Introdução
A criação de gado na Amazônia brasileira começou no século XVII, nos primórdios da colonização portuguesa, quando navegantes trouxeram os primeiros animais para atender a demanda de leite e de tração animal para os colonos europeus instalados primeiramente no Estado do Pará e, posteriormente, ao longo da calha do rio amazonas. A partir de 1960 deu-se um grande incremento na colonização por imigrantes, principalmente em função dos incentivos públicos oferecidos pelo Governo (Veiga et al., 2004).
Este processo de colonização foi mais concentrado nas margens dos rios e assim, as áreas de várzeas foram bastante afetadas com o processo de introdução das atividades agrícolas e pecuárias adotadas pelos colonos (Ohly, 2000).
No Estado do Amazonas, grande parte das propriedades que se dedicam a criação de rebanho misto também está localizada às margens dos rios e utilizam a rede hidrográfica para o escoamento da produção (Lima Filho e Melo, 1990). Esta pecuária, com um caráter predominantemente extensivo, é razoavelmente bem adaptada às peculiaridades das várzeas e encontra-se em franca expansão, tanto pelos grandes quanto pelos médios e pequenos produtores, apresentandose economicamente viável independentemente de incentivos fiscais ou creditícios (Valentin, 2003).
Por outro lado, a pecuária continua sendo uma das principais causas de desmatamento na Amazônia, tendo sofrido, nos últimos vinte anos, grande pressão contra sua expansão. O processo de desenvolvimento na região amazônica resultou na conversão de 68 milhões de hectares de vegetação nativa para uso agropecuário até agosto de 2003, sendo cerca de 80% desta área ocupados com pastagens (INPE, 2004). Entre 1990 e 2002 o rebanho bovino na Amazônia Legal aumentou 119%, passando de 26 milhões de cabeças para 57 milhões de cabeças (IBGE, 2004). Mantidas estas tendências, a área desmatada na Amazônia Legal poderá passar de 12,4% em 2003 para 21,53% em 2020, cenário este que implicaria na conversão de 94,7 milhões de hectares adicionais de vegetação nativa. Contudo, cenários alternativos, contemplando a utilização de tecnologias, indicam que é possível reduzir o desmatamento e evitar a conversão de até 76 milhões de hectares de vegetação nativa no referido período.
Atualmente a demanda na ciência das pastagens é a busca do desenvolvimento de sistemas mais lucrativos de pastagens, mas mantendo o enfoque na agricultura sustentável e se preocupando com as pessoas envolvidas, suas percepções, objetivos, problemas e necessidades (Demment e Laca, 1993; Waters-Bayer e Bayer, 2000).
Deve-se pensar em estabelecer sistemas de suprimento de forragem nutritiva que sejam simples e de baixo custo para diferentes condições ambientais, buscando-se os elementos necessários para uma exploração eficiente e lucrativa das distintas atividades pecuárias (Maraschin, 1994). Portanto, um dos principais objetivos dos sistemas de manejo da pastagem deve ser sempre a tentativa de conciliar a maximização da produção de forragem e a eficiência de utilização desta forragem (Parsons et al, 1988), o que implica em um profundo conhecimento não somente da produção vegetal, mas dos processos mecanísticos envolvidos na relação planta -animal e nos princípios de sustentabilidade. A identificação e quantificação destes mecanismos fundamentais são críticas para o entendimento das relações que ocorrem e são a chave para entender o comportamento de sistemas complexos sendo que a falta do seu entendimento constitui-se na maior barreira para a produção de um modelo integrado nos sistemas de pastejo (Demment e Laca, 1993). Assim, é importante a obtenção de informações que envolvam respostas das plantas e, comunidades vegetais ao pastejo, aspectos de solo e comportamento animal, bem como suas inter-relações com os fatores climáticos (Maraschin, 1994) e, nesse sentido, propôs-se a execução deste trabalho, visando determinar as características químicas e físicas de solo de várzea em um sistema de produção pecuária intensiva, bem como determinar a composição botânica, disponibilidade de forragem, taxa de acúmulo de biomassa e produção de forragem de um sistema de produção pecuária intensiva com pastejo rotacionado.
Material e Métodos
O trabalho foi desenvolvido no município do Careiro da Várzea, Estado do Amazonas. Compreendeu a caracterização química e física do solo de uma pastagem de várzea alta submetida a dois sistemas de pastejo, e da pastagem em um sistema pecuário intensivo voltado para o acabamento de bovinos de corte em área de várzea alta. O sistema consistiu de uma área de 25 hectares dividas em 5 piquetes de 5 hectares cada, instalado em uma propriedade situada no município de Careiro da Várzea. A área, de pastagem nativa, está sendo manejada sob um sistema de pastejo rotativo, composto por períodos de ocupação de 3 a 5 dias e períodos de descanso de 12 a 20 dias. Estão sendo utilizados animais de sobreano mestiços da raça nelore e os animais são mantidos no sistema até o abate, quando então, serão substituídos por outros.
Com relação à pastagem, os parâmetros avaliados foram a disponibilidade inicial de forragem, taxa de acumulo de matéria seca, produção total de forragem e composição botânica da pastagem.
A disponibilidade de forragem foi avaliada pelo método da dupla amostragem, mensurando 50 amostras de 0,25m2 por piquete . Destas, 15 foram cortadas, secas em estufa até peso constante para determinação da matéria seca, e separadas manualmente para determinação da composição botânica e para determinação das percentagens de material morto, folhas e colmos.
Para determinação da taxa de acúmulo de forragem foi empregado o método das gaiolas emparelhadas com a utilização de duas gaiolas, onde a forragem foi cortada a cada 21 dias e submetida a secagem em estufa até peso constante.
Foram avaliadas também as características físicas e químicas do solo. Para as análises químicas foram coletadas dez amostras até 20 cm de profundidade. Para a determinação da densidade do solo (Ds), foram coletadas dez amostras indeformadas, retiradas com cilindros a uma profundidade de 5 a 10 cm. A densidade de partículas (Dp) será determinada pelo método do balão volumétrico com álcool etílico e o VTP será calculado dos valores Ds e Dp, de acordo com a fórmula: VTP(%)=(1 -Ds/Dp)*100.
Para efeito de comparação, foram coletadas cinco amostras para análises físicas e cinco para análises químicas do solo de uma propriedade contínua àquela onde foi desenvolvida esta pesquisa e que utiliza um sistema de criação tradicional de caráter extensivo.
Resultados e Discussão
Características químicas e físicas do solo:
Os resultados das análises químicas do solo das duas propriedades (Tabela 1) permitem caracterizá-los como eutróficos, ambos com níveis adequados de fertilidade para a exploração com pastagens de alta produtividade, não havendo diferença significativa (P>0,05) em nenhum dos itens avaliados, apesar de ser possível notar uma tendência do nível de potássio ser maior no sistema intensivo que utiliza o pastoreio rotativo em relação à propriedade contígua que pratica um sistema de criação tradicional de caráter extensivo e pastoreio (lotação) contínuo. Os valores observados são semelhantes àqueles observados por Alfaia e Falcão (1988) também nos solos de várzea alta do município do Careiro da Várzea, com exceção dos níveis de fósforo e potássio, para os quais os autores encontraram valores de 125 e 62 mg/dm3 respectivamente.
Tabela 1: Níveis de pH, matéria orgânica, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, alumínio, soma de bases trocáveis e capacidade de troca catiônica do solo sob pastagem de várzea em dois sistemas de pastoreio.
A análise das características físicas dos solos (Tabela 2) de ambas as propriedades realizadas por meio da coleta de amostras indeformadas também demonstrou pequena diferença entre os sistemas para as médias de densidade aparente, volume total de poros e macro e micro poros. Cravo et al (1996) observou em solos de várzea na região do município de Iranduba, cultivados com culturas anuais, valores de densidade aparente de 1,47, muito semelhante às médias encontradas neste trabalho. A pequena diferença nas características físicas do solo nos dois sistemas avaliados, indica que o aumento da intensividade do uso da pastagem não tem implicado, até o momento, na degradação das suas características físicas, o que provocaria, indiretamente, perda da produtividade pelo efeito deletério sobre o crescimento radicular das plantas.
Tabela 2: Valores de densidade do solo, valor total de poros e macro e micro poros observados em solos de pastagem de várzea submetidos a dois sistemas de pastoreio.
Produção de forragem:
A média da biomassa instantânea de forragem, em base seca, foi estimada em 5.067 kg ha-1. A taxa média de acúmulo de forragem foi de 125,3 kg ha dia-1. A produção total de biomassa de forragem, estimada para o período de utilização da pastagem (240 dias) foi de 35 t ha-1, superior àquelas observadas em pastagens cultivadas em terra firme com utilização de adubação mineral e espécies forrageiras altamente produtivas, como as variedades de Panicum maximum Massai, Mombaça, Tobiatã e Vencedor (Embrapa CPAFRO, 2008). A produção de forragem observada é suficiente para suportar lotações superiores a quatro unidades animais por hectare durante todo o período. Da biomassa estimada, 27,5% correspondeu a lâminas foliares, 54,6% a colmos e 17,9% a material morto.
No levantamento botânico realizado na área, foram coletadas e identificadas 16 espécies: Galactia volubilis, Eichinochloa spectabile, Scleria scabna, Eriocloa ssp, Hymenachne amplexicaulis, Panicum laxum, Eleusine indica, Eleusine sp., Brachiaria purpunacens, Eragrostris plana, Homolepis isocalicyna, Homolepis aturencis, Cynodon dactilon, Brachiaria subquadripara, Paspalum conjugatum e Brachiaria mutica.
Destas, as gramíneas Brachiaria subquadripara e Brachiaria mutica foram responsáveis por 91,2% da biomassa de forragem. A única leguminosa observada, a Galactia volubilis, respondeu por apenas 0,8% da forragem disponível. Em termos de qualidade da forragem, o conteúdo médio de proteína bruta observado na biomassa total foi de 9,5%, teor este adequado para sistemas de terminação de bovinos.
Conclusões
1. O solo de várzea avaliado possui características químicas adequadas a alta produção de biomassa forrageira;
2. A intensificação do uso da pastagem de várzea alta não implicou, até o momento, em degradação física do solo em comparação com sistema pecuário tradicional extensivo;
3. A produção de forragem e a qualidade desta são adequadas para exploração com sistemas pecuários intensivos.
Agradecimentos
À Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária/EMBRAPA-CPAA e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM pela oportunidade para realização do trabalho.
Referências
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