Resumo
Micotoxinas associadas aos grãos são uma das principais causas de não conformidade em relação a alimentos seguros e as impurezas e/ou matérias estranhas presentes podem estar associadas à sua maior incidência. Amostras de grãos de soja e respectivas impurezas foram avaliadas na recepção e na expedição de uma Unidade Armazenadora de grãos da região norte do Estado do Paraná na safra 2008/2009. As micotoxinas avaliadas no Laboratório de Análises Micotoxicológicas (LAMIC, em Santa Maria-RS) foram: aflatoxinas (B1, B2, G1, G2), deoxinivalenol, nivalenol, ocratoxina A e zearalenona. Os resultados mostraram baixa ocorrência de micotoxinas em grãos de soja quando armazenados de forma correta. A grande fonte de contaminação por aflatoxina e zearalenona são as impurezas e/ou matérias estranhas permitidas na legislação brasileira até o limite de 1%. A legislação deve ser alterada e deve ser adotado o limite zero de impurezas, na etapa de expedição, visando garantir a segurança alimentar na cadeia produtiva da soja.
Summary
Mycotoxins are an important contaminant on grains mainly on the impurities which coming with from the field during harvesting. Samples of soybean grain and their impurities were taken at reception of storage unit, during storage period and at delivering to industries for processing at a Grain Stored Unit located at north of Parana State 2008/2009 crop season. The mycotoxins evaluated at Analytical Laboratory Mycotoxicological (LAMIC in Santa Maria / RS) were: aflatoxins (B1, B2, G1, G2), deoxynivalenol, nivalenol, ochratoxin A and zearalenone. Results showed that soybean grains when stored properly have low occurrence of mycotoxins. The major source of contamination by aflatoxin and zearalenone were impurities allowed at a rate of 1% by Brazilian legislation. The legislation should be amended and adopted the zero limit of impurities in the stage of shipment in order to ensure a safe food in soybean chain.
1 Introdução
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja e, na safra de 2009/10, alcançou patamares de 68,7 milhões de t, ficando apenas atrás dos Estados Unidos (CONAB, 2010). Nas Unidades Armazenadoras de Grãos (UAs), as operações de pré-armazenamento incluem colheita, transporte, recepção, pré-limpeza, secagem, limpeza ou seleção, e expurgo preliminar. Observe-se que nem sempre são realizadas todas estas operações; entretanto, a pré-limpeza e a secagem são geralmente compulsórias (ELIAS e OLIVEIRA, 2009).
Os grãos são porosos e, ao serem armazenados, se comportam como uma massa de grãos. Assim sendo, a presença de impurezas e/ou matérias estranhas pode formar partículas menores que os espaços intergranulares, diminuindo a porosidade, dificultando a aeração da massa de grãos e comprometendo a qualidade durante o armazenamento.
Nas UAs, são armazenados os grãos com a menor quantidade possível de impurezas e/ou matérias estranhas em silos/graneleiros. As impurezas e/ou matérias estranhas são separadas durante as operações de pré-armazenamento e estocadas em sacarias. No processo de expedição da soja, essas impurezas e/ou matérias estranhas podem ser misturadas novamente à massa de grãos, até o limite de 1% permitido pela legislação brasileira.
Micotoxinas associadas aos grãos são uma das principais causas de não conformidade em relação a alimentos seguros e as impurezas e/ou matérias estranhas presentes podem estar associadas à sua maior incidência. A micotoxina é um metabólito secundário produzido por certos tipos de fungos, que podem causar danos aos animais e ao homem devido ao seu potencial tóxico.
Os produtos agrícolas estão constantemente sujeitos à contaminação fúngica, sendo que as principais espécies de fungos toxigênicos com capacidade de produzir micotoxinas são aqueles dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium.
Em grãos e produtos processados de soja, as principais micotoxinas relatadas são: aflatoxinas (B1, B2, G1, G2), deoxinivalenol, nivalenol, ocratoxina A e zearalenona, (GONÇALEZ et al., 2001; SASSAHARA et al., 2003; MARTINELLI et al., 2004). As aflatoxinas e as ocratoxinas são produzidas pelos fungos do gênero Aspergillus, enquanto deoxinivalenol, nivalenol e zearalenona, pelos fungos do gênero Fusarium (SALINAS, 2006).
O objetivo deste trabalho foi verificar a presença de aflatoxinas (B1, B2, G1, G2), deoxinivalenol, nivalenol, ocratoxina A e zearalenona em grãos de soja e nas impurezas e/ou matérias estranhas, em uma Unidade de Armazenadora de Grãos da região norte do Estado do Paraná, durante as etapas de pós-beneficiamento e final da armazenagem (expedição) na safra 2008/2009.
2 Material e métodos2.1 Amostragem2.1.1 Pós-beneficiamento
Os grãos foram recepcionados e no mesmo dia passaram pela etapa de beneficiamento. Após a pré-limpeza, última etapa do beneficiamento, 100g de amostras separadas de soja transgênica, soja convencional e respectivas impurezas e/ou matérias estranhas foram retiradas a cada 30 min. Assim, em cada dia de amostragem, foram retiradas amostras compostas que, quarteadas na Embrapa Soja, deram origem às seguintes amostras simples:
• Amostra 1 - Soja convencional recepcionada dia 16/03/2009; • Amostra 2 - Soja convencional recepcionada dia 04/04/2009; • Amostra 3 - Soja transgênica recepcionada dia 05/03/2009; • Amostra 4 - Soja transgênica recepcionada dia 04/04/2009; • Amostra 5 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja convencional recepcionada dia 16/03/2009; • Amostra 6 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja convencional recepcionada dia 04/04/2009; • Amostra 7 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja t ransgênica recepcionada dia 05/03/2009; • Amostra 8 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja t ransgênica recepcionada dia 04/04/2009.
As amostras foram acondicionadas em caixas de papelão com capacidade para armazenar 1 kg e, em seguida, encaminhadas para o Laboratório de Análises Micotoxicológicas (LAMIC, em Santa Maria-RS).
2.1.2 Expedição
A retirada das amostras no final da armazenagem (etapa de expedição) ocorreu com a finalidade de avaliar as amostras após armazenamento e seguiu o mesmo padrão da etapa de recepção. Em relação às impurezas e/ ou matérias estranhas, somente foram retiradas amostras do material transgênico, pois não havia mais as impurezas e/ou matérias estranhas para serem misturadas na expedição da soja convencional, que ficou armazenada por um período maior. Em cada dia de amostragem, foram retiradas amostras a cada 30 min, que foram agrupadas e posteriormente quarteadas na Embrapa Soja, dando origem às seguintes amostras simples:
• Amostra 9 - Soja convencional expedida dia 05/10/2009; • Amostra 10 - Soja convencional expedida dia 26/09/2009; • Amostra 11 - Soja transgênica expedida dia 27/07/2009; • Amostra 12 - Soja transgênica expedida dia 27/07/2009; • Amostra 13 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja transgênica expedida dia 27/07/2009; • Amostra 14 - Impurezas e/ou matérias estranhas de soja transgênica expedida dia 27/07/2009.
As amostras foram acondicionadas em caixas de papelão com capacidade para armazenar 1 kg e, em seguida, encaminhadas para o Laboratório de Análises Micotoxicológicas (LAMIC, em Santa Maria-RS).
2.2. Métodos de determinação
Para extração de aflatoxinas, zearalenona, deoxinivalenol e nivalenol, 50g de amostra foram pesados em um copo blender, seguido da adição de 100 mL de solução acetonitrila:água (84:16, v/v), sendo a solução agitada por 3 min. Em seguida, as amostras foram filtradas evaporadas sob fluxo de nitrogênio. O extrato seco foi dissolvido em 1 mL de solução acetonitrila:água (84:16, v/v), sendo então conduzido ao sistema automatizado de purificação em fase sólida com sílica-gel. Após a purificação, para análise de aflatoxinas, 200 μL do extrato foram derivatizados com ácido trifluoroacético por 10 min a 65 °C. Em seguida, as amostras foram conduzidas à análise por cromatografia liquida de alta eficiência e detecção por Espectrometria de Massas (CLAE MS/ MS).
Para análise de ocratoxina A, 10 g de amostra foram pesados em erlemeyer, seguido da adição de 60 mL de clorofórmio e 5 mL de solução 1% ácido fosfórico. Após agitação (30 min), a amostra foi filtrada e 10 mL do filtrado foi evaporado sob fluxo de nitrogênio a 65 °C. O extrato seco foi dissolvido com 600 μL de solução acetonitrila:água (55:45, v/v) e centrifugado com 1000 μL de hexano por 10 min a 2500 rpm. Após centrifugação, a fase orgânica foi coletada em “vial” e conduzida à análise por cromatografia líquida de alta eficiência e detecção por fluorescência.
Os resultados foram expressos em μg.kg-1. Os limites de quantificação e coeficiente de recuperação foram: AFB1 (Aflatoxina B1) 1 μg.kg-1 e 94,5%; AFB2 (Aflatoxina B2) 1 μg.kg-1 e 80,0%; AFG1 (Aflatoxina G1) 1 μg.kg-1 e 88,5%; AFG2 (Aflatoxina G2) 1 μg.kg-1 e 88,1%; ZEA (Zearalenona) 10 μg.kg-1 e 85,0%; DON (Deoxinivalenol) 140 μg.kg-1 e 94%; NIV (Nivalenol) 10 μg.kg-1 e 74%, e OTA (Ocratoxina A) 2 μg.kg-1 e 80%.
3 Resultados e discussão
Na etapa de recepção, a única micotoxina encontrada nos grãos de soja foi a aflatoxina B1, na concentração de 1 ppb, nas duas amostras de soja convencional. Nos grãos de soja transgênica, não foi detectada nenhuma micotoxina (Tabela 1).
Na etapa de recepção, a única micotoxina encontrada nos grãos de soja foi a aflatoxina B1, na concentração de 1 ppb, nas duas amostras de soja convencional. Nos grãos de soja transgênica, não foi detectada nenhuma micotoxina (Tabela 1).
Em relação às impurezas e/ou matérias estranhas amostradas na etapa de recepção, verificou-se a presença de aflatoxina B1 em todas as amostras, com valores variando de 1,6 a 9,8 ppb, sendo este último valor muito próximo ao limite máximo para sementes oleaginosas, que é de 10 ppm (consulta publica nº 100, de 21 de dezembro de 2009 da ANVISA). Foi verificada a presença de zearalenona em uma amostra de impurezas e/ou matérias estranhas. Na Europa, todos os produtos derivados de cereais devem apresentar limites inferiores a 100 ppb de zearalenona, não existindo regulamentação desta micotoxina em soja e seus derivados (FREIRE et al., 2007). No Brasil, não há legislação para essa micotoxina.
Na etapa de expedição, verificou-se indiretamente que a armazenagem ocorreu de forma correta, devido à ausência de micotoxinas nos grãos de soja transgênicos e convencionais (Tabela 2).
Gonçalez et al. (2001) não encontraram nenhuma micotoxina em amostras de grãos de soja analisadas no Instituto Biológico entre os anos de 1989 e 1999. Entretanto, esses autores relataram a presença de aflatoxinas em farelo de soja. Assim, a presença de aflatoxinas pode estar associada às condições de armazenamento dos grãos ou do farelo de soja.
Já em relação às impurezas e/ou matérias estranhas na etapa de expedição, verificou-se a presença de aflatoxinas B1 e zearalenona em todas as amostras, sendo que a contaminação por zearalenona foi bastante expressiva em uma das amostras, superando o limite imposto pela Romênia para todos os alimentos, que é de 30 ppb (LEGISLAÇÃO..., 2010). Dessa forma, a fonte de contaminação de micotoxinas foram as impurezas e/ ou matérias estranhas que podem ser misturadas até o limite de 1% na etapa de expedição, comprometendo a segurança alimentar da soja e de toda sua cadeia alimentar.
Martinelli et al. (2004) afirmaram que a maioria dos isolados brasileiros de Fusarium graminearum produz nivalenol como a principal toxina dos tricotecenos, sendo que esta espécie também pode produzir a toxina deoxinivalenol. Entretanto, não foi constatada a presença de nenhuma destas micotoxinas nos grãos de soja e impurezas e/ou matérias estranhas neste ensaio. Fick et al. (2004) avaliaram a presença de ocratoxina A em 69 amostras de grãos de soja e derivados, durante o período de janeiro de 2001 a abril de 2004, e relataram a contaminação de 10,14%, ou seja, em sete amostras. Portanto, a ocorrência de ocratoxina A pode ocorrer em grãos de soja ou derivados. No presente estudo, esta micotoxina também não foi detectada em nenhuma das amostras.
4 Conclusões
Os resultados obtidos permitem concluir que:
• Os grãos de soja quando armazenados de forma correta apresentam baixa ocorrência de micotoxinas. Entretanto, a grande fonte de contaminação por aflatoxina B1 e zearalenona são as impurezas e/ou matérias estranhaspermitidas na legislação brasileira até o limite de 1%.
• A legislação deve ser alterada e ser adotado o limite zero de impurezas na etapa de expedição, visando garantir um alimento seguro na cadeia produtiva da soja.