INTRODUÇÃO
Nos últimos 25 anos uma série de descobertas ocorridas em relação aos aspectos da fisiologia da reprodução em bovinos possibilitou o desenvolvimento de tecnologias capazes de aumentar a velocidade e a eficiência da disseminação do material genético de fêmeas zootecnicamente superiores (CHRISTIANSEN, 1991), promovendo assim uma maior contribuição das mesmas para o melhoramento genético da espécie (FORTUNE et al., 1991; GINTHER et al., 1997).
Neste período, o impacto econômico para a pecuária foi significativo em termos de evolução genética e produção de carne bovina. Novas biotecnologias surgiram e foram incorporadas modificando um conceito único de transferência de embriões (TE) antigamente restrito à produção de embriões por superovulação convencional, ou in vivo (VIANA e CAMARGO 2007). Neste contexto, a raça Nelore responde por mais de 70 % das atividades envolvendo tais biotecnologias.
Mais recentemente, a revolução observada pelo uso da técnica de produção de embriões em laboratório, conhecida como fertilização in vitro (FIV), somada ao desempenho da TE produzidos in vivo elevou o país a maior produtor mundial de embriões bovinos e a condição de exportador desta biotecnologia (VIANA e CAMARGO, 2007). Contudo, mesmo diante de toda evolução tecnológica, a eficiência dos índices produtivos e reprodutivos resultantes destas ferramentas em bovinos parecem não ter sofrido modificações nos últimos anos (BELTRAME 2006).
O objetivo deste trabalho foi estudar a evolução e o panorama da produção de embriões in vivo e in vitro na raça Nelore a partir de registros obtidos da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ) entre os anos de 1997 e 2007.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho tomou por base arquivos de dados concedidos pela ABCZ relativo à TE e FIV em doadoras da raça Nelore.
Foi utilizada uma base de dados com arquivos eletrônicos em formato "txt", contendo dados de embriões FIV e TE apresentando na linha, o evento, e nas colunas a seguinte padronização: código da doadora; código do touro; UF da fazenda; data da aspiração / coleta; data da transferência; embriões produzidos; embriões transferidos e embriões perdidos.
As informações foram organizadas em planilhas do Microsoft Excel 2003 e a partir deste ponto foram analisadas através da ferramenta SAS (1999). Registros de 109.775 coletas de embriões e 73.121 aspirações foram disponibilizadas pela ABCZ. Destes registros foram utilizados para o estudo as TE realizadas entre os anos de 1997 a 2007 e as aspirações realizadas entre os anos de 2002 a 2007. Registros das cinco regiões do Brasil (Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sul e Sudeste) foram estudados.
Foram retiradas da análise as aspirações e TE onde o número de embriões obtidos e/ou perdidos informados eram superiores a 30 e os que apresentavam datas do procedimento inconsistentes e/ou inexistentes.
A aplicação da restrição resultou em um banco de dados de FIV com 71.013 aspirações e 490.849 embriões. Para TE o banco foi composto por 108.327 coletas e 765.094 embriões.
Foi realizada a análise de variância do número de embriões viáveis para verificar os efeitos fixos de ano, região e a interação entre ambos. O teste SNK foi realizado para verificar se existiam diferenças entre as médias do número de embriões (Proc GLM - SAS, 1999). Não houve interação ano x região e portanto foi excluída da análise final dos dados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No final dos anos 90 a TE foi pioneira na disseminação de genética nos rebanhos zebuínos no Brasil. Durante o período de 1997 a 2007 foram comunicadas 108.327 coletas de embriões na raça Nelore no país. Ao final do ano de 1997 haviam sido comunicadas 640 coletas de embriões na raça Nelore no país. Posteriormente, instituições privadas, públicas e profissionais de biotecnologia da reprodução animal contribuíram para que em 2004 fosse verificado um crescimento vertiginoso desta biotecnologia, que foi de aproximadamente 4000% em relação às coletas de embriões realizadas no ano de 1997 (Figura 1). Pode-se observar que 26.271 coletas de embriões foram realizadas somente no ano de 2004.
Ao estudar a evolução destas biotecnologias nas diferentes regiões do Brasil, verificou-se que a disseminação da técnica de TE para produção de embriões in vivo concentrou-se nos estados do Sudeste e Centro- Oeste (Figura 2). Seja devido à localização, à maior concentração de profissionais, ao maior aporte genético ou mesmo decorrente de massivo trabalho publicitário, no ano de 2004 os Estados do Sudeste e Centro-Oeste foram os responsáveis por aproximadamente 77,8% de todos os embriões coletados in vivo (Tabela 1).
O número total de embriões recuperados a partir da TE na raça Nelore merece destaque. De 1997 a 2007 aproximadamente 765.094 embriões viáveis foram obtidos. Os estados do Sudeste e Centro-Oeste se destacaram na produção, como pode ser observado na Tabela 1.
Figura 1. Número de coletas de embriões (entre parêntesis) na raça Nelore comunicadas à Associação Brasileira de Criadores de Zebu
Figura 2. Distribuição do número de coletas de embriões em regiões do Brasil na raça Nelore
Tabela 1. Número total e médias de embriões obtidos por coleta nas diferentes regiões do Brasil de 1997 a 2007 através da transferência de embriões
A média de embriões produzidos por Região esteve entre 6,28 e 7,6 embriões. Produções similares são apresentadas nos trabalhos de Reincheinbach (2003) onde uma estimativa mundial de seis embriões foi apresentada e em BARUSELLI et al, (2006) que avaliou protocolos de superovulação, produção e qualidade embrionária para doadoras Nelore e obteve média de 6,2.
Ao comparar as regiões, fatores que expliquem as variações dos resultados da produção embrionária são de difícil determinação. Diversos autores citam a genética, idade, temperatura, estresse, raça, condição corporal, habilidade do técnico como fatores que potencialmente podem influenciar o resultado da técnica (SLENNING et al, 1989; GALLI et al 2003; NASSER et al 2004; FERREIRA et al, 2006; LOONEY et al, 2006; CARVALHO et al, 2008; CHEBEL et al 2008; JONES e LAMB 2008).
Como o número de embriões viáveis recuperados e o alto desvio padrão encontrado apresentaram valores muito próximos sugere-se que as variações nesta variável sejam naturais e inerentes ao processo biológico da TE (BARIONI et al, 2007; BELTRAME et al, 2007). Uma avaliação mais especifica dentro de uma propriedade considerando a linhagem genética, época do ano e idade dos animais, dentre outros, poderia inferir o comportamento da produção de embriões para esta propriedade (BARIONI et al, 2007; BELTRAME et al, 2007).
Uma mudança no mercado da biotecnologia nacional com retração no número de coletas de embriões realizadas no país fica evidente a partir do ano de 2004 (Figura 1). Embora neste período uma série de problemas econômicos e sanitários (focos de febre aftosa) tenham ocorrido, esta retração decorre principalmente do avanço da técnica de fertilização in vitro no país.
De 2002 em diante expandia-se a técnica de FIV no país. Uma análise histórica da técnica de produção de embriões in vitro através dos anos na raça Nelore (Figura 3) mostra um vertiginoso crescimento a partir do ano 2004. Subsidiados por uma maior velocidade de avanço de resultados e sob uma perspectiva de menores custos, muitos produtores passaram a não utilizar a produção de embriões in vivo. Aliado a isso, a facilidade no procedimento de recuperação dos oócitos, quando comparada a TE, também contribuiu para tornar a FIV mais competitiva e mais executada (VIANA e CAMARGO, 2007). Muitas empresas de fertilização in vitro de embriões foram criadas em pouco mais de quatro anos tendo somente em 2006 sido comunicadas 21.439 aspirações na raça nelore. Já no ano de 2007 verificou-se uma diminuição do número de aspirações realizadas.
A possibilidade de produção de um maior número de prenhezes em um menor intervalo de tempo foi responsável, já no ano de 2005, pela contenção dos números de realização de TE em contraste à crescente aplicação da FIV nos cenários dominados por leilões, exposições, marketing e especulações acerca do mercado de elite bovina. Fortunas foram disponibilizadas por animais de genética superior.
Seguindo os passos da transferência de embriões convencional, os estados do Sudeste e Centro-Oeste se destacaram no número de comunicações de aspirações realizadas como demonstrado na Figura 4.
O número de embriões produzidos em laboratório seguiu o mesmo caminho conforme pode ser observado na Tabela 2. É interessante destacar que a produção de embriões em laboratório nos estados do Sul , Nordeste e Norte apresentou médias inferiores aos estados do Sudeste e Centro-Oeste. Embora os valores não se distanciem em muito da literatura consultada (PONTES et al, 2009), as diferenças apresentadas podem ser decorrentes de uma maior seleção dos animais nas regiões, melhor processo de produção pelas fazendas e pelos laboratórios ou ainda em menor grau, devido a um menor número de observações informados nesses estados.
Figura 3. Número de aspirações (entre parêntesis) realizadas em doadoras da raça Nelore de 2002 a 2007 no Brasil
Figura 4. Número de aspirações realizadas nas regiões brasileiras de 2002 a 2007 na raça Nelore
Tabela 2. Número total e médias de embriões obtidos nas diferentes regiões de 1997 a 2007 - através da técnica de FIV
Ao comparar as Tabelas 1 e 2 com relação ao número de embriões viáveis obtidos, não se observaram grandes discrepâncias entre as técnicas utilizadas. Embora muito se tenha evoluído nos últimos dez anos nas áreas da fisiologia e reprodução animal, poucas modificações ocorreram na média do número de embriões viáveis produzidos por doadoras nas técnicas estudadas. Estes números normalmente se encontram entre 5 e 7 embriões produzidos por coleta e/ou por aspiração.
Números similares são apresentados nos estudos já descritos de REICHENBACH (2003) com registros mundiais de seis embriões, MERTON et al (2003) comparando produção embrionária em vacas (5,4 + 0,5) e novilhas (4,0 + 0,4) de diversas raças e VISINTIN et al (1999) com cinco embriões trabalhando com novilhas Nelore. SLENNING et al (1989), analisando 39 estudos publicados relatou média e desvio padrão 4.4 + 2.8. Já BARUSELLI et al (2006) descrevem produções variáveis com máximo de 9,8 + 0,9 na raça Nelore. Em comum, todos os autores afirmam que a variabilidade de respostas em termos de embriões viáveis existe mesmo diante de situações ideais e similares de trabalho.
A Figura 5 apresenta uma comparação entre a evolução das biotécnicas de TE e FIV. Percebe-se claramente o momento de desenvolvimento e crescimento das tecnologias e seus respectivos momentos de contração. Também uma preferência pela técnica de FIV fica evidenciada a partir do ano de 2005 devido a uma maior velocidade de multiplicação da produção. No ano de 2007, observou-se uma retração ou redução no crescimento do número das FIV's realizadas, acompanhando a tendência já observada nos anos de 2005 e 2006 na técnica de TE. É importante destacar que os motivos dessa retração são diferentes entre as biotécnicas. No caso da TE sugere-se que a retração foi devida à supremacia da técnica de FIV, enquanto na biotécnica de FIV esta pode ter decorrido de alterações e dificuldades nos cenários agropecuários.
Figura 5. Comparação entre Transferência de Embriões e Fertilização in vitro de 1997 a 2007 na raça Nelore no Brasil
Em contraste a outros países, onde existe uma limitação para a produção de embriões in vitro, restrito às doadoras que não respondam a superovulação tradicional, no Brasil os entraves à produção de embriões in vitro não são evidentes. A idéia de execução das técnicas in vitro e in vivo de forma conjunta, exibida por alguns trabalhos (FARIN et al,1999; PONTES et al, 2009), não é representada numericamente em território nacional, já que ocorreu uma inversão numérica no total de coletas de embriões e aspirações no período analisado no país.
Outro fator a considerar foi que a modificação no mercado de trabalho associado à transferência de embriões acompanhou as mudanças decorrentes do avanço da FIV. Nas diferentes regiões do país observou-se uma necessidade de terceirização dos procedimentos de aspiração folicular e transferência propriamente dita, antes fornecidas somente pelos laboratórios. Visualizou-se, também, a migração de muitos profissionais exclusivos da TE que foram incorporados à rotina das diversas etapas da FIV. A concentração de ações características da produção in vivo de embriões foi substituída pela associação de diversos profissionais em um mesmo processo, com maior grau de especialização e necessidade de maior controle em cada atividade.
A predição futura ainda é incerta. Em 2008 e 2009 embora dados não tenham sido analisados, o cenário nacional mostrou sucessivos momentos de crise na agropecuária. Estas situações podem ser sugestivas de estagnação ou mesmo decréscimo das biotécnicas realizadas.
CONCLUSÃO
Até 2004 prevaleceu a biotécnica de TE. A partir de 2005 foi mais utilizada a FIV.
Ocorreu uma transformação na escolha pela biotécnica utilizada no cenário nacional entre os anos de 1997 e 2007.
Não houve alterações na produção média de embriões ao longo do período estudado para ambas biotécnicas.
As regiões Sudeste e Centro-Oeste se destacaram na execução de ambas biotécnicas.
AGRADECIMENTOS
À ABCZ em nome do Sr. Carlos Henrique Cavalari, pela concessão dos dados deste trabalho e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de estudo de Renato Travassos Beltrame.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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**O trabalho foi originalmente publicado no Boletim da Indústria Animal (BIA), do Instituto Zootecnia (IZ/APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, Brasil.