Introdução
O peso vivo (PV) do animal não é uma medida de exata utilização, visto que inclui o peso do alimento contido no trato digestivo ou digesta. A isenção desse conteúdo possibilita a obtenção do peso de corpo vazio (PCVZ), que compreende o trato gastrintestinal vazio, órgãos, depósitos adiposos internos, sangue, couro, patas, cabeça e carcaça. A medida de PCVZ é mais precisa do que a de PV.
Conforme Signoretti et al. (1999), as funções primárias do trato gastrintestinal (TGI) e seus órgãos acessórios são a digestão e absorção de nutrientes essenciais para os processos metabólicos. Mas, até então, pouca atenção tem sido dispensada ao estudo do desenvolvimento dos órgãos internos e componentes do PV dos bovinos, já que estes não fazem parte da carcaça comercial. No entanto, o conhecimento a respeito das partes não integrantes da carcaça é importante, pois influem diretamente no rendimento de carcaça, além disso, as diferenças no tamanho relativo dos órgãos e componentes corporais estão associadas às diferenças nas exigências nutricionais de mantença dos animais (Rocha, 1997).
Segundo Di Marco (1994) o peso das vísceras e gordura interna podem ser denominados como resíduo brando ou "soft drop" e depende, em grande parte, do biotipo ou raça, nível de alimentação e idade, podendo alcançar em novilhos de origem leiteira um peso relativo de até 18% do PCVZ. De maneira geral, quando o PV aumenta diminui a proporção desses componentes em relação ao PCVZ, aumentando o rendimento de carcaça. Por outro lado, quando comparadas raças diferentes a um mesmo peso, as de grande porte por serem, fisiologicamente, mais jovens apresentam maior peso relativo de vísceras, resultando, conseqüentemente, em menor rendimento de carcaça. As raças com ascendência leiteira apresentam maior peso relativo do rúmenretículo, fígado, coração, pulmões e baço que as raças de corte. Concordando, Peron et al. (1993) observaram maior peso do trato gastrintestinal e órgãos internos de bovinos de origem leiteira, do que em animais de corte. Tal fato pode explicar, em parte, maior requerimento de mantença por parte dos animais leiteiros.
Ferrell et al. (1976) observaram que a energia total gasta pelos órgãos internos é maior que aquela gasta pelo tecido muscular. Galvão et al. (1991) descrevem que os órgãos vitais (além do esqueleto) apresentam desenvolvimento precoce, superando a taxa de crescimento muscular e adiposa na fase inicial da vida, invertendo a situação, com o crescimento do animal.
Com relação ao efeito da alimentação, quando procedida em um nível nutricional baixo, mesmo que por longo período de tempo, o coração e o pulmão mantêm a sua integridade, demonstrando uma prioridade na utilização dos nutrientes. O mesmo comportamento não é verificado quanto ao fígado (Peron et al., 1993). Concordando, Véras (2000) encontrou que os pesos do coração e dos pulmões não foram influenciados pelos níveis de concentrados na dieta, já os pesos de fígado, rins e baço, aumentaram, linearmente, em resposta à adição de concentrado. Ferrel et al. (1976), Ferrel & Jenkins (1983) e Owens et al. (1993) relataram que o fígado apresenta uma alta taxa metabólica, participando ativamente no metabolismo de nutrientes, portanto, responde à ingestão de nutrientes. A medida que o peso do fígado aumenta, os requisitos energéticos para mantença também elevam-se.
O peso da cabeça, patas e couro, que se denomina descarte duro ou "hard drop", representa entre 15 a 17 % PV do animal. Quanto menor for o peso desses componentes, maior será o rendimento de carcaça. Em novilhos da raça Holandês o peso relativo do couro é menor do que em raças de corte. No entanto, o peso relativo de patas e cabeça, é maior nos novilhos de origem leiteira (Di Marco, 1994).
Normalmente, observa-se menor desempenho dos bezerros machos Holandês, em virtude de que melhores tratamentos são dispensados às fêmeas (futuras produtoras de leite). Esses machos sub-utilizados, na maioria das vezes, encontram-se em estado nutricional deficiente, não conseguindo se adaptar facilmente às condições de meio predominante nas criações extensivas (Rocha et al., 1999). Entretanto, se não for prejudicado irreversivelmente, o organismo se desenvolve de uma forma bastante acelerada a partir do momento em que nutrientes em quantidade e qualidade são fornecidos. Este mecanismo de recuperação é conhecido como ganho compensatório e se manifesta em diversos níveis, culminando com o restabelecimento do ganho de peso em animais que passaram por um período de restrição alimentar (Ryan, 1990).
Almeida et al. (2000) observaram uma maior taxa de deposição de proteína nos órgãos internos de novilhos mestiços Holandês-Gir em ganho compensatório, do que em ganho contínuo. Peron et al. (1993) e Jorge et al. (1999), encontraram que o fígado, rins, baço e trato gastrintestinal, por apresentarem elevada atividade metabólica, responderam tanto à restrição alimentar como a oferta ad libitum, indicando uma possível resposta por parte desses componentes ao ganho compensatório.
O objetivo do trabalho foi quantificar a variação do percentual das vísceras e demais componentes do peso vivo em relação ao PV e PCVZ ao nascimento, 50 e 110 dias de vida de bezerros machos da raça Holandesa.
Material e Métodos
O trabalho foi conduzido no Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Foram abatidos 18 bezerros Holandês machos, não castrados, sendo seis ao nascimento (animais referência), seis aos 50 dias e seis aos 110 dias de vida. A faixa de peso dos bezerros, dentro do intervalo estudado, variou entre 30 e 100 kg de PV ou 27,57 e 74,27 kg de PCVZ. Os animais sorteados para o sacrifício aos 50 e 110 dias foram mantidos confinados em baias individuais, em um sistema de desaleitamento precoce, ganhando peso, até o dia pré-determinado para o abate. Durante esse período, receberam um concentrado inicial com 18% de proteína bruta e feno de alfafa ad libitum a partir da segunda e terceira semana de vida, respectivamente. Logo após os procedimentos de abate, esfola e abertura do osso esterno e da cavidade abdominal as vísceras e demais componentes corporais foram retirados, pesados separadamente e amostrados para estudos posteriores.
O delineamento experimental foi inteiramente casualisado, constando de três tratamentos (idades de abate) e seis repetições por tratamento, sendo a unidade experimental representada por um animal.
Os dados foram analisados por intermédio do programa SAS (1996), sendo submetidos à análise de regressão considerando como variável dependente a característica analisada e como variável independente a idade do animal.
As variáveis foram estudadas de forma absoluta obtidas diretamente por pesagem (kg) ou relativa (% PV) e (% PCVZ). Além dos componentes corporais, também foi analisado o conteúdo gastrintestinal (CGI).
Resultados e Discussão
Foi verificado comportamento linear positivo para os valores absolutos de peso, em função do incremento da idade, em todas as variáveis avaliadas, exceto para olhos/encéfalo, cuja regressão não apresentou ajuste significativo (P> 0,05), conforme demonstrado na Tabela 1.
As regressões lineares obtidas para peso de coração, baço e bexiga foram significativas a 5%, enquanto que cabeça, patas, couro, sangue, língua, esôfago, traquéia, pulmão, fígado, rins, uretra/testículos, estômago, intestino delgado, intestino grosso e conteúdo gastrintestinal a 1%, em função do incremento de idade. Destas variáveis, o estômago apresentou um crescimento tecidual mais acentuado até os 50 dias de vida (22,7 g/dia) do que dos 50 aos 110 dias (17,5 g/dia). Tal comportamento pode ser explicado, em parte, pelo elevado crescimento inicial do rúmen-retículo, que quintuplicou seu peso tecidual nesse período, transformando o bezerro em ruminante funcional já aos 50 dias de vida. Por outro lado, o CGI apresentou menor incremento nesse período (90,8 g/dia), aumentando, porém, dos 50 aos 110 dias (176,6 g/dia). Tais valores indicam ocorrer um maior crescimento de tecido estomacal até os 50 dias, a partir do que, o acréscimo de peso total do órgão é mais marcante na forma de CGI.
No presente estudo, para animais abatidos com PV médio de 87,02 kg foi encontrado o valor de 3,29 kg para o somatório do peso de fígado, pulmão, coração, rins e baço. Ajustando esse valor para 100 kg de PCVZ foi obtida média de 5,06 kg. Animais mais jovens apresentam menor peso absoluto dos órgãos internos, mas com elevado peso relativo considerando a proporção do corpo vazio.
Em um trabalho conduzido com bezerros machos da raça Holandês, apresentando PV médio de 190 kg, Signoretti et al. (1999) obtiveram o valor médio de 4,65 kg para o somatório de fígado, pulmão, coração, rins e baço, quando os mesmos órgãos foram avaliados por 100 kg de PCVZ.
Sisson & Grossman (1986) descrevem que à medida que o animal cresce e aumenta o seu peso vivo, também aumenta o peso absoluto de seus órgãos internos, mas a relação percentual existente tende a decrescer, concordando com os resultados aqui obtidos. Em termos gerais, é verificado (Tabela 2) que, com o aumento do PV, diminuiu o peso relativo (% PV) dos órgãos internos e demais componentes corporais não carcaça.
A relação percentual existente entre os componentes corporais e o PV, em função do incremento de idade dos bezerros, apresentou comportamento linear decrescente para patas, couro, sangue, pulmão, coração, fígado e rins e comportamento linear crescente para intestino grosso e conteúdo gastrintestinal.
As regressões lineares ajustadas para proporção (% PV) de patas, couro, sangue, pulmão, coração, fígado, estômago e CGI foram significativas a 1%, enquanto o ajuste das equações relativas a rins e intestino grosso foi significativo a 5%, em função do incremento de idade dos bezerros.
As equações relativas às proporções (% PV) de cabeça, olhos/encéfalo, língua, esôfago, traquéia, baço, bexiga, uretra/testículos e intestino delgado em função do incremento de idade, não se ajustaram (P> 0,05) ao modelo utilizado.
Os pesos relativos de órgãos de bovinos de corte com 44 kg de PV, apresentados por Church (1993) são de 4,29% para trato digestivo, 1,52% para fígado, 0,28% para rins e 0,35% para coração. O presente estudo contempla para o peso médio ao nascimento (40,84 kg de PV), valores superiores, na ordem de 4,67; 2,08; 0,71 e 0,82% do PV para trato digestivo, fígado, rins e coração, respectivamente. Um aspecto interessante é que os bezerros de origem leiteira, conforme Peron et al. (1993) e Di Marco (1994)
Tabela 1- Valores médios, coeficientes de determinação (r2) e equações de regressão ajustadas para peso absoluto (kg) de vísceras e demais componentes corporais não carcaça, em função da idade (IDA), em dias
apresentam maiores pesos relativos de órgãos internos e vísceras, conferindo um maior requerimento de manutenção em relação a similares de corte. Surge, portanto, uma das principais conseqüências do tamanho relativo desses constituintes corporais. Segundo Ferrel & Jenkins (1983), estudos do desenvolvimento orgânico são importantes, pois as diferenças de tamanho relativo dos órgãos induzem variações nas exigências energéticas de mantença.
Foi verificado que a proporção de fígado em relação ao corpo vazio dos bezerros decresceu de 2,49 % PCVZ ao nascimento para 2,12 % PCVZ aos 110 dias (Tabela 3). À medida que o animal cresce, diminui a relação percentual entre o peso do órgão e o peso corporal do animal. Tal afirmação é concordante com Kolb (1984), o qual relata que animais jovens possuem maior proporção de fígado em relação ao peso corporal, do que animais adultos.
Tabela 2 - Valores médios, coeficientes de determinação (r2) e equações de regressão ajustadas para peso relativo em % do PV de componentes não carcaça, órgãos internos e vísceras em função da idade (IDA) em dias
** (P< 0,01), * (P< 0,05).
1 CGI= conteúdo gastrintestinal (GIC= gastrintestinal content).
Foi observado comportamento linear decrescente para a proporção corporal de patas, couro, coração e fígado e linear crescente para proporção corporal de estômago, intestino delgado, intestino grosso e conteúdo gastrintestinal, em função do incremento de idade.
As regressões lineares ajustadas para proporção (% PCVZ) de patas, estômago, intestino grosso e CGI foram significativas a 1 %, enquanto o ajuste das equações relativas ao couro, fígado e intestino delgado foi significativo a 5%, em função do incremento de idade dos bezerros.
As equações relativas às proporções de cabeça, sangue, olhos/encéfalo, língua, esôfago, traquéia, pulmão, baço, rins, bexiga e uretra/testículos, em função da idade, não se ajustaram (P> 0,05) ao modelo utilizado.
Os resultados obtidos no presente estudo são concordantes com Peron et al. (1993), que analisaram o peso relativo dos órgãos internos de bovinos de diferentes categorias e encontraram para animais no inicio do experimento (referência) maior proporção de órgãos em relação ao PCVZ do que para animais abatidos no final do experimento. Os autores justificam devido ao fato de que os órgãos vitais têm maior desenvolvimento relativo em uma fase mais precoce da vida do animal. À medida que a idade avança, ocorre crescimento mais intenso dos tecidos muscular e adiposo. Da mesma forma, níveis nutricionais altos para animais maduros ocasionam maior desenvolvimento de músculo e gordura. Assim, os órgãos passam a representar menor proporção do corpo vazio, aumentando o rendimento de carcaça e diminuindo o requerimento energético de mantença relativo.
Maior proporção relativa de órgãos internos e vísceras, observado em animais com pesos vivo e
Tabela 3 - Valores médios, coeficientes de determinação (r2) e equações de regressão ajustadas para peso relativo em % do PCVZ de componentes corporais, órgãos internos e vísceras, em função da idade (IDA), em dias
corporal menores, determinam maior requerimento de manutenção por parte destes, já que esses componentes demandam maior gasto de energia para a manutenção que o restante do corpo (Véras, 2000).
Este comportamento foi observado para o peso relativo dos órgãos internos e componentes não carcaça, avaliados no presente estudo, os quais foram maiores ao nascimento e diminuíram gradativamente até os 110 dias de vida, inferindo diminuição nas exigências de manutenção relativa dos animais.
Conclusões
O peso absoluto e relativo ao peso vivo e peso de corpo vazio dos órgãos internos e demais componentes corporais apresenta uma alta magnitude no início da vida de bezerros holandeses.
O peso absoluto dos órgãos internos e demais componentes corporais acompanha o desenvolvimento do animal, mas os seus pesos relativos diminuem a medida que o animal cresce.
Tanto o peso absoluto como o peso relativo de estômago, intestinos e conteúdo gastrintestinal são crescentes até os 110 dias de vida.
Publicado originalmente na revista eletrônica Ruminantes • R. Bras. Zootec. 32 (6) • Dez 2003 • https://doi.org/10.1590/S1516-35982003000600022. Acesso disponível em: https://www.scielo.br/j/rbz/a/HCXbGJGWVRNBqK6V4VJ6ndd/?lang=pt