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Indigestão vagal causada por linfossarcoma em bovino.

Publicado: 19 de novembro de 2012
Por: Gabriela Fernandes*.; Filappi, A.R.; Cecim, M.; Leal, M.L.R.
Sumário

Resumo

Relata-se um caso de indigestão vagal causada por linfossarcoma em um animal proveniente do município de Nova Palma, RS, Brasil. Um bovino, fêmea, da raça Holandesa, com idade de quatro anos, foi atendido no setor de Clínica de Ruminantes do Hospital Veterinário Universitário (HVU) com histórico de perda de peso há vinte dias, anorexia e decúbito esternal por três dias. Ao exame físico observou-se, aumento de volume dos flancos, ausência de fezes e paralisia nos membros posteriores. Realizou-se uma láparo-ruminotomia exploratória onde verificou rúmen repleto, omaso compactado com relaxamento do orifício retículo-omasal e abomaso vazio, sugerindo um quadro de indigestão vagal. Amostra de soro, enviada ao Laboratório de Virologia, resultou em teste positivo para anticorpos do vírus da Leucose, utilizando-se da prova de imunodifusão em gel de ágar (IDGA). Como o animal não permanecia mais em estação foi realizada a eutanásia, sendo o mesmo encaminhado ao Laboratório de Patologia Veterinária onde o quadro de linfossarcoma encontrado foi compatível com o de leucose multicêntrica do adulto. A indigestão vagal pode ter sido causada pela compressão de ramos do nervo vago por nódulos tumorais ao redor do orifício retículo omasal e a paralisia deve-se à compressão medular pelo tumor encontrado ao nível das vértebras L6-L7 e degeneração da medula espinhal (degeneração Walleriana). Baseado nos achados dos exames clínico e laboratoriais foi comprovado o quadro de indigestão vagal por Linfossarcoma causado pelo vírus da Leucose Bovina.

Palavras-Chaves: Leucose, bovino, indigestão vagal

NOTA.
Nos últimos 50 anos, têm sido relatado os sinais clínicos e valores bioquímicos do sangue e do líquido ruminal em vacas com indigestão vagal (REHAGE et al., 1995). Comumente, distúrbios do trânsito alimentar através do orifício retículo-omasal (falha do transporte omasal, estenose funcional anterior) são diferenciadas de distúrbios da passagem do trânsito alimentar através do piloro (estenose pilórica, estenose funcional posterior) (REHAGE et al., 1995). A indigestão vagal é caracterizada pela distensão do rúmen e alteração da motilidade dos pré-estômagos. Ela é encontrada mais freqüentemente em vacas com histórico de reticuloperitonite traumática. A disfunção da passagem da ingesta pode ser causada por lesão vagal, redução da motilidade reticular como conseqüência de aderências inflamatórias (REHAGE et al., 1995). Segundo FUBINI et al. (1985) as causas da síndrome da indigestão vagal, além da reticuloperitonite traumática e linfossarcoma bovino, incluem vólvulo abomasal, broncopneumonia crônica e fatores relacionados à dieta. Outras causas de estenose funcional anterior incluem: abscessos, aderências e na área retículo-omasal sem a identificação de um corpo estranho causador; abscessos hepáticos, peritonite difusa, neoplasia da prega retículo-ruminal e do sulco esofágico, doença inflamatória das paredes reticular e ruminal, papiloma ou outra massa no orifício retículo-omasal (SMITH, 2006).
O presente trabalho tem por finalidade relatar um caso de indigestão vagal causada por um linfossarcoma em um bovino, raça Holandesa, fêmea com quatro anos de idade, oriundo de Nova Palma, Rio Grande do Sul (RS), Brasil. O animal foi encaminhado ao Hospital Veterinário Universitário (HVU) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com o histórico de perda crônica de peso (20 dias), anorexia e decúbito esternal por três dias. Durante o exame clínico observou-se ausência de movimentos ruminais, acentuado aumento bilateral dos flancos, temperatura retal de 38.2°C, mucosas congestas, freqüência respiratória de 32 movimentos por minuto, freqüência cardíaca de 88 batimentos por minuto (bpm) e desidratação de 10%. Realizou-se a palpação retal, verificando-se ausência de fezes. Como tratamento foi realizado a trocaterização do rúmen para a retirada do excesso do gás e administração de vinte litros de solução salina a 0,9% intravenosa (I.V). Na láparo-ruminotomia exploratória observou-se: rúmen repleto, omaso compactado com relaxamento do orifício retículo-omasal e abomaso vazio. Também foi coletado amostra de sangue para realização de hemograma e atividade sérica das enzimas aspartato-aminotransferase (AST) e creatinina quinase (CK). Os resultados apontaram uma leucocitose (36.400/μL) por linfocitose (21.400/μL) e aumento acentuado da CK: 3.769 U/L (35-280 U/L) e da AST: 351 U/L (78-132U/L) indicando uma reação inflamatória e lesão muscular grave.
Devido ao decúbito persistente e falta de resposta ao tratamento (timpanismo recidivante e ausência de fezes), realizou-se a eutanásia do animal seguindo protocolo utilizado na clínica de ruminantes do HVU (4ml de Acepromazina a 1%, 2g de Tiopental Sódico e 200ml de sulfato de magnésio I.V). Posteriormente, o animal foi encaminhado ao laboratório de patologia veterinária da UFSM, sendo constatado o quadro de linfossarcoma compatível com o de leucose bovina multicêntrica do adulto, produzida por um retrovírus.
As atividades séricas das enzimas anteriormente mencionadas demonstraram uma grande lesão muscular, pois os valores da CK (enzima parâmetro de lesão muscular) mostrou-se, no mínimo, quinze vezes mais elevada com relação aos valores referendados na literatura; como seus níveis reduzem antes mesmo dos níveis da AST, na qual também mostrou-se acima dos valores padrão, sugere que o decúbito esternal de apenas três dias, como citado na anamnese, não foi compatível com as graves lesões musculares comprovadas também na necropsia: macroscopicamente, observou se a presença de infiltrados por um tecido de textura macia e cor creme nos músculos temporais, longissimus dorsi e os grandes músculos dos membros pélvicos (Figura 1A) e microscopicamente uma infiltração por uma densa população de células linfóides neoplásicas, resultando em obliteração da arquitetura normal do músculo; as células neoplásicas apresentaram núcleo redondos a poligonais hipercromáticos, citoplasma basofílico e escasso, algumas células com múltiplos nucléolos e figuras mitóticas também foram achados necroscópicos. Já no sistema nervoso observou-se, macroscopicamente, uma massa de textura macia e cor creme no interior do canal medular ao nível das vértebras L6 e L7 (Figura 1B) e microscopicamente uma massa de linfócitos comprimindo a medula cervical. Isso explica a paralisia do animal em decorrência da compressão medular causada pelo tumor e pela degeneração da medula espinhal (degeneração Walleriana). Observou-se também a presença de linfossarcoma no miocárdio, linfonodos, rim e omaso.
Segundo RAVAZZOLO & COSTA (2007) o vírus da leucose infecta principalmente linfócitos B, no qual produz uma infecção persistente, embora também possa infectar linfócitos T. Aproximadamente dois terços dos animais com tumores apresentam leucocitose por linfocitose, sendo esse achado compatível com os dados obtidos do leucograma do animal aqui referendado. No Brasil, esta infecção está amplamente difundida, com níveis variáveis de prevalência do vírus no rebanho. Os índices de prevalência geralmente são maiores em gado leiteiro. Estudos mostram que no RS das 10.000 amostras analisadas detectou-se uma prevalência de 8% de animais soropositivos. Estima-se que entre 1 e 5% dos animais infectados persistentemente irão desenvolver a forma clínica da doença em algum momento de suas vida (RAVAZZOLO & COSTA, 2007). A enfermidade caracteriza-se pela produção de tumores de origem linfóide, como linfossarcomas ou linfomas malignos, em diversos órgãos. O bovino internado tinha quatro anos, o que foge da faixa etária padrão da forma tumoral do BLV que têm um pico de incidência entre os cinco e oito anos.
Os sinais clínicos que mais chamam a atenção e levam o veterinário a suspeitar de leucose bovina são: infartamento de linfonodos superficiais, distúrbios digestivos persistentes com anorexia e perda de peso, presença de massas tumorais no intestino e paralisia dos membros posteriores (RAVAZZOLO & COSTA, 2007), sendo esses achados compatíveis com o quadro clínico apresentado pelo bovino internado no HVU UFSM.
Como estes sinais não são patognomônicos da indigestão vagal por leucose, o diagnóstico requer a realização de teste sorológico, o qual foi realizado pelo laboratório de virologia da instituição, onde para diagnosticar o BLV foi utilizado a imunodifusão em gel de ágar (IDGA) resultando amostra positiva para anticorpos do vírus da leucose. O teste histopatológico e a biopsia de linfonodos infartado é recomendado para o diagnóstico definitivo da doença, uma vez que a reação positiva mediante teste de IDGA não indica necessariamente que o animal apresente a forma clínica da leucose. A bradicardia é característica do BLV, mas ao exame clínico do bovino internado, foi observada uma freqüência cardíaca fisiológica (88bpm) já encontrada no trabalho de Fubini em 1985.
O termo indigestão vagal introduzido por Hoflund em 1940 foi utilizado para descrever uma condição associada a distúrbios funcionais dos estômagos em ruminantes. Através de secções selecionadas do ramo abdominal do nervo vago ele foi capaz de classificar os distúrbios funcionais em quatro tipos. A estenose funcional entre o retículo e omaso com atonia do rúmen e retículo foi o tipo compatível com o caso do animal internado. Neste quadro ocorre desenvolvimento de timpanismo ruminal devido à atonia dos pré-estômagos. Coleção de fluidos no saco ventral do rúmen é encontrado, enquanto partículas de alimento flutuam na superfície. A não passagem do material através do omaso causa uma distensão progressiva do rúmen (NEAL & EDWARDS, 1968).
SMITH (2006) relata que a utilização do termo "estenose funcional" sugeria que o defeito era de origem funcional, que simulava a estenose no local de saída. Contudo, a desnervação vagal não acarreta uma estenose verdadeira, mas sim paralisia e relaxamento tanto do orifício retículo-omasal (caso observado no animal internado) como do piloro. A dilatação do rúmen pode, eventualmente, ocasionar um superenchimento do saco ventral do rúmen. O rúmen assume a forma de L porque o saco ventral do rúmen ocupa os quadrantes ventrais direito e esquerdo do abdômen. Esse contorno é característico e denominado como forma "pêra/maçã", o qual foi manifestado pelo animal em questão.
A indigestão vagal suspeitada clinicamente pode ter sido causada pela compressão por nódulos tumorais na cavidade abdominal, o que comprometeu a função de inervação dos pré-estômagos realizada pelo nervo vago, levando uma estenose funcional anterior que por sua vez comprometeu a passagem do conteúdo ruminal no orifício retículo-omasal (Figura 1C). Isso se deve ao fato dos pré-estômagos serem inervados pelo vago, o qual se divide em direito e esquerdo na entrada do tórax formando os ramos dorsal e ventral. Os dois ramos dorsais se unem para formar o tronco dorsal, que inerva a parte caudal e medial do retículo, o rúmen, o omaso e o abomaso. Os dois ramos ventrais se unem para formar o tronco ventral que inerva a parte medial e cranial do retículo, o omaso e o abomaso, mas não o rúmen (LEEK, 1969). Os danos causados aos troncos vagais torácicos e abdominais pelas lesões inflamatórias ou neoplásicas, podem culminar em casos incomuns, onde ocorrem tanto a estenose funcional anterior como a atonia dos pré-estômagos, que resultam em timpanismo por gás livre (SMITH, 2006). Nesses casos tanto o omaso quanto o abomaso permanecerão relativamente vazios, o que é um achado comum. Já a hipermotilidade observada nesses casos pode ser o resultado de contrações cíclicas secundárias mais do que primárias caso que contrapõe o exame clínico do animalno qual os movimentos ruminais estavam ausentes devido a lesão total do nervo vago.
Baseado nos achados dos exames clínico e laboratoriais foi comprovado indigestão vagal por Linfossarcoma causado pelo vírus da Leucose Bovina.
 
REFERÊNCIAS:
Fubini, S.L et al. Vagus indigestion syndrome resulting from a liver abscess I dairy cows. JAVMA, v.186, n.12, p.1297-1300, 1985.
LEEK, B.F.Reticulo-ruminal Function and Disfunction. The Veterinary Record, p.238- 243, 1969.
NEAL, P.A. & EDWARDS G.B. "Vagus Indigestion" in cattle. The Veterinary Record, p.396-402, 1968.
RAVAZZOLO, A.P. & COSTA U.M. Retroviridae: In: FLORES, E.F. Virologia Veterinária, editora UFSM: Santa Maria, 2007. Cap.31, p.811-836.
REHAGE, J. Evaluation of the pathogenesis of vagus indigestion in cows with traumatic reticuloperitonitis. JAVMA, v.207, n.12, p.1607-1611, 1995.
SMITH, B.P. Medicina interna de grandes animais, Manole: São Paulo, 3ªed., 2006.

Figura 1- Bovino holandesa, quatro anos com indigestão vagal por linfossarcoma bovino. (1A) - Presença de infiltrados por um tecido de textura macia e cor creme (linfossarcoma no músculo). (1B) - Massa de textura macia e cor creme no interior do canal medular ao nível das vértebras L6 e L7 compatível com o tumor do BLV. (1C) Massa tumoral (linfossarcoma) no orifício retículo-omasal.
Indigestão vagal causada por linfossarcoma em bovino. - Image 1
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Autores:
gabriela fernandes
UFSM - Universidad Federal de Santa María
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