O objetivo das dietas dos animais de produção é satisfazer as suas necessidades nutricionais, mantendo a sua boa condição de saúde. No entanto, a maioria das culturas colhidas em todo o mundo está contaminada por metabólitos fúngicos, chamados micotoxinas, que podem prejudicar a vitalidade dos animais. Mais de 500 micotoxinas foram identificadas até agora, sendo classificadas em seis categorias: Aflatoxinas, Ocratoxinas, Fumonisinas, Zearalenona, Alcaloides de Ergot e Tricotecenos. Essas toxinas afetam negativamente o estado de saúde, a reprodução, o funcionamento dos órgãos, a imunidade e a digestão dos animais.
A maioria das micotoxinas é produzida por fungos nas plantas cultivadas no campo. O mais importante deles é o Fusarium, que pode produzir mais de 70 compostos tóxicos diferentes, incluindo fumonisinas, toxina T-2, DON e zearalenona. O Aspergillus também pode crescer nas plantações em climas quentes e produzir aflatoxina B1. Durante o armazenamento, o Aspergillus e Penicillium são os principais produtores de micotoxinas como aflatoxina B1, ocratoxina A, citrinina, ácido penicílico e outros.
A contaminação dos grãos recém-colhidos por micotoxinas é um parâmetro muito importante e que deve ser levado em consideração. Algumas vezes, estes grãos chegam a ser utilizados para alimentar animais durante longos períodos, até que uma nova safra esteja disponível. Como se costuma dizer: “Conhecer o inimigo é metade da batalha vencida”. Conhecendo o nível de contaminação, podemos pensar como devemos usar esse grão — a que espécie animal ele pode ser destinado (evitando os animais mais sensíveis em caso de alta contaminação ou diminuindo o nível de inclusão de um determinado grão na dieta) e, usando ferramentas como aplicativo MycoMan, analisar quais produtos devem ser usados para diminuir possíveis efeitos negativos da contaminação no desempenho e na saúde dos animal.
Assim como é importante saber qual é o verdadeiro desafio imposto pelas micotoxinas, também é fundamental realizar uma avaliação do risco gerado por estas toxinas para estabelecer um programa completo e abrangente de gerenciamento de micotoxinas. A avaliação do risco de micotoxinas é a avaliação científica da probabilidade de ocorrência dos efeitos adversos percebidos ou potenciais para a saúde resultantes da exposição dos animais às micotoxinas. Ela oferece informação sobre o desafio de micotoxinas, que pode ser: baixo, médio ou alto, dependendo da sensibilidade da espécie e da idade dos animais. Quando o desafio de micotoxinas é conhecido, a dosagem eficaz de um inativador de micotoxinas pode ser calculada de maneira mais adequada.
Resultados
Em 2020 analisamos 1.063 amostras da primeira e da segunda safra de milho no Brasil avaliando a presença de 9 diferentes micotoxinas: Fumonisinas (Fumonisina B1 (FB1) e Fumonisina B2 (FB2)), Aflatoxinas (Aflatoxina B1 (AFB1), Aflatoxina B2 (AFB2), Aflatoxina G1 (AFG1) e Aflatoxina G2 (AFG2)), Zearalenona (ZEA), Desoxinivalenol (DON), Ocratoxina A (OTA), Ácido ciclopiazônico (ACP), Nivalenol (NIV) Toxina HT-2 (HT-2), Toxina T-2 (T-2).
As amostras de milho foram coletadas diretamente das fazendas ou das fábricas de ração antes do armazenamento. Os provedores das amostras foram aconselhados a seguir os princípios da boa amostragem. Todas as micotoxinas foram analisadas por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial (LC MS/MS) no LAMIC, Brasil.
Para efeitos da análise dos dados, os níveis de não detecção foram baseados nos limites de quantificação (LQ) do método de ensaio para cada micotoxina: AFB1 <1 μg/kg; FB1 <125 μg/kg; FB2 <125 μg/kg; ZEA <20 μg/kg; DON <200 μg/kg; OTA <2,5 μg/kg; ACP <5 μg/kg; NIV <100 μg/kg; Toxina HT-2 <100 μg/kg e Toxina T-2 <100 μg/kg.
Os resultados mostraram que 80% das amostras de milho estavam contaminadas com Fumonisina B1 sendo a maior concentração encontrada em uma única amostra de 16.614 μg/kg. A concentração média de FB1 foi de 1.275 μg/kg, que é uma concentração relativamente baixa mas, quando fornecida para espécies sensíveis como suínos ou equinos, por exemplo, pode levar a consequências negativas (Tabela 1, Figura 1).
Outro dado interessante é que 21% das amostras estavam contaminadas com Zearalenona, uma micotoxina conhecida pelo seu potencial de afetar o desempenho reprodutivo de animais reprodutores. A concentração média de ZEA detectada foi de 98 μg/kg, considerada uma contaminação média. Porém, estes níveis podem ser suficientes para gerar problemas reprodutivos em espécies sensíveis, como suínos. O nível máximo detectado foi de 1.163 μg/kg.
Tabela 1. Níveis de contaminação do milho no Brasil e avaliação de risco.
A ocorrência de Aflatoxinas foi baixa — 17% apenas, mas os níveis médios de contaminação foram bastante elevados — 6 μg/kg, o que apresenta risco médio para vacas leiteiras, por exemplo. A concentração máxima de AFB1 recuperada foi de 21,2 μg/kg.
Dentre as amostras analisadas, 15% estavam contaminadas com Nivalenol, o nível de contaminação foi baixo com concentração média de 135 μg/kg e o nível máximo foi de 257 μg/kg. Apenas 4% das amostras continham DON, a concentração média foi baixa — 340 μg/kg, mas a maior concentração encontrada em uma das amostras para DON foi 2.058 μg/kg. Assim, o nível de contaminação por estes Tricotecenos (DON+NIV) apresenta risco médio para espécies animais mais sensíveis, como suínos e cavalos.
Percebemos que o milho das duas primeiras safras de 2020 apresentou níveis baixos ou médios para 5 micotoxinas: AFB1, FB1, ZEA, DON e NIV - contaminação por múltiplas micotoxinas. É necessário levar em conta o possível efeito aditivo das micotoxinas ou sinergismo. Diversas micotoxinas em níveis baixos a médios podem ter efeito negativo na saúde, reprodução e desempenho de animais quando estão presentes ao mesmo tempo que outras micotoxinas.
A Figura 2 mostra a ocorrência de micotoxinas no período entre 2018 e 2020. Em 2020 o número de amostras de milho contaminadas com ZEA, DON e AFB1 foi maior do que em anos anteriores — uma tendência de ocorrência aumentando ano a ano durante estes três anos. Apenas o número de amostras contaminadas com FB1 em 2020 foi menor do que em 2019 (80 e 94% correspondentes).
Se compararmos a concentração média de amostras positivas em µg/kg (FB1, ZEA, DON e AFB1) em 2018, 2019 e 2020, podemos ver tendência semelhante - a concentração média de ZEA e AFB1 em amostras positivas foi significativamente menor em 2020 do que em 2019 e 2018. O nível médio de FB1 este ano foi menor do que em 2018, mas superior ao ano passado (2.660 μg/kg em 2018, 1.085 μg/kg em 2019 e 1.275 μg/kg em 2020). A média de AFB1 em 2020 foi de 6 μg/kg, menor que em 2019 (15 μg/kg) e 2018 (10 μg/kg).
Conclusões
Como comentado, observamos que o milho das duas safras de 2020 apresentou níveis baixos ou médios para 5 micotoxinas: AFB1, FB1, ZEA, DON e NIV. A contaminação múltipla por micotoxinas deve ser levada em conta devido ao possível sinergismo observado quando diferentes tipos de micotoxinas estão presentes, mesmo em níveis baixos a médios, podendo gerar efeitos negativos na saúde, reprodução e desempenho dos animais.
Com base nos resultados desta pesquisa, o milho colhido no Brasil em 2020 não deve ser automaticamente considerado seguro para inclusão em rações para todas as espécies animais. Deve ser dada especial atenção à concentração média de FB1 (1.275 μg/kg), que foi encontrada em 80% das amostras com concentração máxima 16.614 μg/kg. O nível médio de DON e NIV de acordo com nossa tabela de avaliação de risco apresentam risco baixo a médio para animais sensíveis como leitões, suínos reprodutores e equinos. A AFB1 foi encontrada em nível médio de 6 μg/kg, o que apresenta risco médio para vacas leiteiras. Os níveis de ZEA foram baixos e representando um baixo risco para a saúde e desempenho animal.
Considerando as micotoxinas presentes e seus níveis, existe uma maior probabilidade de se observar efeitos negativos causados por coquetéis de micotoxinas (FUM, AFB1, ZEA, DON e NIV) especialmente quando o milho é utilizado em níveis de inclusão superiores a 50% da ração.
Os resultados das análises realizadas em 2020 em amostras do milho colhido no Brasil concluem que a safra deste ano é de qualidade ainda preocupante em relação à contaminação por micotoxinas. Uma adequada estratégia de gerenciamento das micotoxinas, assim como a inclusão de inativadores de micotoxinas na ração, são importantes ferramentas para evitar os diversos efeitos negativos das micotoxinas na saúde e no desempenho dos animais.