Votuporanga, no Noroeste do Estado de São Paulo, é conhecida por ser uma bela cidade, mas também por ser uma das cidades mais quentes do Estado de São Paulo. A geada não é um fato comum nesta região, mas uma ocorrência foi registrada em 28 de junho de 2011, assim como os sintomas causados pelo congelamento da forrageira, aos sete dias após a geada, em área experimental com os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Silvicultura (ILPS) e Integração Lavoura-Pecuária (ILP).
A APTA Regional, em maio de 2009 (BORGES et al., 2011), implantou uma área de Integração Lavoura-Pecuária-Silvicultura cujo objetivo é avaliar o sistema na região e, ao mesmo tempo, servir de vitrine tecnológica para visitas de agricultores, pecuaristas e extensionistas. Além disso, com as experiências adquiridas pelas partes, objetiva-se construir um modelo de produção sustentável para região Noroeste do Estado, que se oponha ao sistema exploratório atual.
Na região, a pecuária de corte é caracterizada pela baixa taxa de lotação, estimada em 0,93 UA/ha (PINATTI, 2007), reflexo da baixa qualidade (PERES et al., 2011) e disponibilidade de forragem das pastagens e do manejo adotado. Outra característica importante das áreas destinadas às pastagens no Estado de São Paulo é o seu nível de degradação. Apenas como exemplo, dos 3.690.000 hectares destinados para rebanho leiteiro e misto no Estado, 80% estão com algum nível de degradação, sendo preocupante, uma vez que em torno de 20% já estão degradadas, com cobertura vegetal extremamente deficiente, ocorrência de sulcos profundos e voçorocas (DRUGOWITCH et al., 2009).
Esse projeto tem atingindo plenamente o objetivo, não só pelos resultados diretos, devido à grande demanda que se tem recebido por informação e a experiência partilhada com produtores, técnicos da Secretaria da Agricultura, da Embrapa Sudeste Gado de Corte e de estudantes, mas também porque antecipou uma discussão que, atualmente, permeia na Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, com forte apelo para se tornar parte integrante de um programa de governo para recuperação de áreas degradadas no Estado.
Entre as diversas experiências vivenciadas com o projeto, a geada branca ocorrida em 28 de junho de 2011 mereceu registro por ilustrar, de modo didático, as alterações que o estrato arbóreo provoca nas pastagens, criando um microclima próprio que pode gerar maior estabilidade ao sistema.
De acordo com Sentelhas & Angelocci (2012), a geada branca é verificada quando a geada de radiação ocorre e no ar, a concentração de vapor d'água é suficiente para que haja a condensação deste nas superfícies e, posteriormente, o seu congelamento. Nesse caso, a temperatura do ponto de orvalho está ligeiramente acima de 0ºC. A geada de radiação é aquela provocada pelo resfriamento intenso da superfície, que perde energia durante as noites de céu limpo, sem vento, com baixa umidade, sob o domínio de um anticiclone semi-estacionário (massa de ar polar = alta polar), com ar frio e seco. Sob tais condições, ocorre a inversão térmica, ou seja, a temperatura da relva é menor que a temperatura do ar.
Agronomicamente, a geada é um fenômeno atmosférico que provoca a morte das plantas, ou de suas partes, devido à ocorrência de baixas temperaturas que acarretam o congelamento dos tecidos vegetais, havendo ou não a formação de gelo sobre as plantas. Esse processo resulta na desidratação das células, perda do potencial de turgescência, redução do volume celular e plasmólise. De modo geral, como resultados/sintomas desses processos, a folha fica flácida e com coloração verde escura, passando a ficar seca com o tempo (coloração amarelo/palha no presente caso); no caule, os vasos ficam necrosados (escuros) e provoca danos generalizados interna e externamente nos frutos (SENTELHAS & ANGELOCCI, 2012).
Na Estação Meteorológica do IAC, a 300 metros da área experimental, foi registrada a temperatura de 2,2°C e a ocorrência de geada branca na referida data (Figura 1). A diferença entre a temperatura medida no abrigo termométrico (1,5 m de altura) e a medida realizada na relva varia de 3,3° a 7°C (SILVA & SENTELHAS, 2001; GRODZKI et al., 1996). Isso explica a formação de gelo, mesmo com registro da temperatura acima de zero no abrigo termométrico.
Figura 1. Entrada do Polo Regional Noroeste Paulista em 28/08/2011, com detalhes da geada. Votuporanga, SP. (Fotos – FREITAS, R.S. & FREITAS, C.J.P.)
Na Figura 2D verifica-se que não houve geada branca no sistema com a presença das árvores de eucalipto (em torno de 330 árvores por hectare) com espaçamento médio entre linhas de 14 m. Nos demais sistemas, Figura 2A, B, C (área em sistema de plantio direto de culturas anuais e área com ILP), nota-se a formação da geada branca.
De modo geral, a presença de árvores cria um microclima que é modificado pela proteção da luz do sol direta, durante o dia, e pela proteção das perdas de radiação de ondas longas, durante a noite. Assim, as temperaturas mínimas tornam-se mais quentes e as máximas mais frias, gerando maior estabilidade térmica sob a cobertura. Dessa forma, o componente arbóreo constitui uma barreira contra perdas de radiação de ondas longas durante a noite, impedindo/dificultando a formação de geadas de radiação (geadas brancas) e os ventos gélidos e dessecantes (geada negra) e, consequentemente, contribui para conservação do calor do solo e do ar, ao proteger a área dos ventos que arrastariam a umidade do ar (LARCHER, 1975; ABEL et al. 1997; DOBNER JR. et al., 2009 ).
O microclima gerado devido à presença do estrato arbóreo, também, favorece a retenção de umidade e o enriquecimento de nutrientes, podendo refletir no prolongamento da disponibilidade de forragem verde. Em termos práticos, frequentemente, verifica-se a ocorrência de pastagens verdes sob árvores mesmo durante o inverno (SILVA, 1998).
Figura 2. Detalhes da área experimental. A - área de sistema semeadura direto; B - área em integração lavoura-pecuária (ILP); C - área ILP; D - interior da área sob Sistema Integração-Lavoura-Silvipastoril (ILPS). (Fotos: FREITAS, R.S. & FREITAS, C.J.P)
Na Figura 3A, um dia após a geada, nota-se a descoloração das folhas da brachiaria (Brachiaria brizantha cv. Marandu), tornando-se pálida. Aos sete dias após a geada, a área experimental (testemunha da área de estudo do sistema ILPS) no sistema ILP apresentou coloração amarelo palha, característica do dano pós-geada (Figura 3B). Esses sintomas foram provocados pelas perdas das funções vitais da planta devido a danos irreversíveis na membrana celular. Na área sob o sistema ILPS, a forrageira visualmente não sofreu nenhum dano, permanecendo com coloração verde vivo, característica da espécie (Figura 3C e D).
Figura 3. Detalhes da área experimental. A - registro um dia após a geada branca na área de ILP; B - área em (ILP) aos 7 dias após a ocorrência da geada; C e D - área ILPS aos 7 dias após a ocorrência da geada. (Fotos: FREITAS, R.S. & FREITAS, C.J.P)
A proteção contra os efeitos das geadas e dos ventos pelo uso de árvores em cafezais e outras culturas é conhecido há muito tempo, mas essa experiência com a geada, ocorrida em nossa área experimental, é um forte apelo visual para muitos dos envolvidos com a produção sustentável, pois reforça a importância do estrato arbóreo para maior estabilidade das pastagens.
A manutenção ou plantio de árvores em pastagens cultivadas, em comparação com as pastagens tradicionais, pode resultar em benefícios para os componentes do ecossistema das pastagens: clima, solo, microorganismos, plantas forrageiras e animais (CARVALHO, 1998; SANCHÉZ, 2001). Cabe aos produtores fazerem análises, juntamente com os técnicos, e tomarem as decisões com base nas demandas e experiências regionais para que se obtenha sucesso econômico nessa atividade. Todavia, a definição de práticas de manejo mais adequadas às forrageiras do sub-bosque é um desafio aos técnicos e produtores devido às múltiplas fontes de variações, como as combinações de componentes forrageiros e arbóreos que criam condições microclimáticas especiais.
Referências
ABEL, N.; BAXTER, J.; CAMPELL, A.; CLEUGH, H.; FAGHER, J.; LAMBECK, R.; PRINSLEY, R.; PROSSER, M.; REID, R.; REVELL, G.; SCHMIDT, C.; STIRZAKER, R. THORBURN, P. Design principles for farm forestry: a guide to assist farmers to decide where to place trees and farm plantations on farms. RIRDC/LWRRRRDC/FWPRDC Joint Venture Agroforestry Program, 1997. Disponível em: http://www.mtg.unimelb.edu.au/publications/design.htm. Acesso em 09/11/2012.
BORGES, W.L.B; FREITAS, R.S.; SILVA. G.S.; STRADA, W., DE MARIA, I.C. Encontro Sobre Produção Agropecuária Sustentável. Campinas, 2011. 44p. (Documentos IAC, 99).
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DOBNER Jr., M.; HIGA, A. R.; SEITZ, R. A. Efeito da Cobertura de Pinus taeda L. na proteção contra geadas e no crescimento de plantas jovens de Eucalyptus dunnii Maiden. Floresta, Curitiba, v. 39, n. 4, p. 807-823, out./dez. 2009.
DRUGOWICH, M.I.; SAVASTANO, S.; SAVASTANO, S.A.AL. Erosão em pastagens sob pecuária leiteira e mista no Estado de São Paulo. 2009. Disponível em: <www.cati.sp.gov.br/projetolupa/estudos_lupa/ErosaoPastagensSP.pdf> Acesso em 09/11/2012.
GRODZKI, L.; CARAMORI, P. H.; BOOTSMA, A.; OLIVEIRA, D.; GOMES, J. Riscos de geada no estado do Paraná. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria, v. 4, n. 1, p. 93-99, 1996.
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PERES, R.M.; COUTINHO FILHO, J.L.V.; JUSTO, C.L.; MENDES, E.E.B.; DUARTE, A.P. Integração agricultura e pecuária como alternativa de recuperação de pastagens no Oeste do Estado de São Paulo. In: ENCONTRO SOBRE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA SUSTENTÁVEL. FREITAS, R.S.; BORGES, W.L.B.; SILVA, G.S.eds. IAC, Campinas, 2011, p.1-13 (doc 99).
PINATTI, E. Produtividade da bovinocultura de corte paulista em 2005. Informações Econômicas, SP, v.37, n.6, p.17-25, 2007.
SANCHÉZ, M.D. Panorama dos sistemas agroflorestais pecuários na America Latina. IN:CARVALHO, M.M.; ALVIM, M.J.; CARNEIRO, J.C. (Ed.). Sistemas agroflorestais pecuários: opções de sustentabilidade para áreas tropicais e subtropicais. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite; Brasília: FAO, 2001.p.9-17.
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SILVA, V.P. Modificações microclimáticas em sistemas silvipastoril com Grevillea robusta A. CUNN. EX.R.BR. 1998. 152p. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, 1998.
***O trabalho foi originalmente publicado pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.