Introdução
A polpa cítrica peletizada é um subproduto da produção de suco de laranja e está disponível no mercado interno, nos últimos anos, a um preço geralmente inferior ao milho em grão. Pode ser utilizada na alimentação de ruminantes, principalmente como componente energético da dieta, e a sua oferta coincide com o período de escassez de forragem.
Utilizada como substituto do milho desintegrado com palha e sabugo, Velloso et al. (1974) encontraram melhoras significativas no ganho de peso e na conversão alimentar para tourinhos mestiços confinados, recebendo dietas com até 30% de polpa e 45% de concentrado na matéria seca. Trabalhando com tourinhos Canchim, Esteves et al. (1987) obtiveram aumento do ganho de peso com 50% de substituição, mas não para a substituição total, sendo que o concentrado participou como 66% da dieta. Os autores recomendaram a substituição de 50% do milho desintegrado com palha e sabugo pela polpa de citros.
Comparando a polpa cítrica com o melaço de cana-de-açúcar na engorda de vacas, Brown & Johnson (1991) não encontraram diferenças para ganho de peso (0,70 kg/dia), consumo de alimentos, peso e rendimento de carcaça, espessura de gordura, área de olho de lombo e gordura renal-pélvica-inguinal.
A literatura aponta teores de aproximadamente 80% de nutrientes digestíveis totais para a polpa cítrica, indicando teor energético 13% inferior ao do milho, conforme tabelas de composição de alimentos do NRC (1996). Entretanto, a polpa cítrica parece proporcionar melhor padrão de fermentação ruminal que o milho, devido ao menor conteúdo de amido e à maior concentração de pectinas (Van Soest, 1994). Problemas digestivos, como acidose, laminite, baixo consumo de alimentos e abscessos de fígado, podem ocorrer quando se utilizam dietas com altas proporções de carboidratos fermentescíveis, principalmente quando o maior componente desses carboidratos é o amido, mas não fica eliminada essa possibilidade com o uso de pectinas (Woody et al., 1983).
Mesmo assim, os resultados da literatura comparando a polpa cítrica e o milho em grão não têm sido consistentes quanto ao desempenho e às características da carcaça de bovinos. Vijchulata et al. (1980), trabalhando com dietas com 85% de concentrado, não observaram diferenças no ganho de peso (1,06 kg/dia) quando a polpa cítrica participou como 40% da matéria seca da dieta; o rendimento de carcaça e o grau de marmorização também não apresentaram diferenças. De forma semelhante, utilizando 60% da dieta na forma de polpa de citros, esses mesmos autores não encontraram diferença para ganho de peso, consumo de matéria seca, conversão alimentar e características da carcaça. Prado et al. (2000) também não encontraram nenhuma alteração de ganho de peso, consumo, conversão alimentar, rendimento de carcaça, gordura de cobertura e área de olho de lombo de tourinhos cruzados Nelore x Angus, quando substituíram 40, 60, 80 e 100% do milho pela polpa cítrica em dietas com cerca de 50% de concentrado.
Com novilhos da raça Nelore, Sampaio et al. (1984) não encontraram diferenças no ganho de peso, ao redor de 0,95 kg/dia, quando utilizaram polpa de citros desidratada, milho em grão ou a mistura deles em igual proporção, como componentes energéticos do concentrado, em dietas com 60% de concentrado. Por outro lado, foram encontradas diferenças na conversão alimentar, que piorou com o aumento da polpa de citros na dieta.
Contrariamente, Henrique et al. (1998) concluíram que, em dietas com baixa proporção de concentrado (20% da matéria seca), o milho pode ser substituído integralmente pela polpa de citros peletizada para bovinos jovens confinados, sem alterações do desempenho animal e das características da carcaça. Nessas condições, os resultados médios foram: para ganho de peso de 1,02 kg/dia; 6,02 kg/dia de matéria seca consumida; 0,17 kg de ganho de peso/kg matéria seca ingerida; 50,8% de rendimento de carcaça; 3,7 mm de espessura de gordura; e 54 cm² de área de olho de lombo. Em rações com 80% de concentrado, a substituição do milho pela polpa de citros reduziu consideravelmente o consumo de matéria seca e o ganho de peso, e prejudicou algumas variáveis avaliadas na carcaça. Os autores justificaram esses resultados devido ao teor de cálcio do lote da polpa cítrica utilizada, determinando uma porcentagem de cálcio na dieta próxima ao limite máximo recomendado de 2% (NRC, 1996).
Objetivou-se com o presente trabalho avaliar os efeitos de níveis de inclusão da polpa cítrica, substituindo o milho em grão, sobre o desempenho e as características da carcaça de tourinhos Santa Gertrudes confinados, recebendo dietas com elevada proporção de concentrado.
Material e Métodos
O experimento foi conduzido no Instituto de Zootecnia de São José do Rio Preto, SP, com animais do rebanho do próprio Instituto, os quais foram mantidos confinados em baias coletivas após a desmama.
Foram selecionados 28 tourinhos Santa Gertrudes, com nove meses de idade, que permaneceram confinados em baias individuais, com cerca de 6 m², parcialmente cobertas e cimentadas.
O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso, sendo os blocos formados a partir do peso dos animais e alocados aleatoriamente na instalação. Os animais foram mantidos confinados durante 113 dias, sendo os primeiros 21 dias considerados como adaptação.
A silagem de milho com 40% de grãos foi utilizada como volumoso e representou 20% da matéria seca da dieta. Foram avaliados quatro tratamentos, ou seja, quatro dietas com diferentes participações de polpa cítrica peletizada (0, 25, 40 e 55% da matéria seca), substituindo o milho em grão. A composição dessas dietas está apresentada na Tabela 1, tendo sido ajustadas pelo modelo Cornell Net Carbohydrate and Protein System – CNCPS (Sniffen et al., 1992) para atender às exigências de proteína degradável no rúmen e proteína metabolizável para a categoria animal utilizada, bem como às exigências de aminoácidos e peptídeos das bactérias do rúmen.
Assim, os tratamentos consistiram na substituição de 0, 38, 62 e 86% do milho, em relação ao tratamento sem polpa cítrica, respectivamente para os tratamentos 0, 25, 40 e 55% de participação da polpa cítrica na matéria seca da dieta.
Os alimentos foram fornecidos na forma de ração completa, em duas refeições diárias, e os animais tinham livre acesso à água. A quantidade de volumoso foi corrigida diariamente, e a de concentrado, semanalmente, permitindo-se sobras em torno de 10%. Os cochos foram limpos duas vezes por semana, desprezando-se as sobras. Semanalmente, foram determinados os teores de matéria seca dessas sobras e dos alimentos oferecidos para ajuste da relação volumoso:concentrado.
Tabela 1 - Composição das dietas experimentais (porcentagem da matéria seca)
Os animais foram pesados no início do período de adaptação, no início e no final do período experimental, e periodicamente, após jejum completo de 18 h. Foram obtidas as variáveis peso inicial e final, ganho de peso, consumo de matéria seca diário e em relação ao peso e eficiência alimentar. Na última pesagem, foram também coletadas amostras das fezes dos animais para medida do pH, como indicador da digestão de amido (Wheeler & Noller, 1977).
No final do período experimental, todos os animais foram abatidos em frigorífico comercial e feitas medidas na carcaça para obtenção das seguintes variáveis: peso e rendimento de carcaça, área de olho de lombo entre a 12a e a 13a costelas, espessura de gordura sobre a 12a costela, peso do fígado, e peso da gordura renal-pélvica-inguinal. A área de olho de lombo e a espessura de gordura foram medidas na carcaça após resfriamento durante 24 horas, sendo a área de olho de lombo medida com auxílio da régua quadriculada. Foi também averiguada a ocorrência de abscessos no fígado, segundo metodologia descrita pela Elanco (1974).
Todas as variáveis obtidas foram analisadas (SAS, 1996) quanto à normalidade de distribuição pelo teste de Shapiro-Wilk, e quanto à homogeneidade da variância pelo teste de Bartlett, tendo sido considerado o nível de 5% de probabilidade para significância.
Após essas análises preliminares tendo sido satisfatórias, os resultados foram analisados estatisticamente por regressão polinomial, considerando-se blocos ao acaso, com sete repetições, e quatro tratamentos (0, 25, 40 e 55% de polpa cítrica peletizada na matéria seca da dieta). O coeficiente de determinação foi calculado dividindo-se a somatória da soma de quadrados da regressão de menor grau até a soma de quadrados da regressão de grau significativo, dividida pela soma de quadrados de tratamentos.
Resultados e Discussão
A composição químico-bromatológica média do volumoso e dos concentrados utilizados neste experimento encontra-se na Tabela 2. A polpa cítrica peletizada utilizada neste experimento apresentou 85,46% de matéria seca e a seguinte composição, como porcentagem da matéria seca: 5,99 de proteína bruta; 1,48 de extrato etéreo; 4,67 de matéria mineral; 19,30 de fibra em detergente neutro; 1,22 de cálcio; e 0,09 de fósforo.
Tabela 2 - Composição químico-bromatológica da silagem de milho e dos concentrados utilizados
O peso inicial, o peso final, o ganho de peso diário, a ingestão de matéria seca e a eficiência alimentar estão apresentados na Tabela 3.
A substituição do milho em grão pela polpa cítrica peletizada, como fonte de energia, não alterou o peso final e o ganho de peso dos animais (P> 0,05). Esses resultados concordam com os obtidos por Prado et al. (2000), que encontraram valores médios de 1,36 kg/dia e não obtiveram alteração dessa variável para diferentes níveis de substituição do milho pela polpa cítrica. Os valores aqui obtidos foram mais elevados, mas aqueles autores trabalharam com dietas com cerca de 50% de concentrado. Por outro lado, Velloso et al. (1974) observaram ganho de peso crescente à medida que se elevou a participação da polpa cítrica, mas em substituição ao milho desintegrado com palha e sabugo. Enquanto os resultados de Henrique et al. (1998) mostraram redução do ganho de peso (de 1,4 para 0,7 kg/dia) com a substituição total do milho em grão pela polpa cítrica, utilizando dietas com 80% de concentrado. Vale lembrar que esses autores atribuíram a redução do ganho devido ao excesso de cálcio presente na polpa cítrica utilizada, que poderia ter reduzido o consumo e a digestibilidade da proteína bruta e da energia, bem como ter afetado o metabolismo do fósforo, magnésio e outros minerais traços.
O ganho de peso dos animais, não tendo sofrido efeito da participação de polpa cítrica, não afetou a ingestão de matéria seca por dia ou em relação ao peso vivo (P> 0,05). Os valores obtidos para essas variáveis são compatíveis com o tipo de dieta utilizada e a categoria animal empregada, considerando-se o tempo total de confinamento de 113 dias. Essa não alteração do consumo de matéria seca com a inclusão da polpa cítrica também foi observada por Prado et al. (2000), que obtiveram 7,6 kg/dia e 1,9% do peso vivo. Por outro lado, Velloso et al. (1974) observaram aumento no consumo de matéria seca, à medida que se aumentou a substituição da espiga de milho desintegrada com palha e sabugo pelo milho. Henrique et al. (1998) encontraram diminuição no consumo de matéria seca com a substituição do milho pela polpa cítrica em dietas com 80% de concentrado, mas o nível de cálcio na polpa cítrica utilizada parece ter sido o fator que limitou o consumo nos tratamentos com esse subproduto.
A eficiência alimentar também não foi afetada (P> 0,05) pela inclusão de níveis crescentes da polpa cítrica. Os resultados encontrados reforçam a indicação do uso de dietas com alto concentrado e de animais de bom potencial de ganho de peso, uma vez que foram necessários 5,2 kg de ração para se obter 1 kg de ganho de peso. Esses valores são melhores do que os reportados por Prado et al. (2000), que obtiveram 6,3 kg de matéria seca consumida para cada kg de ganho de peso, mas da mesma forma não encontraram efeito de níveis de substituição do milho pela polpa cítrica. Por outro lado, Sampaio et al. (1984) observaram que a substituição do milho pela polpa cítrica em 0, 50 e 100%, na dieta de bovinos, proporcionou aumento na relação quilograma de matéria seca consumida por quilograma de ganho de peso, de 8,15 para 9,49 kg. Nos resultados obtidos por Loggins et al. (1964), também foi verificada redução linear na eficiência alimentar com a substituição do milho pela polpa cítrica nos níveis de 25, 50, 75 e 100% da dieta de ovinos em engorda.
Tabela 3 - Peso inicial, peso final, ganho de peso, ingestão de alimentos e eficiência alimentar dos animais em cada tratamento, com os respectivos coeficientes de variação (CV)
Os resultados referentes às características da carcaça, incluindo peso e rendimento de carcaça, espessura de gordura, área de olho de lombo, peso da gordura renal-pélvica-inguinal e do fígado, bem como o pH das fezes, encontram-se na Tabela 4.
Não foram verificados abscessos no fígado de nenhum dos animais, independentemente do tratamento a que foram submetidos. Ressalta-se que, na dieta utilizada neste experimento, além dos 80% de concentrado, o grão de milho esteve presente em 40% da matéria seca da silagem, totalizando 88% de concentrado.
O peso final da carcaça quente mostrou efeito linear significativo (P = 0,02), tendo sido obtido aumento desse peso com a maior participação da polpa cítrica peletizada na matéria seca da dieta. Houve diferença numérica no ganho de peso dos animais entre tratamentos, apesar de não significativa, mas essa diferença pode ter contribuído para as diferenças encontradas no peso final da carcaça.
O rendimento de carcaça (Tabela 4) não foi afetado pelos níveis de substituição do milho pela polpa cítrica (P> 0,05), com valores inferiores aos encontrados por Prado et al. (2000), que obtiveram rendimento de 57%. Esse menor rendimento de carcaça pode ser explicado, em parte, pela idade de abate dos animais, cerca de 13 meses, e inteiros, enquanto aqueles autores abateram os animais com 20 meses e mestiços Nelore/Angus, sendo essa última raça considerada precoce. Todavia, os resultados obtidos foram muito próximos aos de Henrique et al. (1998), que encontraram 52,4% de rendimento para animais da mesma raça, idade e nível de concentrado na dieta.
Os níveis de polpa cítrica na dieta afetaram significativamente a espessura de gordura de forma linear (P=0,03). A espessura de gordura foi reduzida de 7,0 para 4,7 mm no tratamento sem e com 55% de polpa cítrica na matéria seca da dieta, significando diminuição de 32%. Na Tabela 1, pode ser verificada redução da concentração energética estimada da dieta, cerca de 5%, com o aumento do nível de participação da polpa cítrica, o que pode justificar, pelo menos em parte, essa diminuição da espessura de gordura de cobertura. Vale lembrar que essa estimativa foi a partir da composição dos ingredientes obtida no NRC (1996). A presença da polpa cítrica pode também ter afetado de alguma forma as vias de deposição de gordura, redirecionando-a para outros sítios que não a gordura de cobertura. A espessura de gordura obtida (Tabela 4) foi maior que a encontrada por Henrique et al. (1998), trabalhando com dieta com 80% de concentrado e milho como componente energético, que obtiveram 4,7 mm. A gordura de cobertura não apresentou diferença significativa no trabalho de Prado et al. (2000), mas os autores apontaram a diferença numérica, acima de 10%, no tratamento em que o milho foi substituído integralmente pela polpa cítrica peletizada (2,7 e 3,6 mm). De qualquer forma, as espessuras de gordura aqui observadas foram suficientes para se considerar uma boa proteção da carcaça durante o resfriamento, mesmo no tratamento com 55% de polpa cítrica na matéria seca da dieta.
Tabela 4 - Características da carcaça e pH das fezes dos animais em cada tratamento, com os respectivos coeficientes de variação (CV)
O peso da gordura renal-pélvica-inguinal não foi afetado pelos níveis de substituição do milho pela polpa cítrica peletizada na dieta (P> 0,05), e os valores obtidos (Tabela 4) foram mais que o dobro dos encontrados por Henrique et al. (1998) no tratamento com 80% de concentrado e milho. Brown & Johnson (1991) também não encontraram diferença na quantidade de gordura renal-pélvica-inguinal quando substituíram o melaço pela polpa cítrica.
O aumento da participação da polpa cítrica na dieta não afetou a área de olho de lombo (P> 0,05), em tamanho total ou por 100 kg de carcaça. Esses valores (Tabela 4) foram menores que os obtidos por Prado et al. (2000), que encontraram 82 cm², e calculando-se por 100 kg de carcaça, a área de olho de lombo ficou acima de 30 cm². Com animais da mesma raça e idade do presente trabalho, Henrique et al. (1998) encontraram 54,9 cm² e 25,9 cm²/100 kg de carcaça, no tratamento com 80% de concentrado e milho como componente energético.
O pH das fezes é, segundo Wheeler & Noller (1977), um bom indicador da quantidade de amido presente nas fezes. Menor pH refere-se à maior quantidade de amido nas fezes. Não foram verificadas diferenças entre tratamentos (P> 0,05), e os valores obtidos (Tabela 4) foram inferiores aos obtidos por Henrique et al. (1998), que encontraram 6,62 para dietas com o mesmo teor de concentrado e com a inclusão da polpa cítrica. O pH das fezes dos animais do tratamento sem polpa cítrica foi semelhante aos obtidos por aqueles autores, com o mesmo tipo de dieta.
De modo geral, os tratamentos não afetaram o desempenho dos animais e as características da carcaça. Assim, a polpa cítrica poderia substituir o milho em grão na composição das dietas, mas essa substituição não deve ser feita apenas na porcentagem da matéria seca; os teores de proteína bruta, energia e minerais devem também ser reajustados.
Conclusões
A polpa cítrica peletizada pode participar como componente energético em até 55% da matéria seca da dieta, substituindo o milho em grão, na terminação de tourinhos recebendo dietas com teores elevados de concentrado, uma vez que não houve alteração do desempenho e do rendimento de carcaça.
No acabamento de tourinhos recebendo alto teor de concentrado e mais que 50% da dieta na forma de polpa cítrica peletizada, é necessário dar atenção à espessura de gordura de cobertura.
Publicado originalmente na R. Bras. Zootec., v.33, n.2, p.463-470, 2004. Acesso disonível em: https://www.scielo.br/j/rbz/a/RhsWD9RBKfz4SkLgKYW3ZNJ/?lang=pt