e estes dependem da disponibilidade de energia. O conceito de que a taxa de liberação de nitrogênio amôniacal deve coincidir com a taxa de digestão dos carboidratos é cada vez mais claro. Este fato tem levado a indústria a buscar o desenvolvimento de compostos de liberação mais lenta do NNP, como é o caso do biureto e da amiréia, os quais evitariam ou diminuiriam o risco de intoxicação (Currier et al., 2004)Todavia, as pesquisas sobre esses compostos não são conclusivas. Por muitos anos os pesquisadores têm procurado novas alternativas de NNP além da uréia, devido às características vantajosas que fazem possível sua utilização na alimentação de ruminantes, entre elas: compostos de purinas e pirimidinas, biureto, ácido úrico, glicosídeos nitrogenados, alcalóides, sais de amônio e nitratos, glutamato monossódico entre outros, mas somente a uréia tem permanecido como uma fonte viável para o uso em ruminantes.
Uréia na alimentação de ruminantes
A uréia (CO(NH2)2) é um composto orgânico sólido, altamente higroscópico, solúvel em água e álcool, de cor branca e sabor amargo, seu pH é 9,0 sendo classificada como amida, por isso é considerada um composto nitrogenado não-protéico (NNP). A uréia comercializada no Brasil contém 46,4% de N; 0,55% de Biureto; 0,008% de amina livre; 0,003% de cinza e 0,003% de ferro e chumbo (Santos et al., 2001). A uréia possui algumas características como: é deficiente em todos os minerais, não possui valor energético próprio, é extremamente solúvel e no rúmen é rapidamente convertida em amônia (Maynard et al., 1984). Todavia, Currier et al. (2004) relataram que o uso da uréia pelos ruminantes é limitado em virtude de sua baixa aceitabilidade, sua segregação quando misturada com farelos, e sua toxicidade agravada pela elevada solubilidade no rúmen.
A qualidade e quantidade de carboidratos que compõem a ração concentrada são de grande importância para a eficiência da utilização de uréia pelos microrganismos do rúmen. Por exemplo, é bem sabido que a adição de amido a ração que contém uréia promove melhor utilização desta em comparação com outra fonte de carboidrato. A associação de uréia aos alimentos volumosos, em relação ao seu emprego junto aos concentrados, traz uma série de vantagens, entre estas, mascara o gosto desagradável da uréia propiciando o consumo mais uniformizado durante às 24 horas do dia pela ingestão mais lenta desse alimento que assim diminuirá a formação de picos de amônia no interior do rúmen, não só diminuindo o risco de intoxicação como também melhorando o aproveitamento do NNP (Currier et al., 2004). Os alimentos volumosos são ricos em fibras e liberam energia de forma lenta, o qual poderia diminuir o potencial do uso da uréia.
A uréia contém um equivalente de 282% de PB e quando ingerida, no rúmen é rapidamente hidrolisada a NH3 e CO2 pelos microrganismos ureolíticos. Segundo Koster et al. (2002) isso ocorre normalmente e é independente da suplementação com uréia na dieta, já que os ruminantes reciclam uréia pela saliva ou por difusão através da parede do rúmen via corrente sangüínea. Com o uso da uréia na dieta, as concentrações de amônia no rúmen têm pico cerca de 1 a 2 horas após o consumo dos alimentos, o que é mais rápido do que quando ruminantes ingerem fontes de proteína verdadeira de alta degradabilidade ruminal (Santos, 2006). Entretanto, com o aumento na concentração de amônia no rúmen, há também um aumento na taxa de absorção pela parede ruminal. Isso é causado não só pelo aumento na diferença de concentração de amônia entre o rúmen e a corrente sangüínea, mas também pelo efeito tamponante da amônia, que aumenta o pH ruminal, favorecendo sua absorção (Fernandez et al., 1990).
Quanto mais alto o pH ruminal maior a concentração de amônia. Enquanto o íon amônio é hidrossolúvel e não absorvível pela parede ruminal, a amônia e lipossolúvel e muito disponível para ser absorvida (Bartley et al., 1976). Assim, condições que favoreçam o surgimento de pH alcalino, tais como jejum, dieta rica em fibra e/ou com baixo teor de carboidratos solúveis ou mesmo a ingestão de quantidades consideráveis de uréia, aumentam e aceleram a absorção de amônia para o organismo. A toxidez da uréia depende de uma série de fatores, entre eles: o jejum; a qualidade da forragem; o consumo rápido de ração contendo uréia por animais famintos; a quantidade excessiva de uréia na ração; a adição de uréia a ração sem adequada quantidade de proteína natural e o fornecimento de ração com uréia sem adaptação do animal. Segundo Santos (2006) a intoxicação por amônia se dá, em parte, pela alcalose metabólica, mas principalmente pela encefalopatia resultante dos efeitos tóxicos no sistema nervoso central. Provavelmente a toxidez pela amônia ocorre quando animais mal alimentados ou em jejum recebem rações deficientes em carboidratos facilmente fermentáveis e a uréia é administrada abruptamente. Segundo Lucci (1997) a toxicidade pela amônia ocorre com ingestões de 45 g a 50 g de uréia por 100 kg de peso vivo, em curto espaço de tempo. Enquanto que, animais bem adaptados resistiriam a quantidades duas a três vezes maiores.
Conclusões
O uso de NNP na forma de uréia, continuara sendo uma boa alternativa para balancear as dietas de bovinos. Todavia, deve-se adotar um manejo alimentar adequado para não carregar efeitos deletérios nos animais e analisar os fatores econômicos que vão limitar a inclusão da uréia na dieta.
Literatura citada
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