Introdução
Um dos fatores mais limitante para o confinamento de bovinos de corte, excluindo-se o valor dos animais, é o custo da alimentação. Em razão disso, existe necessidade imperiosa de se combinar uma alimentação com as propriedades adequadas para bom desempenho animal e qualidade da carne com um custo viável. Entre as variáveis de custo elevado da alimentação, a fonte de energia é quase dependente do milho. Por outro lado, o milho é valorizado na alimentação de animais monogátricos. Dessa forma, a viabilidade da substituição do milho por outra fonte de energia contribuiria para a redução nos custos com alimentação para animais confinados.
A polpa de citrus peletizada é um subproduto das indústrias de suco de laranja, caracterizada como um alimento de alto valor energético (13% inferior ao milho, segundo o NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC, 1996). Assim, a polpa de citrus peletizada poderia substituir outra fonte de energia para animais em confinamento, como no caso do milho.
Além das qualidades nutricionais da polpa de citrus, a época de produção é extremamente favorável, pois a safra inicia-se em maio e termina em janeiro, abrangendo justamente a entressafra de grãos como o milho e o período de escassez de forragem. Dessa maneira, o produtor passa a contar com mais um suplemento energético exatamente nos meses em que o milho atinge cotação máxima e os pastos, níveis mínimos de utilização.
Segundo VAN SOEST (1982), a polpa de citrus parece proporcionar melhor padrão de fermentação ruminal com dietas mistas (concentrado entre 30 e 50%) que as fontes de amido tradicionais, devido ao menor conteúdo de amido e à maior concentração de pectinas. WOODY et al. (1983) relataram que a maior eficiência da utilização da polpa de citrus pode ser atribuída ao fato de que problemas digestivos ocorrem quando há inclusão de elevada proporção de amido em dietas com altas proporções de carboidratos fermentescíveis. Dessa forma, a inclusão de polpa de citrus, em combinação com fontes de amido, poderia evitar o aparecimento de problemas ruminais.
VIJCHUALTA et al. (1980) obtiveram ganhos próximos de 1 kg/animal/dia em dietas com até 60% de polpa de citrus em substituição ao milho, em rações para bovinos confinados contendo farelo de soja ou cama de frango como fontes protéicas. Esse resultado foi semelhante aos resultados de Kirk et al. (1954), citados por CARVALHO (1995), no qual foi comparada substituição parcial ou total do milho pela polpa de citrus, obtendo-se ganhos de peso vivo em torno de 1 kg/animal/dia. Todavia, o melhor resultado foi observado para o tratamento com a substituição parcial (50%) do milho pela polpa de citrus.
Hentges et al (1965), citados por CARVALHO (1995), estudando o desempenho de bovinos alimentados com polpa de citrus, concluíram que o nível adequado de inclusão da polpa de citrus deve ser de até 40% da MS total da dieta. Acima deste nível, parece haver diminuição na conversão alimentar.
FELICIO (1998), em um trabalho para se avaliar a qualidade da carcaça, demonstrou que as características que influenciam a qualidade da carne são: genética, sexo, idade e os processos ante mortem (manejo, alimentação e transporte) e post mortem (estimulação elétrica da carcaça, resfriamento e maturação). Ainda, no grupo dos processos ante mortem, a alimentação intensiva é a mais importante, principalmente, quando feita na primeira seca da vida do animal. Hentges et al. (1965), citados por CARVALHO (1995), estudando o desempenho de bovinos alimentados com polpa de citrus, mostraram que a elevada inclusão de polpa de citrus na dieta não alterou o rendimento de carcaça dos animais.
O objetivo deste trabalho foi avaliar ganho em peso, consumo de alimentos e conversão alimentar da matéria seca e proteína bruta, rendimento de carcaça, gordura de cobertura e área de olho de lombo de quatro níveis de substituição do milho (40, 60, 80 e 100%) pela polpa de citrus desidratada e peletizada em bovinos machos inteiros (F1 - Nelore x Angus) terminados em confinamento.
Material e Métodos
O presente trabalho foi realizado na Fazenda Experimental de Iguatemi (FEI), no setor de Bovinocultura de Corte, pertencente à Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Foram usados 28 machos inteiros mestiços (F1 - Nelore x Angus), com idade aproximada de 20 meses e peso vivo médio de 346 kg. Os animais foram vacinados contra febre aftosa e desverminados, identificados com brincos plásticos na orelha esquerda e alojados individualmente em baias de 10m2 . As baias eram cercadas com vergalhões de ferro, com piso de concreto, parcialmente coberta com telhas de zinco, estando o cocho de alimentação, com 2 m lineares/ baia, na parte coberta e o bebedouro, com capacidade de 250 litros, na parte descoberta. Os animais foram pesados no início do experimento, aos 28 e 56 dias e ao final do período experimental (84 dias) e pesados pela manhã em jejum de alimentos sólidos, ou seja, depois da alimentação da tarde do dia anterior e antes da alimentação da manhã seguinte. Ao final do experimento, os animais foram abatidos e determinados peso de carcaça, rendimento de carcaça quente, gordura de cobertura e área de olho de lombo.
As composições química dos alimentos e percentual das rações experimentais estão na Tabela 1. A polpa de citrus peletizada é um subproduto da indústria de laranja, obtida por meio do tratamento de resíduos sólidos e líquidos remanescentes da extração do suco. Entre esses resíduos estão cascas, sementes e polpa de laranja. Este material equivale a 50% do peso de cada fruta e tem umidade de, aproximadamente, 82%. Após passar pelo processo de industrialização, a
Tabela 1 - Composição química (%/MS) dos alimentos e das rações
polpa é triturada e seca até chegar a 12% de umidade, quando o produto é peletizado.
Foram estudadas quatro rações experimentais com diferentes níveis de substituição do milho pela polpa de citrus: P40 - 40% de substituição; P60 - 60% de substituição; P80 - 80% de substituição; P100 - 100% de substituição. Além da substituição do milho pela polpa de citrus, como fonte de energia, foi usado silagem de milho – como volumoso – e farelo de soja e farinha de carne e ossos, como fonte de proteína. Ainda, fosfato bicálcico, calcário, 40 gramas/dia de sal mineral (para cada kg: 173,7 g de cálcio, 20 g de enxofre, 15 g de magnésio, 2920 mg de zinco, 784 mg de ferro, 560 mg de manganês, 800 mg de cobre, 84 mg de cobalto, 50 mg de iodo, 12 mg de selênio, 300.000 UI/kg de vitamina A, 100.000 UI/kg de vit. D, 100 mg de vit. E, 1000mg de niacina e 111 g de sódio) e monensina foram adicionados às rações. A composição percentual (%/MS) das dietas experimentais é mostrada na Tabela 2. Foram usadas, como base para cálculo das rações experimentais, as exigências apresentadas pelo NRC (1996).
Os animais foram alimentados duas vezes ao dia (8 e 16 h). O consumo de alimento foi determinado diariamente, pesando-se, todas manhãs, as sobras do dia anterior. O alimento foi fornecido ad libitum, buscando proporcionar sobra de, aproximadamente, 10%. As amostras das sobras foram acondicionadas em sacos plásticos, identificadas por tratamento, baia e animal, sendo posteriormente congeladas. As amostras diárias foram misturadas, ao final de cada período de 28 dias, formando, assim, amostras por animal (7), tratamento (4) e período (3).
Ao final do experimento, os animais foram conduzidos a um frigorífico da região, onde foram abatidos para a determinação do peso de carcaça, assim como para cálculo do seu rendimento a quente e determinação da gordura de cobertura e da área de olho de lombo.
O rendimento de carcaça a quente calculado foi razão obtida entre o peso de carcaça quente (imediatamente após a limpeza da carcaça) e o peso vivo dos animais, obtido 12 horas antes do abate.
Para determinação da gordura de cobertura, foi usado um paquímetro de precisão. A medida de gordura de cobertura foi realizada entre a 12a e 13a costela. A medida foi feita em três regiões do corte transversal, sendo o resultado final, em mm de gordura de cobertura, a média das três mensurações.
A área de olho de lombo foi determinada entre a 12a e 13a costela. A medida foi realizada com o uso de papel vegetal, no qual foi copiado o diâmetro do músculo Longissimus dorsi. Na seqüência, com ajuda de um planímetro, foi determinada a área de olho de lombo, em cm2 .
Após descongelamento, as amostras dos alimentos e das sobras foram secas, em estufa de ventilação forçada a 65oC durante 24 horas e moídas, em moinhos de bolas, identificadas por animal e tratamento e conservadas em frascos plásticos com tampas rosqueáveis. Para as análises bromatológicas, as amostras foram compostas por tratamento (4) e períodos (3). Na seqüência, foram determinados os teores de matéria seca (MS), matéria orgânica (MO), proteína bruta (PB), energia bruta (EB) e fibra em detergente neutro (FDN) dos alimentos e das sobras, pelo método da partição das fibras (Método de Van Soest), conforme citado por SILVA (1990).
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado com quatro tratamentos e sete repetições. Os dados de ganho em peso, consumo, conversão alimentar, rendimento de carcaça, gordura de cober
Tabela 2 - Composição percentual (%/MS) das dietas
tura e área de olho de lombo foram analisados pelo SAEG (EUCLYDES, 1983), a 5%. As variáveis foram analisadas de acordo com o seguinte modelo matemático:
Yij = µ + ti + b1 ( PI - PIm ) + eij
em que Yij é observação do animal j submetido ao tratamento i; µ, constante geral; t i , efeito do tratamento i; i = 1; ...; 4; b1 , coeficiente linear de regressão de Y, em função do peso inicial (PI); PI, peso inicial; PIm, peso inicial médio; e e ij, erro aleatório associado a cada observação Yij.
Resultados e Discussão
Os valores de matéria seca, proteína bruta, energia bruta e fibra em detergente neutro obtidos para polpa de citrus foram: 87,96; 6,33; 4,12; e 22,64%, respectivamente (Tabela 1). Estes valores estão próximos aos valores citados pelo NRC (1996) e aos encontrados por BRANCO et al. (1994) em experimento conduzido em condições semelhantes ao presente trabalho. Assim, a polpa de citrus pode ser considerada um alimento de baixo teor protéico e teor enérgico equivalente a 93% ao do milho.
O peso dos animais no início e final do experimento, ganho médio diário (GMD), consumo de matéria seca (CMS), proteína bruta (CPB), energia bruta (CEB) e fibra em detergente neutro (CFDN), conversão alimentar da matéria seca (CAMS), conversão alimentar da proteína bruta (CAPB), rendimento de carcaça (RC), gordura de cobertura (GC) e área de olho de lombo (AOL) estão apresentados na Tabela 3.
A substituição do milho nos níveis de 40% (P40), 60% (P60), 80% (P80) e 100% (P100) pela polpa de citrus peletizada, como fonte de energia, não alterou o GMD dos animais terminados em confinamento. Kirk et al. (1954), citados por PEACOCK e KIRK (1959), observaram que novilhos alimentados por 120 dias com milho, milho e polpa de citrus ou polpa de citrus, como fonte de energia, tiveram desempenho similar, sendo que o melhor GMD foi observado no tratamento milho e polpa de citrus (1,15 kg/animal/dia), seguido pelo tratamento milho (1,07 kg/animal/dia) e, por fim, pelo tratamento polpa de citrus (0,98 kg/animal/dia). Resultados semelhantes foram obtidos por ESTEVES et al. (1987), que, ao substituírem a espiga de milho desintegrada com palha e sabugo pela polpa de citrus nos tratamentos 0 (controle), 50 (50% de substituição) e 100 (substituição total), observaram que o GMD também foi similar, sendo que o melhor resultado foi obtido com a substituição de 50% (1,75 kg/animal/dia), seguido pelo tratamento 100% (1,72 kg/animal/dia) e o tratamento controle (1,60 kg/animal/dia). Estes resultados não estão de acordo com VELLOSO et al. (1974), que, em trabalho semelhante, observaram GMD crescente, à medida que se elevou o nível de substituição do milho pela polpa de citrus. HENRIQUE et al. (1998), trabalhando com dois níveis de concentrado (20 e 80%) e dois alimentos energéticos (milho e polpa de citrus), observaram que, no tratamento com 20% de concentrado, a substituição do milho pela polpa de citrus não influenciou o GMD. Entretanto, nos tratamentos em que o concentrado participou com 80% da matéria seca total da dieta, verificou-se diminuição no GMD, quando houve a substituição do milho pela polpa de citrus. Todavia, este resultados devem ser interpretados com cuidado, visto que a polpa de citrus é um subproduto do complexo citrícola. Dessa forma, diversas variáveis influenciam diretamente a qualidade do produto final obtido, como por exemplo, a própria variedade do citrus, assim como o processamento (esmagamento, extração do suco, secagem, desidratação, peletilização) para obtenção da polpa.
Da mesma forma, como para o GMD, os níveis de substituição do milho (P40, P60, P80 e P100) não influenciaram a ingestão de MS, PB, EB e FDN. VELLOSO et al (1974) observaram aumento no consumo de MS, à medida que se aumentou a subsitituuição da espiga de milho desintegrada com palha e sabugo pelo milho. Por outro lado, HENRIQUE et al. (1998) mostraram que a substituição do milho pela polpa de citrus diminuiu o consumo de MS em dietas com 20 e 80% de concentrado.
Tabela 3 - Peso vivo inicial, peso final, ganho médio diário (GMD), ingestão de matéria seca (IMS), proteína bruta (IPB), energia bruta (IEB), fibra em detergente neutro (IFDN), conversão alimentar da MS (CAMS), conversão alimentar da PB (CAPB), rendimento de carcaça (RC), gordura de cobertura (GC) e área de olho de lombo (AOL)
O consumo de MS em relação a 100 kg de peso vivo (MS/kg de PV) foi semelhante para os quatro níveis de substituição do milho pela polpa de citrus. Todavia, deve ser salientado que o consumo de MS/kg de PV foi da ordem de 1,9%. De modo geral, para animais desta categoria, o consumo de MS/kg de PV situa-se por volta de 2,3 a 2,5% (PRADO et al., 1995). Este baixo consumo poderia ser atribuído à qualidade da silagem de milho e, também, a inclusão da polpa de citrus na ração dos animais confinados. O consumo de MS/kg de PV, embora tenha sido baixo, não influiu no ganho em peso, que foi da ordem de 1,37 kg/dia. A relação concentrado:volumosos (%/MS) foi de 50:50.
A conversão alimentar da MS e PB (kg/dia) foi semelhante para aos quatro tratamentos: 6,74 e 0,93 (P40); 6,36 e 0,88 (P60); 5,77 e 0,78 (P80); 6,30 e 0,85 (P100), respectivamente. Estes resultados discordaram dos encontrados por LOGGINS et al. (1964), os quais mostraram que a substituição do milho pela polpa de citrus nos níveis de 25, 50, 75 e 100%, na dieta de ovinos em engorda, resultou na redução linear na eficiência de conversão do alimento em ganho de peso vivo. Resultados semelhantes foram encontrados por SAMPAIO et al. (1984), que observaram que a substituição do milho pela polpa de citrus em 0, 50 e 100%, na dieta de bovinos, também apresentou aumento na relação kg MS consumido/kg PV ganho.
Para o rendimento de carcaça, não foi observado diferença entre os quatro níveis de substituição do milho pela polpa de citrus (Tabela 3). Os resultados obtidos foram da ordem de 57%, podendo ser considerados, portanto, satisfatórios. O alto rendimento de carcaça observado pode estar relacionado ao tipo de animal usado; machos inteiros, com idade média de 20 meses, peso vivo médio inicial de 346 kg, oriundos de cruzamento industrial (F1 - Nelore x Angus). Estes resultados foram superiores aos obtidos por HENRIQUE et al. (1998), que, trabalhando com bovinos machos inteiros alimentados com uma dieta com 80% de concentrado, obtiveram rendimento da carcaça de 52,4%. Da mesma forma, PRADO et al. (1995), trabalhando com novilhos Nelore, alimentados com uma razão de concentrado:volumoso de 40:60%, na MS, encontraram valores para o rendimento de carcaça da ordem de 54,2%. Por outro lado, o rendimento de carcaça, além dos fatores de oscilação inerentes ao animal (genótipo, “rumen fill”, período de jejum e transporte), pode sofrer influência do local de abate, em função do maior ou menor grau de rigidez no processo de limpeza das carcaças.
A gordura de cobertura (mm) não apresentou diferença entre os tratamentos (Tabela 3). No entanto, nota-se que houve redução numérica, acima de 10%, para o tratamento em que o milho foi substituído integralmente pela polpa de citrus peletizada (P100) em relação aos demais tratamentos, nos quais os animais apresentaram pequenas variações entre si.
Da mesma forma, a área de olho de lombo, da ordem de 82 cm2 , também não mostrou diferença entre os tratamentos. Os valores observados podem ser considerados satisfatórios para o genótipo, a idade e grau de acabamento dos animais.
Conclusões
A substituição de diferentes níveis do milho (40, 60, 80 e 100%) pela polpa de citrus peletizada não alterou ganho em peso, consumo de matéria seca, proteína bruta, energia bruta e fibra em detergente neutro, conversão alimentar da matéria seca e proteína bruta, rendimento de carcaça, gordura de cobertura e área de olho de lombo de bovinos machos inteiros (F1- Nelore x Angus). Assim, a polpa de citrus peletizada pode ser utilizada em substituição parcial ou total ao milho, para animais confinados.
Publicado originalmente Rev. bras. zootec., 29(6):2135-2141, 2000 (Suplemento 1). Acesso disponível em: https://www.sbz.org.br/revista/artigos/2864.pdf