INTRODUÇÃO
Várias espécies de Senecio apresentam atividade antimicrobiana descrita na literatura (Pérez et al., 1999; Cos et al., 2002; Rojas et al., 2003; Lima et al., 2006), sendo empregadas devido a esta propriedade na medicina popular de diversos países, inclusive na América Latina (Abdo et al., 1992; Portillo et al., 2001). Uma dessas espécies, Senecio brasiliensis (Spreng.) Less, está incluída na primeira edição da Farmacopéia Brasileira (Brandão et al., 2006)
Em estudo prévio realizado por Deuschle et al. (2006), foi descrita a avaliação da atividade antimicrobiana dos extratos diclorometânico e etanólico das partes aéreas de Senecio desiderabilis Vellozo (Asteraceae), sendo que o primeiro apresentou-se mais ativo contra as cepas bacterianas e fúngicas ensaiadas.
Este trabalho descreve o fracionamento do extrato diclorometânico de S. desiderabilis e a avaliação da atividade antimicrobiana da principal fração obtida, objetivando o isolamento e a identi? cação da(s) substância(s) ativa(s).
MATERIAL E MÉTODOS
Material vegetal.
As partes aéreas de S. desiderabilis Vellozo foram coletadas pelo botânico Marcos Sobral (Faculdade de Farmácia da UFMG), em São José dos Ausentes, RS, Brasil, em fevereiro de 2002. Material testemunha encontra-se depositado no herbário do Departamento de Biologia da UFSM, sob o número SMDB 8936.
Extração
O material vegetal fresco (645,4 g) foi grosseiramente dividido e extraído por maceração em CH2Cl2 por 8 dias. O procedimento foi repetido, reunindose os extratos obtidos que, após a concentração em evaporador rotatório, forneceram 42,65 g de um resíduo pastoso.
Obtenção da fração sesquiterpênica e isolamento do germacreno D.
O extrato diclorometânico (38 g) foi cromatografado em coluna ? ash (27 x 3,1 cm) sobre gel de sílica 60 (63-230 μm), tendo CH2Cl2 como eluente (2,5 L). Das 25 frações de 100 mL obtidas, as frações 2-5 (13,99 g) foram fracionadas sobre coluna contendo 84 g de gel de sílica (25,5 x 3,1 cm) com CH2Cl2. Foram obtidas 25 frações de 100 mL. 927 mg das frações 1-2 da coluna anterior foram separados sobre coluna de gel de sílica (210 g, 55,5 x 3,2 cm), tendo hexano como eluente. Foram recolhidas 41 frações de 10 mL. As frações 1-30 da última coluna (141,1 mg), foram caracterizadas como uma mistura de sesquiterpenóides através da análise por CCD e CG-EM e tiveram sua atividade antimicrobiana avaliada. A fração 1 (5,74 g), obtida da coluna ? ash, foi fracionada sobre coluna de gel de sílica (60 g, 18 x 3,1 cm), uma vez que mostrou semelhança com as frações 12 (927 mg), obtidas da segunda coluna. Foram recolhidas 25 frações de 10 mL. 748 mg das frações 1-15 da coluna anterior, constituídos pela mistura de sesquiterpenóides com atividade antimicrobiana, foram cromatografadas sobre 74 g de gel de sílica (54 x 2,4 cm) impregnado com AgNO3 10 % (Stahl, 1969), tendo hexano:acetona (98:2) como eluente. Das 92 frações de 5 mL obtidas, as frações 64-92 (180 mg), constituídas por uma única substância, foram analisadas por CG-EM, 1H e 13C RMN (BRUCKER DPX, 1H: 400 MHz; 13C: 100 MHz, em CDCl3).
CG-EM: AGILENT 6890, com detector de massas série 5973; split inlet 1:100, gás carreador: hélio (1 mL/min); coluna capilar de sílica fundida HP5MS (Hewlett Packard, 5 % fenilmetilsiloxano, 30 m de comprimento, 0,25 mm Ø, espessura do ? lme: 0,25 μm); Programa de análise: 40 °C (Ti) por 4 min, 40-260 °C, 4 °C/min; temperatura do injetor: 220 °C; energia de ionização 70 eV; banco de dados NIST, 1998.
Germacreno D: óleo incolor; Rf 0,20 (gel de sílica F254 impregnado com AgNO3 10%; hexano:éter etílico 98:2, 3 desenvolvimentos; visualização após nebulização com anisaldeído-H2SO4); TR (CG): 30,94 min.; RMN-1H: δ (ppm) = 5,80 (1H, d, J 15,8 Hz, H-5), 5,27 (1H, dd, J 15,8 e 9,9 Hz, H-6), 5,16 (1H, dd, J 11,2 e 4,5 Hz, H-1), 4,82 (1H, d, J 2,24 Hz, H-15a), 4,76 (1H, d, J 1,64 Hz, H-15b), 2,43 (1H, m, H-3a), 2,34 (1H, m, H-2a), 2,11 (2H, m, 9-H), 2,04 (1H, m, H-3b), 2,01 (1H, m, H-7), 1,98 (1H, m, H-2b), 1,54 (3H, s, Me-14), 1,48 (2H, m, H-8), 1,43 (1H, m, 11-H), 0,90 (3H, d, J 6,72 Hz, Me-12), 0,84 (3H, d, J 6,8 Hz, Me-13). RMN-13C (ppm): δ = 140,9 (C4), 135,6 (C5), 133,4 (C6), 129,7 (C1), 128,7 (C10), 109,0 (C15), 53,0 (C7), 40,8 (C9), 34,5 (C3), 32,8 (C11), 29,3 (C2), 26,5 (C8), 20,8 (C13), 19,3 (C12), 15,9 (C14). MS: m/z (%): 204 (17) [M+], 161 (100) [M-C3H7], 147 (65), 133 (25), 119 (61), 105 (78), 91 (68), 79 (42), 67 (21), 55 (24), 41 (62), 27 (32), 15 (4).
Microrganismos
Foram utilizados microrganismos catalogados em coleções (cepas tipi? cadas) conforme especi? cado na tabela 1.
Preparação das amostras para o ensaio
A fração sesquiterpênica e a substância isolada foram solubilizadas inicialmente em Tween 80:meio de cultura (1:20), de forma a obter-se uma solução-estoque. As concentrações intermediárias foram preparadas diluindo-se a solução-estoque no meio apropriado, de forma a resultar em concentrações ? nais de 5000, 2500, 1000, 500, 250, 50 e 25 μg/mL. Para estudo da atividade antifúngica, volumes de 100 μL das concentrações intermediárias foram depositados nas cavidades de uma microplaca estéril; a seguir foram agregados volumes de 100 μL do inóculo padronizado. Para avaliação da atividade antibacteriana, volumes de 200 μL da concentração ? nal de cada amostra foram depositados nas cavidades de uma placa de microtitulação e, então, 10 μL do inóculo padronizado foram adicionados.
Avaliação da atividade antimicrobiana.
A atividade antimicrobiana foi avaliada através da técnica de microdiluição em caldo, com base nos documentos M27-A2 (NCCLS, 2002) para fungos leveduriformes e M7-A4 (NCCLS, 1997) para bactérias.
Previamente aos testes, os cultivos bacterianos foram ativados através de subcultivos em ágar MullerHinton durante 24 h a 35 °C, enquanto que os fungos foram subcultivados em ágar Sabouraud dextrose 48 h/30-35 °C.
Após a ativação, padronizou-se o inóculo, que consistiu na preparação de uma suspensão bacteriana em salina, com turvação similar ao tubo 0,5 da Escala Mac Farland (1 x 108 UFC/mL). A seguir, esta suspensão foi diluída a 1:100 (1 x 107 UFC/mL) em salina estéril, e volumes de 10 μL foram então transferidos para as cavidades de uma placa de microtitulação, contendo 200 μL do caldo Muller-Hinton acrescido de diferentes concentrações da fração sesquiterpênica/substância isolada, resultando num inóculo ? nal de 2 x 105 a 5 x 105 UFC/mL. As placas com patógenos bacterianos foram incubadas a 37 °C/24 h. A suspensão de microrganismos leveduriformes foi preparada de modo similar. Após a padronização da turvação (equivalente ao tubo 0,5 da escala Mac Farland), foram preparadas diluições sucessivas de 1:50 e 1:20 no caldo RPMI 1640 tamponado. As placas foram incubadas a 35 °C/48 h.
As concentrações inibitórias mínimas (CIMs) foram de? nidas como a menor concentração capaz de inibir completamente o crescimento microbiano.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caracterização cromatográ? ca das frações 1-30 por CG-EM indicou serem estas compostas por uma mistura de 11 substâncias majoritárias, todos hidrocarbonetos de estrutura sesquiterpênica, com massa molecular variando entre 202 e 204 u.m.a. O germacreno D, identi? cado por comparação de seus dados espectroscópicos com a literatura (Steliopoulos et al., 2002), aparecia na percentagem de 14%. Portanto, as frações 1-30 são formadas basicamente de compostos que, com freqüência, aparecem como constituintes dos óleos voláteis de diferentes espécies vegetais. A atividade antimicrobiana dos óleos e de alguns de seus componentes já está bem estabelecida. Estes freqüentemente apresentam a propriedade de inibir o crescimento de bactérias e fungos, uma vez que servem de defesa contra o ataque de microrganismos nos vegetais (Magwa et al., 2006; Skocibušic et al., 2006). A literatura também traz estudos que evidenciam a atividade antimicrobiana de óleos essenciais de espécies de Senecio (Pérez et al., 1999; Francescato et al., 2006; Murari et al., 2006).
Os resultados dos testes para a avaliação da atividade antimicrobiana encontram-se na tabela 1.
Tabela 1. Atividade antimicrobiana da fração sesquiterpênica, do germacreno D e do extrato diclorometânico bruto de Senecio desiderabilis.
A comparação dos resultados para a fração sesquiterpênica com os dados correspondentes para o extrato diclorometânico evidenciam um aumento inespecí? co da atividade antimicrobiana, já que a fração apresentou uma maior atividade frente a uma levedura (C. albicans), uma bactéria Gram-positiva (M. luteus) e um bacilo Gram-negativo (E. coli). Estes resultados indicam uma possível concentração das substâncias ativas na fração sesquiterpênica, frente a estes microrganismos. Os dados obtidos estão de acordo com os relatos encontrados na literatura, que descrevem a atividade antimicrobiana de várias misturas de sesquiterpenóides contra diferentes microrganimos (Burt, 2004, Pérez et al., 1999, Skocibušic et al., 2006.). Também é possível que uma ou mais substâncias ativas tenham sua atividade antagonizada no extrato bruto. Os resultados indicam uma maior atividade da fração sesquiterpênica sobre microrganismos Gram-positivos, em comparação com Gram-negativos e con? rmam as informações contidas na literatura (Burt, 2004). Segundo Holley & Patel (2005), a membrana dual apresentada pelas bactérias Gram-negativas forma um envelope complexo e parece oferecer proteção, sendo considerada responsável pela menor suscetibilidade destes microrganismos frente aos óleos essenciais. Curiosamente a fração sesquiterpênica não inibiu o crecimento S. cerevisiae, ao contrário do que foi observado para o extrato diclorometânico desta espécie (Deuschle et al., 2006), o que indica que a(s) substância(s) responsável(eis) por esta atividade não está(ão) presente(s) nesta fração. É possível que esta atividade seja devido à presença de alcalóides pirrolizidínicos, constituintes comuns em espécies de Senecio, cuja atividade antifúngica pode ser explicada pela lesão do DNA (Prakash et al., 1999).
De acordo com Burt (2004), os óleos essenciais compreendem um grande número de componentes e seu modo de ação envolve vários alvos na célula bacteriana. A maioria dos autores consideram a lipo? lia de seus constituintes como a propriedade que explicaria a atividade antimicrobiana, característica que permitiria a partição destes compostos nos lipídeos da membrana celular e da mitocôndria, aumentando sua permeabilidade e levando ao extravazamento do conteúdo celular (Cowan, 1999). No entanto, este parece não ser o único mecanismo envolvido na atividade antimicrobiana dos óleos essenciais, uma vez que o germacreno D, por ser um hidrocarboneto, apresenta características lipofílicas acentuadas e não inibiu o crescimento microbiano até a concentração de 5000 μg/mL.
Segundo outros autores, componentes dos óleos essenciais também podem agir sobre proteínas celulares localizadas nas membranas citoplasmáticas, entre elas as ATPases, através de sua acumulação na dupla camada lipídica e conseqüente destruição da interação lipídeoproteína. Alternativamente, é possível uma interação direta de compostos lipofílicos com porções hidrofóbicas das proteínas (Juven et al., 1994; Sikkema et al., 1995). Entretanto, devido ao grande número de diferentes grupos químicos presentes nos óleos essenciais, é provável que sua atividade antimicrobiana não possa ser atribuída a um mecanismo de ação especí? co (Skandamis; Nychas, 2001; Carson et al., 2002).
AGRADECIMENTOS
Ao botânico Marcos Sobral, pela localização, identi? cação e coleta do material vegetal. Ao CNPq pelo apoio ? nanceiro.
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