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Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo

Publicado: 28 de agosto de 2012
Por: Caio de Teves Inácio (Pesquisador Embrapa Solos)
Introdução
Projeto piloto de compostagem de resíduos foi desenvolvido em parceria com a INFRAERO na área de serviço do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro com o objetivo de implantar uma unidade demonstrativa de compostagem para ações de transferência de tecnologia para o aproveitamento de resíduos orgânicos e fabricação de compostos e fertilizantes orgânicos. Estudos técnicos sobre o processo de compostagem foram conduzidos nesta unidade de compostagem.
 
Leiras de Compostagem
O método de compostagem empregado foi o de Leiras Estática com Aeração Passiva. Neste método as leiras têm formato retangular, com laterais quase perpendiculares ao solo (Figura 1), não há revolvimentos frequentes ou aeração forçada, e emprega-se material de alta relação C/N, como aparas de madeira, para manutenção da porosidade da mistura (INÁCIO; MILLER, 2009). As leiras recebiam, semanalmente, uma nova carga de aproximadamente 1.100 kg de resíduos. Os resíduos utilizados foram restos de alimentos (700,0 kg/semana), cama de cavalo (esterco com aparas de madeira, 244,0 kg/semana), e aparas de grama (167,0 kg/semana), representando uma proporção em peso úmido de 63%, 22% e 15%, respectivamente, e de 27%, 36% e 37%, em base seca. Cada leira recebeu, em média, cerca de 32.400 kg, apresentando dimensões de 16,0 m de comprimento, entre 0,8 e 1,2 m de altura e 1,2 m de largura. No período de um ano foram montadas 16 leiras de compostagem.
Figura 1. Leira de compostagem.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 1
 
Características dos resíduos orgânicos
A caracterização dos resíduos orgânicos (matéria-prima) é uma atividade básica de uma unidade de compostagem com fins à produção de fertilizantes orgânicos. Assim sendo, amostras dos resíduos orgânicos foram coletadas (Figura 2). Os resultados das análises laboratoriais estão resumidos nas Tabelas 1 e 2.
Figura 2. Montagem incial da leira de compostagem com restos de alimentos, aparas de grama e cama-de-cavalo.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 2
Tabela 1 - Composição dos diferentes resíduos empregados na compostagem - unidade demonstrativa do projeto no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Médias e valores mínimos e máximos encontrados nas amostras analisadas.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 3
Tabela 2 - Características dos resíduos da leira de compostagem, médias em base seca.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 4
Para determinação da matéria seca e umidade, as amostras foram secas a 65°C por 24h em estufa com circulação de ar. As análises de carbono total foram feitas em um determinador de carbono elementar por combustão (multi EA 2000, AnalytikJena); o nitrogênio orgânico e amoniacal foi determinado pelo método Kjeldahl; os elementos P, Ca, Mg, P, Ca e Mg são determinados por espectrometria de emissão atômica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES, Perkin Elmer), o K foi determinado por fotômetro de chama. Todas as análises foram realizadas pelo Laboratório de Análise de Solo, Plantas e Água (LASP) da Embrapa Solos.
Os restos de alimentos apresentaram alta umidade (84%) e baixa relação C:N (13:1), bem como, alto conteúdo relativo de nitrogênio (26,9 g/kg) e potássio (19,9 g/kg). Para os demais elementos as amostras mostraram valores bem mais baixos. Ou seja, os restos de alimentos são um tipo de resíduo úmido e rico em nutrientes. Do ponto de vista da compostagem, é um resíduo potencialmente de rápida degradação, mas problemático quanto à atração de vetores e que precisa ser misturado a resíduos menos úmidos e com relação C:N mais alta, como é o caso da cama-de-cavalo ou dos cortes de grama. As amostras de cama-de-cavalo apresentaram baixa umidade (39%) e alta relação C:N (43:1), com baixos conteúdos relativos de N (9,2 g/kg) e K (7,0 g/kg) e dos demais nutrientes. Esperava-se que o esterco de cavalo apresentasse maior concentração de nutrientes, o que não ocorreu, provavelmente, devido à sua diluição com a mistura da maravalha (aparas de madeira).
Os teores de P com valores abaixo de 1% (10,0 g/kg) nos diferentes tipos resíduos pode ser um fator limitante pelo potencial de gerar um produto final também com baixos teores deste elemento, um importante constituinte dos fertilizantes. No entanto, o P não é um elemento tão móvel e sujeito a perda como o N e K durante o processo de compostagem, tendendo a se concentrar no produto final. O N pode ser perdido por volatilização (NH3) e o K na solução do percolado da leira (lixiviação). Essas perdas dependem de diversos fatores do processo que podem ser manejados para serem reduzidas.
As amostras de composto orgânico (produto final) apresentaram relação C:N média de 22:1 e 1,7% (base seca) de conteúdo de nitrogênio, que são valores adequados para um fertilizante orgânico.
 
Fatores ecológicos: temperatura e oxigênio
Entende-se por fatores ecológicos no processo de compostagem a temperatura, a concentração de O2, a umidade, o pH, potencial de oxi-redução, disponibilidade de carbono e nitrogênio, entre outros que influenciam a atividade microbiológica de biodegradação (MILLER, 1993).
O monitoramento da temperatura (Figura 3) permitiu a verificação da atividade biológica do processo de compostagem, identificando quando a leira estava em adequado processo termófilo (>50°C). A pouca elevação da temperatura (<50°C) reflete, em geral, uma baixa atividade biológica, restringida em muitos casos pela falta de aeração (O2), ou outros fatores ecológicos como; alta (>80%) ou baixa umidade (<40%), falta de nutrientes e carbono disponíveis ou baixa inoculação inicial. Dois tipos de misturas foram feitas: leiras formadas com cortes de grama e restos de alimentos; e, leiras onde foi incorporada a cama-decavalo à mistura. Essas diferentes misturas apresentaram diferentes curvas de temperatura, com maior temperatura máxima (>65°C) para a mistura com cama-de-cavalo (Figura 4 e 5). Este efeito pode ter sido em função deste material proporcionar maior porosidade a leira de compostagem, influenciando no fluxo da aeração passiva, mas também em função de uma maior inoculação, por se tratar de esterco, material rico biologicamente. Diferenças na manutenção da umidade das leiras podem também influenciar essas diferenças de temperatura em função da influência à atividade biológica.
Figura 3. Monitoramento da temperatura com um termopar tipo K de haste longa.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 5
Os gráficos apresentados nas figuras 4 e 5 mostram a manutenção da temperatura acima de 55°C por vários dias. Este limite é recomendado para "desinfecção" dos resíduos no processo de compostagem, isto é, a redução ou eliminação de certos patógenos comuns ao Homem (ovos de helmintos, coliformes fecais, salmonela, entre outros), requisito importante para se obter um produto final apropriado para uso agrícola e manuseio. Este limite mínimo de temperatura está previsto nas normas brasileiras para compostagem de lodo de esgoto (BRASIL, 2006) e pode ser usado como referência para a compostagem de restos de alimentos e estercos animais.
O fator ecológico mais importante na compostagem é o suprimento de oxigênio (O2) via aeração, que pode ser passiva ou forçada. Nas leiras estáticas, a concentração de O2 depende da intensidade do seu consumo pelos microrganismos (respiração) e da reposição via aeração passiva, que sofre influência da porosidade da leira, do conteúdo de água nos micro e macroporos e do calor interno sobre o fluxo de ar (RANDLE; FLEGG, 1978; MILLER, 1993). A presença de materiais de baixa degradabilidade, alta C:N e boa estrutura, como as aparas de madeira contidas na cama-de-cavalo contribuem para a manutenção da porosidade (MANIOS et al., 2007; SOMMER; MØLLER, 2000). A porosidade é melhor interpretada como o Espaço-de-Ar-Livre, que é um importante parâmetro para definir as condições ótimas do substrato para transferência de ar dentro das leiras (ALBUQUERQUE et al., 2008). As dimensões das leiras, principalmente a largura e o formato, têm influência neste fluxo de ar (FUKUMOTO et al., 2003; BECK-FRIIS et al., 2000; MILLER, 1993).
A leira de compostagem monitorada manteve-se predominantemente aeróbia (mais de 2/3 do volume com 10% a 18% de O2) em sua fase termófila (53,29ºC 7,54ºC), porém com uma zona central anaeróbia (< 10% de O2) (Figura 6). As condições de aeração passiva foram investigadas com utilização de um analisador de portátil de gases com resolução de 0,1% e faixa de medição de 0 a 100% (Portable O2/CO2/CH4 Meter, Columbus Instruments, Ohio, EUA) (Figura 7). Os pontos de medição dentro da leira foram distribuídos em três alturas em relação à base da leira; 20, 40 e 60 cm, e três distâncias da parede lateral (DPL) ou profundidades; 10, 30 e 60 cm, perfazendo nove pontos de medição na seção transversal. As concentrações de O2 e CH4 apresentaram uma forte relação exponencial negativa (R2=0,95) demonstrando que abaixo de 10% de O2 a atividade aeróbia de biodegradação se reduz fortemente, passando a compartilhar espaço com metabolismo anaeróbio de biodegradação (INÁCIO et al., 2009). Essa informação pode subsidiar decisões quanto às estratégias de manejo empregadas na compostagem de diferentes resíduos.
Como estratégia de melhoria do processo, poderia ser empregada a aeração forçada com compressores, controlados ou não por um sistema automatizado e sensores de temperatura ou oxigênio. A aplicação de revolvimentos frequentes com tratores, método mais comum, pode não trazer a melhoria esperada de forma a compensar o investimento em maquinário, horas de trabalho e custos de manutenção. O oxigênio inserido na leira com os revolvimentos tende a ser consumido muito rapidamente pela intensa atividade biológica da compostagem, podendo retornar à condição anterior em poucos minutos. Os revolvimentos são mais eficientes para homogeneizar e descompactar o material, devolvendo estrutura e porosidade à leira. Deve-se ter atenção na formação da mistura de resíduos para a compostagem usando materiais que possam garantir a estrutura e a porosidade adequada da leira por mais tempo.
O monitoramento da temperatura e do oxigênio deve ser sempre que possível incorporado às operações de gerenciamento da compostagem. A leitura e acompanhamento desses dois fatores ecológicos dá subsídios à escolha de ações de manejo, evitando a mal compreensão do processo, os desperdícios e, por fim, orientando para otimização das misturas de resíduos.
Figura 4. Gráfico das médias de temperatura diárias, em duas profundidades, de uma leira de compostagem de restos de alimentos e cortes de grama, com comprimento médio de 16 m por 1,5 de largura e 1,2 de altura. Método empregado: leiras estáticas com aeração passiva. Local: Rio de Janeiro, Ilha do Governador, AIRJ.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 6
Figura 5. Gráfico das médias de temperatura diárias, em duas profundidades, de leiras de compostagem de restos de alimentos, cortes de grama e cama-decavalo, com comprimento médio de 16 m por 1,5 de largura e 1,2 de altura. Método empregado: leiras estáticas com aeração passiva. Local: Rio de Janeiro, Ilha do Governador, AIRJ.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 7
Figura 6. Gráficos das médias de temperatura (a) e concentração O2 (b) em três diferentes alturas e distâncias da parede lateral (DPL) dentro das leiras estáticas de compostagem em fase termófila. Resíduos empregados: cama-de-cavalo, aparas de grama e restos de alimentos.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 8
Figura 7 - Monitoramento da concentração de oxigênio do interior de uma leira de compostagem.
Compostagem de restos de alimentos com aparas de grama e esterco de animais: monitoramento do processo - Image 9
 
Agradecimentos
Agradecemos à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) pelos recursos disponibilizados para realização deste projeto.
 
Referências
ALBUQUERQUE, J. A.; McCARTNEY, D.; YU, S.; BROWN, L.; LEONARD, J. J. Air space in composting research: a literature review. Compost Science & Utilization, v. 16, n. 3, p. 159-170. 2008.
BECK-FRIIS, B.; PELL, M.; SONESSON, U.; JÖNSSON, H.; KIRCHMANN, H. Formation and emission of N2O and CH4 from compost heaps of organic household waste. Environmental Monitoring and Assessment, v. 62, p. 317-331. 2000.
BENITES, V. M. et al. Produção de Adubos Orgânicos a partir da Compostagem dos resíduos da Manutenção da Área Gramada do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2004. (Embrapa Solos. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, 50).
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução CONAMA nº 375 de 29 de agosto de 2006. Define critérios e procedimentos, para o uso agrícola de lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos derivados, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 167, 30 ago. 2006. p. 141-146.
EMBRAPA. Manual de análises químicas de solos, plantas e fertilizantes. 2. ed. rev. ampl. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2009. p. 203.
FUKUMOTO, Y.; OSADA, T.; HANAJIMA, D.; AGA, K. Patterns and quantities of NH3, N2O and CH4 emissions during swine manure composting without forced aeration--effect of compost pile scale. Bioresource Technology, v. 89, p. 109-114. 2003.
INÁCIO, C. T.; MILLER, P. R. M. Compostagem: ciência e prática para a gestão de resíduos orgânicos. Rio de Janeiro. Embrapa Solos, 2009. p. 156.
INÁCIO, C. T.; PROCÓPIO, A. S.; TEXEIRA, C.; MILLER, P. R. M. Dinâmica de O2, CO2 e CH4 em leiras estáticas de compostagem durante a fase terofílica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE RESÍDUOS ORGÂNICOS. 2009. Vitória. Anais...Vitória: SBCS, 2009.
MANIOS, T.; MANIADAKIS, K.; BOUTZAKIS, P.; LASARIDI, K.; MARKAKIS, G.; STENITIFORD, E. I. Methane and carbon dioxide emission in a two-phase olive oil mill sludge windrow pile during composting. Waste Management, v. 27, p. 1092-1098. 2007.
MILLER, F. C. Composting as a process base on the control of ecologically selective factors. In: METTING JUNIOR, F. B. Soil Microbial Ecology: application in agricultural and environmental management. [Boca Raton]: CRC Press, 1993. p. 515-541.
RANDLE, J.; FLEGG, M. Oxygen measurements in a mushroom compost stack. Scientia Horticulae, v. 8, p. 315-323. 1978.
SOMMER, S. G.; MØLLER, H. B. Emission of greenhouse gases during composting of deep litter from pig production - effect of straw content. Journal of Agricultural Science, v. 134, p. 327-335. 2000.
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