Introdução
Uma característica importante da pecuária brasileira é ter a maioria de seu rebanho criado a pasto (FERRAZ; FELÍCIO, 2010), que se constitui na forma mais econômica e prática de produzir e oferecer alimentos para os bovinos. Em virtude dessa realidade, o Brasil tem um dos menores custos de produção de carne do mundo (CARVALHO et al., 2009; DEBLITZ, 2009; FERRAZ; FELÍCIO, 2010). Nos países onde a produção de carne é baseada em sistema de confinamento (como os EUA, a Austrália e diversos países europeus), o processo de colheita (e oferta) da forragem requer o uso intensivo de mão de obra, máquinas, equipamentos e combustível fóssil, ao passo que, no Brasil, essa colheita é feita predominantemente pelo próprio animal, por meio do pastejo. O resultado é a redução de custos, de impactos ambientais e a geração de um produto mais saudável, com qualidade nutricional elevada (DALEY et al., 2010; NUREMBERG et al., 2005) e de crescente apelo mercadológico, o chamado “boi verde” ou “boi de capim” (“grass-fed beef”), forte componente para a conquista de mercados mais exigentes (DALEY et al., 2010; REALINI et al., 2004; NUREMBERG et al., 2005).
Outra característica da pecuária nacional, que vem sendo ratificada nos últimos anos, é que em razão da crescente valorização das terras na região Sudeste, impulsionada pela expansão dos mercados da cana-de- -açúcar (OLIVETTE et al., 2010) e de grãos, cresce a tendência de migração dessa atividade para regiões de fronteira agrícola do País, como o Centro-Oeste, o Norte (DIAS-FILHO; ANDRADE, 2006) e até o Nordeste, onde a terra é mais barata. No caso particular da região Norte, outro fator que pode ser especulado como atrativo para a atividade pecuária está relacionado às condições climáticas dessa região (DIAS-FILHO; ANDRADE, 2006), com temperaturas praticamente constantes ao longo do ano e períodos secos relativamente menos severos e extensos do que em outras regiões do País. Tais condições permitem que a pastagem seja a base alimentar da pecuária de corte durante o ano todo, reduzindo os custos de produção.
Dentro desse cenário, é importante contextualizar que a intensificação agrícola (uso de tecnologia) tem sido motivada por pressões demográficas e econômicas (GOLLIN et al., 2005), uma vez que, nos trópicos, a escassez de áreas naturais para a expansão da atividade seria um pré-requisito para a adoção de tecnologias de intensificação agrícola (WHITE et al., 2000). Portanto, seria possível inferir que a abundância do recurso terra, em áreas de fronteira agrícola do Brasil, de certa forma contribuiu para a diminuição da demanda tecnológica na atividade pecuária em grande parte dessas áreas (HOMMA, 1999; BARROS et al., 2002).
Essa realidade tem levado a que as metas de produção de carne dessa pecuária extremamente extensiva e de baixa produtividade muitas vezes sejam mantidas à custa da expansão das áreas de pastagem nas áreas de vegetação natural (floresta primária ou cerrado). Isto é, o aumento da produção seria alcançado por meio da expansão da fronteira agrícola. Nos últimos anos, as crescentes pressões pela diminuição do desmatamento, o aumento no nível de conscientização de governantes, técnicos, produtores e da sociedade em geral com as questões ambientais, aliados à maior disponibilidade de tecnologia para o aumento da produtividade das pastagens (e.g., novas cultivares de plantas forrageiras e técnicas de recuperação de pastagens degradadas), dentre outras causas, têm levado a mudanças nesse paradigma de produção (BARROS et al.,2002; DIAS-FILHO et al., 2008). Dessa forma, um número crescente de produtores em áreas de fronteira agrícola vem buscando mais eficiência (i.e., produzir mais em menor área) por meio do aprimoramento das técnicas de produção, visando o aumento da capacidade de suporte e longevidade das pastagens e da recuperação de pastos improdutivos, em detrimento da expansão das áreas de pastagens obtida pela abertura de novas áreas. Nesse sentido, dentro do atual cenário da agropecuária brasileira, torna- -se cada vez mais real que o grande desafio para a produção de bovinos a pasto em áreas de fronteira agrícola, assim como já preconizado para outras regiões do País (SILVA et al., 2005, SILVA; NASCIMENTO JÚNIOR, 2006), será o aumento da eficiência, por meio da utilização de tecnologias de manejo mais intensivo da pastagem. Tais tecnologias teriam o papel de conceber sistemas de produção ambientalmente adequados, agronomicamente eficientes, economicamente viáveis e socialmente justos, isto é, sistemas sustentáveis, capazes de atender às demandas de um mercado cada vez mais globalizado, demandante em quantidade e regularidade e exigente em qualidade e origem do produto.
O presente texto objetiva discutir aspectos relacionados aos conceitos atuais da produção de bovinos a pasto em áreas de fronteira agrícola do território brasileiro, assim como propor estratégias para a modernização dessa atividade nessas áreas.
Breve histórico da produção de bovinos a pasto na fronteira agrícola brasileira
Historicamente, a pecuária, implantada via desmatamento e posterior formação da pastagem, tem sido considerada a atividade agrícola menos onerosa e mais eficiente para assegurar a posse da terra. Outras atividades agrícolas normalmente exigem preparo de área mais cuidadoso (geralmente com o emprego da mecanização) e o uso mais intensivo de insumos e de mão de obra para poderem ser implantadas com um mínimo de sucesso, sendo, portanto, mais onerosas. Além disso, o gado, por ter a capacidade de se autotransportar, adequa-se a regiões onde a infraestrutura de estradas e os meios de transporte são deficientes e as distâncias do mercado consumidor são grandes, como é característico de muitas regiões de fronteira agrícola.
Em geral, o modelo de desenvolvimento da atividade pecuária em áreas de fronteira agrícola se divide em duas fases. A fase inicial (Fase 1 ou de crescimento horizontal) se distingue por um fluxo migratório inicial intenso e rápida taxa de expansão. Essa expansão inicial se baseia em uma pecuária extensiva, desenvolvida sob terras abundantes e baratas.
Nessa fase, predomina uma postura mais especulativa do que empresarial da atividade pecuária, buscando-se, muitas vezes, o lucro via compra e venda de terra e madeira. Na Fase 1, a produtividade real da atividade pecuária pode ficar muito abaixo da produtividade potencial, em virtude do baixo grau de tecnologia empregado. Nessa fase, portanto, o aumento da produção é alcançado, predominantemente, por meio da expansão das áreas de pastagem. Em seguida, geralmente, concomitante com a gradativa escassez na disponibilidade de terras e a elevação do seu preço, instala-se uma nova fase (Fase 2 ou de crescimento vertical) da pecuária, marcada por eventos opostos de abandono ou de intensificação da atividade. O abandono é liderado sobretudo por produtores rurais com uma visão mais pioneira do que empresarial sobre a atividade pecuária, ou, em menor escala, por aqueles que optam por outras atividades agrícolas, enquanto a intensificação é liderada por produtores que vêem a incorporação de tecnologia e o aumento da produtividade desse sistema de produção como as estratégias mais eficientes para torná-lo sustentável.
Assim, a compra e venda de terra ou a venda de madeira deixa de ser o objetivo-fim da atividade pecuária, passando-se a priorizar a comercialização da produção (i.e., carne e leite), como forma de auferir lucros da mesma. Isto é, nessa fase de “refinamento”, aumenta a importância da adoção pelos produtores de uma postura mais profissional sobre a atividade pecuária. Nessa fase estreita-se a distância entre a produtividade real e a produtividade potencial. Nesse sentido, o aumento da produção é alcançado, principalmente, por meio da intensificação produtiva. A região Norte, com a maior expansão do efetivo bovino do País nos últimos 10 anos (Tabela 1), e com cerca de 20% do rebanho bovino nacional, pode ser considerada atualmente a mais importante fronteira agrícola para a produção de bovinos no Brasil. Dentro dessa região, o Estado do Pará, com 42% do rebanho regional (16,24 milhões de cabeças), se destaca como o protótipo dessa fronteira.
O histórico do desenvolvimento da pecuária no Estado do Pará tem sido descrito em diversos estudos (BARROS et al., 2002; TEIXEIRA NETO et al., 2006). Esse histórico praticamente se confunde com a evolução dessa atividade nos demais estados, localizados em áreas de fronteira agrícola recente do País (e.g., RODRIGUES; MIZIARA, 2008).
Embora a criação de bovinos no Estado do Pará tenha iniciado em meados do século XVII, a sua grande expansão ocorreu na década de 1960, com a construção da rodovia Belém-Brasília. Contribuiu para essa expansão a política de ocupação de novas fronteiras agrícolas do governo federal, objetivando integrar a região Norte (i.e., região Amazônica) com as demais regiões do país. Nesse sentido, além da abertura de estradas foram estabelecidos incentivos fiscais e crédito rural subsidiado que visavam o desenvolvimento socioeconômico da região. Somados a esses fatores atrativos para a atividade pecuária no estado, contribuíram (e têm contribuído) ainda as condições climáticas favoráveis, com temperaturas mais uniformes, períodos de estiagem relativamente menos severos e extensos do que em outras regiões do País e a ausência de geadas, que permitem o crescimento forrageiro durante praticamente todo o ano (DIAS-FILHO; ANDRADE, 2006).
Seria possível especular que, nas décadas de 1960 e 1970, por conta da incapacidade em manter alta produção por área, as metas de produção de muitos empreendimentos pecuários estabelecidos no estado eram, em grande parte, alcançadas à custa da expansão das áreas de pastagem nas áreas de floresta, contribuindo assim para um desenvolvimento notadamente horizontal da atividade e para o aumento no desmatamento. Os principais incentivadores para esse modelo eram o baixo preço da terra, o baixo custo na abertura de novas áreas de floresta e o fato de que, até o início da década de 1970, praticamente não existiam tecnologias para criação de bovinos em pastagens na Amazônia, além de restrições ambientais para o desmatamento. Em razão desse cenário, frequentemente, erros graves no estabelecimento e manejo dessas pastagens eram cometidos, resultando na baixa longevidade produtiva das mesmas.
A partir da década de 1990, concomitante com a redução na disponibilidade de terra barata em áreas de fronteira agrícola já consolidada do Pará, as pressões ambientais contra o desmatamento, o avanço na produção de grãos, e a maior disponibilidade de tecnologia para a formação e manejo de pastagens, têm início uma fase de mudança de paradigma e filosofia na criação de bovinos no estado. Nesse período, aumenta gradativamente a parcela de produtores que buscam e empregam tecnologia para a intensificação da atividade pecuária, por meio do manejo adequado das pastagens ainda produtivas, da recuperação da produtividade de áreas já desmatadas e improdutivas e do melhoramento genético do rebanho (DIAS FILHO; ANDRADE 2006; TEIXEIRA NETO et al., 2006; FERNANDES et al., 2008).
Atualmente, ainda ocorrem com certa frequência vícios de manejo praticados no passado, resultando em baixa longevidade produtiva do pasto e incentivando o desmatamento para a formação de novas pastagens. No entanto, já é consenso entre muitos produtores rurais que a produção de bovinos no Pará tem que ser conduzida com eficiência, buscando-se a alta produtividade e a observação de preceitos ambientais e sociais.
Necessidade da modernização da pecuária na fronteira agrícola brasileira
O padrão atual de crescimento do rebanho bovino brasileiro (Tabela 1) sugere que, no futuro, a produção de bovinos no País deverá se concentrar predominantemente nas áreas de fronteira agrícola, de maneira especial nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Dessa forma, como para os próximos 10 anos são projetados aumentos significativos nas taxas anuais de crescimento da produção (2,15%) e da exportação (3,9%) brasileira de carne bovina (BRASIL, 2010), do mesmo modo, seria possível inferir que deverá aumentar a contribuição dessas regiões nessa produção. Dentro dessa perspectiva, aumentará, também, a exposição de seus sistemas de produção para mercados consumidores potenciais.
Portanto, espera-se que cresçam as pressões internas e externas para que a carne produzida nas áreas de fronteira agrícola do Brasil, além de atender às demandas quantitativas do mercado, seja adequada às exigências de qualidade e origem do produto. Assim, é premente que se fortaleça um modelo produtivo eficiente e sustentável, baseado predominantemente na produção a pasto, visando preços competitivos, qualidade elevada e a observação cuidadosa de princípios ambientais e sociais e de bem-estar animal. Isto é, um sistema de produção moderno, adaptado à nova realidade de um mercado globalizado.
Em razão dessa perspectiva, é imprescindível que os sistemas de produção de bovinos em áreas de fronteira agrícola sejam centrados na eficiência e na alta produtividade, tendo como fundamento uma gestão predominantemente empresarial, na qual o objetivo principal seja intensificar a produção a pasto, buscando-se produzir mais em menor área de pastagem. Isto é, para se tornar competitivo e capaz de conquistar mercados, o setor pecuário dessas regiões deve se profissionalizar. Para que esse objetivo seja alcançado, grande parte dos sistemas de produção, atualmente praticados em áreas de fronteira agrícola, deve ser modernizada, objetivando tornar a atividade competitiva no processo de uso da terra e na conquista de mercados mais exigentes. A base dessa modernização deverá ser o melhoramento das pastagens via reutilização das áreas já desmatadas e que atualmente se encontram improdutivas (i.e., abandonadas) ou com baixa produtividade (i.e., subutilizadas), reduzindo desmatamentos e tornando a atividade mais sustentável (DIAS-FILHO; ANDRADE, 2006; DIAS-FILHO et al., 2008).
Dessa forma, a recuperação de pastagens degradadas deverá ter papel decisivo nesse processo de modernização, tornando possível o aumento da produção, sem a expansão das áreas de pastagem. Isto é, o aumento da produtividade deverá ser o foco central dessa modernização. Para que esse objetivo seja alcançado, é importante a geração contínua de tecnologia, como o desenvolvimento de novas cultivares de forrageiras e de estratégias de recuperação de pastagens degradadas. É imprescindível ainda um fluxo constante de investimento público e privado em pesquisa e desenvolvimento e em estratégias que promovam aumento na adoção de tecnologia e na intensificação produtiva. A superação de barreiras para a adoção de tecnologia por produtores rurais deverá focar, prioritariamente, em problemas crônicos que dificultam essa adoção, como a carência de incentivo financeiro, o acesso restrito à informação, serviços deficientes de extensão rural, baixas oportunidades para a qualificação técnica do produtor, acesso limitado a máquinas e implementos agrícolas e a crescente insegurança política e fundiária no campo.
Recuperação de pastagens como instrumento da modernização da pecuária na fronteira agrícola brasileira
A degradação de pastagens é um problema que afeta a pecuária mundialmente (DIAS-FILHO, 2007). No Brasil, esse fenômeno tem sido reportado como causa importante de prejuízos econômicos e ambientais (DIAS-FILHO, 2007), sendo particularmente comum em áreas de fronteira agrícola do País (MACEDO, 2005; DIAS-FILHO; ANDRADE, 2006).
Nesses locais, a degradação de pastagens está diretamente associada à baixa produtividade da pecuária e ao aumento do desmatamento.
Estimativas citadas em Dias-Filho (2007) indicam que cerca de 70 milhões de hectares de pastagens, nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, estariam degradados ou em processo de degradação, isto é, seriam pastagens improdutivas ou de muito baixa produtividade. Dessa forma, considerando que os índices zootécnicos dessas pastagens estariam abaixo do seu real potencial produtivo (Tabela 2), seria possível afirmar que, com a recuperação dessas áreas, a atual produção de carne e leite dessas regiões poderá ser aumentada consideravelmente, sem a necessidade de derrubar uma só árvore. Ademais, esse aumento de produtividade, permitiria que parte das áreas atualmente utilizadas sob pastagens nessas regiões fosse convertida para outros fins agrícolas, florestais ou de preservação.
Requisitos para a adoção de tecnologias de recuperação de pastagens em áreas de fronteira agrícola
A recuperação de pastagens degradadas compreende diversas tecnologias de intensificação agrícola e, como tal, a sua adoção seria influenciada por fatores de natureza agronômica, econômica e social. No caso específico de regiões de fronteira agrícola do Brasil, os requisitos básicos para a adoção de tecnologias de recuperação de pastagens seriam:
• recursos financeiros próprios ou acesso a crédito para os investimentos (compra de insumos, animais etc.);
• domínio da tecnologia ou acesso à assistência técnica qualificada;
• acesso a mercado para compra de insumos (sementes, fertilizantes etc.);
• segurança na posse da terra.
Estratégias de recuperação de pastagens em áreas de fronteira agrícola
O processo de degradação da pastagem é fenômeno complexo que envolve causas e consequências que levam à gradativa diminuição da capacidade de suporte da pastagem, culminando com a degradação propriamente dita (DIAS-FILHO, 2007). A identificação das causas e o entendimento dos processos de degradação são essenciais para o sucesso de programas de recuperação ou de manutenção da produtividade de pastagens.
As causas da degradação de pastagens variam com cada situação específica. Normalmente, mais de uma causa está envolvida no processo de degradação. Segundo Dias-Filho (2007), as principais causas são:
• Práticas inadequadas de pastejo, como o uso de taxas de lotação ou períodos de descanso que não levam em conta o ritmo de crescimento da pastagem.
• Práticas inadequadas de manejo da pastagem, como a ausência de reposição periódica de fertilizantes, o uso excessivo do fogo para eliminar pasto não consumido (macega) e provocar a rebrotação, ou para controlar plantas daninhas.
• Falhas no estabelecimento da pastagem, provocadas pelo preparo inadequado da área, uso de sementes de baixo valor cultural, ou por semeadura em época imprópria.
• Pragas, doenças e problemas fisiológicos, como ataques de insetos-praga e a ocorrência da síndrome da morte do capim-marandu (Brachiaria brizantha cv. Marandu).
• Fatores abióticos, como o excesso ou a falta de chuvas, a baixa fertilidade e a drenagem deficiente do solo.
As estratégias de recuperação de pastagens degradadas devem ser planejadas com base no conhecimento das principais causas de degradação.
A lógica seria aumentar a eficiência do processo de recuperação. Assim, por exemplo, em uma pastagem que tivesse degradado em decorrência do ataque de cigarrinha-das-pastagens ou da síndrome da morte do capim-marandu, a simples adubação do solo não deveria ser, necessariamente, a única estratégia a ser adotada para recuperar a sua produtividade.
De acordo com Dias-Filho (2007), as estratégias de recuperação de pastagens (Figura 1) poderiam ser classificadas em:
• renovação (reforma) da pastagem;
• implantação de sistemas agrícolas e agroflorestais; e
• pousio da pastagem.
A opção para a adoção de cada uma dessas estratégias dependeria de uma combinação de fatores econômicos, agronômicos e ecológicos. Esses fatores, por sua vez, seriam influenciados pela capacidade financeira do produtor, pelo tipo da área e sua localização geográfica, pelo estádio e tipo de degradação da pastagem e, sobretudo, pelo preço do boi (ou do leite), além do preço da terra e a sua importância agrícola e ambiental.
Renovação da pastagem
Quando o percentual de cobertura do solo pelas plantas forrageiras na pastagem é muito baixo (<50%), qualquer ação direcionada à reutilização da área como pasto deverá contemplar um novo processo de formação (estabelecimento) da pastagem. Isto é, a pastagem degradada existente deverá sofrer uma renovação ou reforma.
As estratégias de renovação da pastagem degradada estarão condicionadas a fatores como o tamanho (pequenas ou grandes propriedades) da área a ser recuperada, as espécies predominantes, o percentual de infestação e o estádio de desenvolvimento das plantas daninhas e o capital disponível para a renovação.
Normalmente, o processo de renovação da pastagem envolve, em maior ou menor escala, o uso de mecanização para preparo da área, e para a semeadura e a adubação do pasto. Uma descrição detalhada sobre esse processo é apresentada em Dias-Filho (2007).
Implantação de sistemas agrícolas e agroflorestais
Dias-Filho (2007) sugere um sistema agrícola e um sistema agroflorestal como alternativas para a recuperação de pastagens degradadas:
• sistema agropastoril; e
• sistemas silvipastoris plantados ou com manejo da vegetação nativa (secundária).
Sistemas agropastoris (integração lavoura-pecuária)
A integração lavoura-pecuária na recuperação de pastagens degradadas consiste no plantio de culturas anuais nessas áreas, em sistema de rotação ou de consórcio com as forrageiras. A integração dos sistemas de produção de grãos e pecuária seria opção viável para aumentar a produtividade e diversidade da propriedade rural, recuperar pastagens degradadas e reduzir os riscos de degradação (VILELA et al., 2001; KLUTHCOUSKI et al., 2004; SANZ et al., 2004; ZIMMER et al., 2004).
Um dos principais objetivos dessa prática, além de restabelecer a produtividade da pastagem, seria viabilizar economicamente o processo de renovação da pastagem degradada, amortizando parte dos custos de recuperação, por meio da comercialização da produção da cultura anual.
A integração lavoura-pecuária é uma atividade complexa que requer maior grau de especialização por parte dos produtores, sendo, também, uma atividade de maior risco e que exige maiores investimentos, quando comparada a sistemas tradicionais menos intensivos. Portanto, existem algumas condições básicas para a sua adoção. Algumas dessas condições, listadas por Vilela et al. (2001), Kichel e Miranda (2002) e Dias-Filho (2007) são:
• recursos financeiros próprios ou acesso a crédito para os investimentos na produção;
• solos favoráveis para a produção de grãos (com boa drenagem e aptos à mecanização);
• domínio da tecnologia para produção de grãos;
• acesso a mercado para compra de insumos e comercialização da produção;
• disponibilidade de mão de obra ou máquinas agrícolas para plantio e colheita;
• acesso à assistência técnica;
• infraestrutura adequada para armazenamento e transporte dos grãos produzidos;
• possibilidade de arrendamento da terra ou de parceria com produtores tradicionais de grãos.
Basicamente, existem duas formas de promover a recuperação de pastagens degradadas com o plantio de culturas anuais:
• plantio consorciado da cultura anual com a pastagem; e
• plantio exclusivo da cultura anual, durante determinado período, e plantio da pastagem, consorciada com a cultura anual na última safra de grãos, ou após a colheita da última safra da cultura (sistema de rotação).
Esses sistemas são descritos com detalhes em Vilela et al. (2001) e Dias-Filho (2007) e em outras publicações especializadas.
Sistemas silvipastoris (SSP)
A implantação de SSP tem sido apontada como uma das opções para a recuperação de pastagens degradadas (DANIEL et al., 1999b; DIAS-FILHO, 2006; 2007). A implantação dessa modalidade de sistemas agroflorestais pode ser indicada para diversas situações em que for planejada a recuperação da produtividade da pastagem, sendo, no entanto, particularmente apropriada quando for prevista a renovação da pastagem.
Um dos principais empecilhos para a implantação de SSP seria a dificuldade de estabelecimento das árvores em áreas onde já existisse a pastagem formada. A interferência do gado, a competição exercida pelo capim, além de estresses ambientais — como o excesso de radiação solar e a baixa umidade do ar e do solo —, prejudicariam o desenvolvimento inicial e a sobrevivência das mudas arbóreas.
A implantação de SSP durante o processo de recuperação de pastagens degradadas, principalmente nos casos em que fosse planejada a reforma da pastagem, isto é, quando houvesse a renovação total ou parcial da cobertura vegetal da área, superaria parte dessas dificuldades, já que a área poderia ficar livre da presença do gado por período relativamente longo de tempo. Ademais, a competição exercida pela pastagem seria atenuada, pois o pasto estaria ainda em formação. Nesse sentido, a implantação de sistema agrissilvipastoril (DANIEL et al., 1999a), ou seja, a introdução na área de uma ou mais culturas agrícolas anuais, no primeiro ou nos dois ou três primeiros anos, antes do plantio do pasto, forneceria renda em curto prazo para o produtor e proporcionaria mais tempo para o desenvolvimento das árvores, antes da implantação do pasto e da entrada dos animais.
Pousio da pastagem
Em situações especiais, o pousio da pastagem degradada pode ser considerado como forma de recuperação da produtividade biológica da área.
A aplicação prática dessa estratégia estaria restrita a situações em que o objetivo fosse recompor a área de reserva legal da propriedade, ou para recuperar áreas que não deveriam ter sido originalmente desmatadas.
Exemplos seriam áreas situadas às margens de cursos d’água (área de proteção permanente), ou sob solos com drenagem deficiente ou muito pedregosos e de difícil mecanização, ou ainda aquelas sob relevo muito declivoso. Nesses casos, essas áreas de pastagens degradadas podem ser simplesmente abandonadas por tempo indefinido e, dependendo da situação, poderiam ou não ser reutilizadas, no futuro, para nova formação (renovação) da pastagem, ou para outro fim agropecuário ou florestal.
Nesse período de pousio, a vegetação natural cresceria livremente, caracterizando o processo natural de sucessão secundária.
Alternativamente, o processo natural de recomposição da vegetação secundária, em pastagens degradadas abandonadas, poderia sofrer intervenções, por meio do controle seletivo (por exemplo, mediante ao raleamento) da vegetação. O objetivo seria dificultar o desenvolvimento de certas plantas indesejáveis e facilitar o estabelecimento daquelas consideradas desejáveis.
Outra forma de manejo da vegetação secundária, para a recuperação da vegetação arbórea de pastagens degradadas, seria o plantio estratégico de árvores com maior capacidade de crescimento e de acúmulo de nutrientes na biomassa, ou ainda espécies de maior valor econômico.
A adoção, pelos produtores, do sistema de pousio em pastagens degradadas dependeria da disponibilidade de terra (pelo fato da área em pousio ter que ficar indisponível para a atividade agropecuária por tempo indeterminado), de mão-de-obra (para a implantação e a manutenção do sistema de manejo da vegetação secundária) e reserva de capital (já que, pelo menos temporariamente, a área ficaria economicamente improdutiva).
Esse método pouco convencional de recuperação é discutido com detalhes em Dias-Filho (2007).
Dificuldades para a adoção de tecnologias de recuperação de pastagens em áreas de fronteira agrícola
A adoção de práticas de recuperação de pastagens degradadas requer mudanças tecnológicas, geralmente traduzidas em maior intensificação (DIAS-FILHO, 2007). Para White et al. (2000), um pré-requisito para a adoção de tecnologias de intensificação agrícola (como a recuperação de pastagens degradadas) em regiões tropicais, seria a escassez de áreas naturais (e.g., floresta primária e cerrado). No entanto, ainda segundo White et al. (2000), a preservação de áreas naturais só seria possível se as opções de intensificação (recuperação) fossem mais baratas do que as práticas tradicionais mais extensivas, como o abandono de áreas degradadas e a expansão de cultivos às custas da transformação de áreas naturais.
Em estudo sobre a probabilidade de adoção de sistemas agroflorestais em área de fronteira agrícola na Amazônia Brasileira, Vosti et al. (1998) argumentam que os produtores, ao decidirem sobre a adoção de uma nova tecnologia, levam em consideração fatores como os custos e benefícios de sistemas alternativos já em uso e as suas próprias limitações financeiras e de mão de obra. Assim, a aceitabilidade agronômica e econômica da mudança tecnológica teria maior influência na sua adoção do que seus possíveis benefícios sociais e ambientais. De acordo com Lee (2005) essa característica seria um problema crônico encontrado na adoção de práticas agrícolas sustentáveis.
No caso de sistemas silvipastoris, Dias-Filho e Ferreira (2007) argumentam que a adoção dessa tecnologia poderia ser dificultada por barreiras econômicas, operacionais e culturais. A necessidade de investimentos relativamente altos para a implantação, o baixo retorno financeiro inicial e os riscos associados a essa tecnologia seriam as principais causas da baixa taxa de adoção de sistemas silvipastoris na recuperação de pastagens degradadas, particularmente em áreas de fronteira agrícola (DIAS-FILHO 2006; DIAS-FILHO; FERREIRA, 2007). De acordo com Dias-Filho e Ferreira (2007), uma alternativa para superar, em parte, essas barreiras seria a implantação de sistemas agrissilvipastoris, isto é, o plantio de culturas anuais, como milho ou arroz, durante os primeiros anos de desenvolvimento das árvores. A venda de grãos geraria renda enquanto as árvores estivessem ainda muito pequenas para permitir a implantação do pasto e a entrada dos animais. Após essa fase inicial de plantio de culturas anuais, o capim seria então implantado e os animais introduzidos na área. Outra forma de gerar renda nos primeiros anos de desenvolvimento das árvores seria utilizar o pasto, inicialmente, para produção de forragem conservada. Assim, como os animais não teriam acesso ao pasto, não haveria necessidade de investir na proteção das árvores. Essa estratégia de uso poderia ser empregada enquanto as árvores ainda não estivessem suficientemente desenvolvidas e, portanto, mais suscetíveis a possíveis danos ocasionados pelos animais.
O grande desafio econômico para a adoção, em larga escala, de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas em áreas de fronteira agrícola, principalmente aquelas que demandam maior uso de insumos e serviços (e.g., mecanização), seria que a implantação dessas tecnologias é normalmente mais cara do que os procedimentos tradicionais de conversão de áreas de vegetação nativa (DIAS-FILHO, 2007). Nesse contexto, para que essa meta seja alcançada, é necessário que o uso de técnicas de recuperação de áreas degradadas seja economicamente mais atrativo do que a expansão das atividades agropecuárias, a partir do desmatamento de áreas de vegetação natural (DIAS-FILHO, 2007).
Portanto, considerando os benefícios ambientais e sociais da recuperação de pastagens degradadas em áreas de fronteira agrícola, frente à conversão de novas áreas de floresta ou de cerrado, há necessidade de ampliação e desburocratização das linhas de crédito atualmente disponibilizadas pelo governo nessas áreas para que a intensificação da atividade pecuária seja acelerada e a sua sustentabilidade aumentada.
Conclusão
A tendência de regionalização no crescimento do rebanho bovino que vem sendo observada no Brasil indica que, no futuro, as atuais regiões de fronteira agrícola do País (Norte, Centro-Oeste e Nordeste) deverão se consolidar como os principais pólos de produção pecuária para o abastecimento dos mercados interno e externo. A base dessa pecuária deverá ser a criação a pasto, garantindo assim maior competitividade, via menores custos de produção, e a obtenção de um produto tido como de melhor qualidade e, potencialmente, de crescente apelo mercadológico, o “boi verde” ou o “boi de capim”.
Dessa forma, como o aumento nas restrições ambientais contra o desmatamento deverá reduzir cada vez mais as possibilidades da contínua incorporação de novas áreas, a recuperação de pastagens degradadas se constituirá na principal alternativa para a expansão da pecuária nessas regiões. É imprescindível ainda que os sistemas de produção atualmente praticados na fronteira agrícola brasileira sejam modernizados, visando torná-los mais eficientes e sustentáveis. Para que essa modernização seja alcançada, a atividade pecuária deverá estar fundamentada em uma gestão predominantemente empresarial, garantindo assim a sua estabilidade, em face à concorrência com outras atividades econômicas. A base dessa mudança de paradigma na pecuária nacional deverá ser a constante geração de tecnologia, respaldada por investimentos público e privado em pesquisa e desenvolvimento, e a promoção de estratégias que aumentem a adoção de tecnologia pelos produtores rurais.