Introdução
A criação de gado foi introduzida na região amazônica brasileira pelos portugueses no século XVII para atender a demanda de alimentos e tração animal para os colonos europeus estabelecidos no Estado do Pará e ao longo da calha do rio amazonas. Na segunda parte do século XX, migrações trouxeram grande número de colonos à Amazônia e este processo de colonização manteve parte do foco nas margens dos rios. Assim, as áreas de várzeas foram bastante afetadas no processo de introdução das atividades agrícolas e pecuárias adotadas pelos colonos (OHLY, 2000).
A bovinocultura amazônica sempre foi caracterizada por criações extensivas em pastagens naturais, principalmente em regiões de campo de várzea, em um sistema de cria, recria e engorda e com o aproveitamento do leite (SERRÃO & FALESI, 1997; TOCANTINS, 1983; VIEIRA, 2003;). Nas várzeas do Estado do Amazonas, a maioria das propriedades se dedica à criação de rebanho (LIMA FILHO e MELO, 1990). A capacidade produtiva destes sistemas é considerada baixa (FEARNSIDE, 1979), no entanto, é uma atividade que se encontra em franca expansão, tanto pelos grandes, quanto pelos médios e pequenos produtores (VALENTIN, 2003).
No período de 1990 a 2005, a pecuária no Estado do Amazonas apresentou um crescimento de 188%, correspondendo a um incremento anual médio de 12,5%, número este superior a média nacional, de 9,4% (IBGE, 2007). Este alto crescimento médio anual da região cria um dilema sobre sua existência com atividade econômica na Amazônia em função do fato de estar associada às principais causas de desmatamento na Amazônia. Contudo, cenários alternativos, contemplando a utilização de tecnologias, indicam que é possível reduzir o desmatamento e diminuir a conversão de áreas de vegetação nativa em pastagens.
Atualmente a demanda na ciência das pastagens é a busca do desenvolvimento de sistemas mais lucrativos de pastagens, mas mantendo um enfoque na sustentabilidade e se preocupando com as pessoas envolvidas, suas percepções, objetivos, problemas e necessidades (DEMMENT e LACA, 1993; WATERS-BAYER e BAYER, 2000). Para tanto, existe a necessidade de um profundo conhecimento não somente da produção vegetal, mas dos processos mecanísticos envolvidos na relação planta-animal e nos princípios de sustentabilidade (DEMMENT e LACA, 1993).
Quando se estudam sistemas de pastejo, um dos objetivos primários deve ser a definição da relação planta -animal e como ela afeta o rendimento da pastagem e o desempenho do animal (MARASCHIN, 1994). As interações que ocorrerem em função desta relação exercem uma importante influência na produção. O animal ao pastejar pode afetar a taxa de crescimento das plantas através da remoção de partes da planta da pastagem, através de danos físicos diretos para o solo ou plantas, ou através da reciclagem de nutrientes das plantas pelas fezes e urina. O animal por sua vez passa a ser afetado pela quantidade de forragem consumida e pelo valor nutritivo desta forragem (HODGSON, 1990).
Assim, em observação a essas considerações, esta ação de pesquisa foi realiza com o objetivo de avaliar o potencial de produção animal de uma pastagem de várzea submetida a um sistema de pastejo rotacionado.
Material e Métodos
A ação foi desenvolvida em uma propriedade privada situada no município do Careiro da Várzea, nas coordenadas 3º09'46"S e 59º52'52"W. No local está sendo conduzido pelo produtor, em conjunto com a Cooperativa Mista do Careiro da Várzea (COOPVÁRZEA) e em parceria com o Provárzea/IBAMA, IDAM, Embrapa Amazônia Ocidental, SEBRAE e a Prefeitura Municipal, um sistema pecuário intensivo voltado para o acabamento de bovinos de corte em área de várzea alta.
O sistema consistiu de uma área de 24 hectares dividida, por meio de cercas eletrificadas, em 5 piquetes com uma área média de 4,8 hectares cada. Esta área foi manejada sob um sistema de pastejo rotativo, composto por períodos de ocupação de 3 a 5 dias e períodos de descanso de 15 a 25 dias. Foram utilizados animais mestiços da raça nelore, com peso médio inicial de 300 kg, mantidos no sistema até o abate, quando então, eram substituídos por outro lote de características semelhantes.
Os parâmetros avaliados foram disponibilidade inicial e final de forragem, lotação e o ganho animal por animal e por área. Para avaliação dos parâmetros relacionados à pastagem foram selecionados, dois piquetes por sistema para acompanhamento durante todo o período experimental, com avaliações pelo método da dupla amostragem (HAYD OCK e SHAW, 1975), avaliando-se 50 amostras de 0,25 m2 por piquete, nos momentos ante e pós-pastejo. Para fins de comparação, foram realizadas estas mesmas avaliações em uma propriedade contígua que emprega manejo tradicional com lotação contínua.
No período 2005-2006, os animais foram pesados no momento da compra e, posteriormente, na venda, no abatedouro. Neste período foram utilizados dois lotes de animais que permaneceram, no total, 200 dias no experimento.
Resultados e Discussão
Os resultados da análise química dos solos (Tabela 1) revelam um solo típico de várzea, com níveis de nutrientes satisfatórios para a produção de forragem.
Tabela 1: Resultado da análise química do solo da área experimental e de uma propriedade contígua que utiliza manejo tradicional
Os resultados referentes à lotação animal obtida no sistema rotacionado (Figura 1) refletem a maior biomassa de forragem disponível, resultado do controlede resíduo pós-pastejo proporcionado pela adoção do sistema de pastejo rotacionado (Figura 2). No momento do início do pastejo dos piquetes rotacionados, a disponibilidade média de forragem foi 4,7 vezes maior àquela existente no sistema tradicional e, mesmo no momento da retirada dos animais, a disponibilidade média de forragem foi 2,9 vezes maior, permitindo maior área foliar residual e, consequentemente, maiores taxas de acumulo de forragem.
O alto ganho médio diário observado (Figura 3) foi reflexo da alta qualidade da pastagem nativa de várzea, aliado a oportunidade de colheita desta forragem proporcionada pela utilização do controle de oferta de forragem. Os valores obtidos mostram o grande contraste entre a produção observada no sistema testado e a média registrada nacionalmente e aquelas estimadas para o Amazonas.
Por sua vez, o ganho de peso animal por área obtido no sistema testado (Figura 4) representa a aglutinação dos fatores positivos do manejo utilizado sobre a produção de forragem, a lotação e desempenho animal. As produções obtidas apenas por influência de um melhor manejo da pastagem foi 300% superior àquelas obtidas no estado e permitiram ao produtor a obtenção de uma renda bruta, em 200 dias, superior a R$44.000,00 em 24 ha, o equivalente a R$1.850,00 por hectare. Estes dados demonstram o grande potencial das áreas de várzea alta para produção animal.
Figura 1: Lotação animal observada no período 2005-06 e médias observadas no Brasil, no Estado do Amazonas e nas áreas de várzea de rios de água branca no Amazonas
Figura 2: Médias de disponibilidade de forragem verde (kg/ha) observadas nos períodos antes (AP) e após o pastejo (DP) e em um sistema tradicional de lotação contínua.
Figura 3: Ganho de peso médio diário dos animais no período 2005-06 e médias observadas no Brasil, no Estado do Amazonas e nas áreas de várzea de rios de água branca no Amazonas
Figura 4: Ganho de peso por área observado no período 2005-06 e médias observadas no Brasil, no Estado do Amazonas e nas áreas de várzea de rios de água branca no Amazonas
Conclusões
Evidenciou-se o alto potencial que as áreas de várzea alta possuem para produção animal.
O sistema de pastejo rotativo, por meio de um melhor manejo da pastagem, permitiu aumentar a produção animal por área em 300% em relação as médias obtidas no Estado do Amazonas.
Referências bibliográficas
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HODGSON, J. Grazing Management - Science into Practice. Longman Handbooks in Agriculture. London, UK. 1990. 203p.
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LIMA FILHO, A.B. e MELO, L.A.S. Diagnóstico da pecuária bovina do Estado do Amazonas. Manaus, EMBRAPA-CPAA, 1990. 58p. (EMBRAPA-CPAA, Documentos, 3).
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SERRÃO. E.; FALESI. I. Pastagens do Trópico Úmido Brasileiro. In: Simpósio Sobre o Manejo de Pastagens. VIII. ESALQ. Piracicaba. 1997. p71.
TOCANTINS. L. O Rio Comanda a Vida: Uma Interpretação da Amazônia. 7 Ed. Rio de Janeiro: José Olympio Ed. 1983.
VALENTIN, J. A Bovinocultura na Amazônia – Perspectivas e Novas Tecnologias. In Terceiro Seminário de desenvolvimento Agropecuario na Amazônia Ocidental. Federação da Agricultura do Estado do Amazonas, Manaus, 2003
VIEIRA. J. Missionários. Fazendeiros e Índios em Roraima: A Disputa pela Terra – 1777 a 1980. Tese (Doutorado em História). Recife: UFPE. 2003.
WATERS-BAYER, A.; BAYER, W. Development-oriented socioeconomic methods in grassland and animal production research. In: 't MANNETJE, L.; JONES, R. M. (Eds.) Field and Laboratory Methods for Grassland and Animal Production Research. CAB International, 2000. p.403-435.