O milho é um dos produtos alimentares que apresenta alta predisposição à contaminação por micotoxinas produzidas, especialmente, pelos fungos Aspergillus, Fusarium e Penicillium. A presença de micotoxinas nos alimentos pode provocar intoxicações severas tanto no homem quanto nos animais. Além disso, causam perdas econômicas importantes, seja pela diminuição da performance dos animais ou rejeição de produtos nos mercados, por apresentarem teores de micotoxinas superiores aos limites de tolerância.
Fungos do gênero Fusarium são comuns no solo e produzem micotoxinas da classe dos tricothecenos, fumonisinas e zearalenonas. As micotoxinas também são contaminantes naturais dos cereais, sendo normal encontrá-las em pequenas concentrações. A contaminação pode acontecer no campo, antes da colheita, ou durante a estocagem. Em razão da estabilidade da maioria das micotoxinas, estes contaminantes podem ser encontrados nos produtos alimentares mais elaborados, sendo que, as principais fontes de absorção por via alimentar são produtos a base de cereais, em particular o trigo e o milho.
A intensidade de contaminação de grãos depende de varios fatores, dos quais, notadamente, o clima é preponderante. Entretanto, existem outros fatores que são também importantes para o desenvolvimento do fungo e que podemos manejar de forma a desfavorecer a infestação. Dentre estes, podemos considerar os resíduos culturais, que têm uma importância particular por servirem de substrato para o fungo; a escolha de variedades resistentes; as condições e data da colheita, que, quanto mais tardia, mais elevados serão os teores de micotoxinas; a presença de insetos-pragas nas espigas e o tratamento com fungicidas.
A micotoxina deoxynivalenol, do grupo dos tricothecenos, é uma das menos tóxicas, mas é uma das mais importantes em termos de exposição humana, tornando-se perigosa para a saúde de pessoas e de animais. A ingestão pelos animais, especialmente os suínos que são mais sensiveis, pode causar vários problemas. Segundo Gutzwiller et al. (2005), a contaminação da ração de suínos com 1000 ppb de deoxynivalenol pode reduzir o consumo, levar a uma tendência ao canibalismo, provocar vômitos e deficiências do sistema imunológico, além de diminuir a fertilidade dos animais.
As fumonisinas são micotoxinas sintetizadas principalmente por Fusarium moniliforme, fungo cosmopolita, encontrado nas regiões quentes e úmidas, temperadas e subtropicais. Ele parasita principalmente o milho, mas também o sorgo, o arroz, o milheto, a cana-de-açúcar e o feijão (Hamerurt Fortineau, 1988). Pode ser encontrado igualmente em estado saprofítico nos resíduos vegetais do solo, onde pode sobreviver 12 meses em temperaturas entre 5 e 10 ºC, e umidade entre 5 e 35% (Dupuy, 1994). As fumonisinas foram caracterizadas e divididas em 16 tipos: Fumonisina B1, B2, B3, B4, A1, A2, A3, AK1, C1, C3, C4, P1, P2, P3, PH1A e PH1B (AH-SEO e WON LEE, 1999). A FB1, FB2 e FB3 ocorrem como contaminantes naturais em milho, contrastando com os análogos derivados, que não têm sido naturalmente detectados. A FB1 é considerada a mais tóxica e abundante, compreendendo de 70 a 80% das fumonisinas totais (Rheeder, 2002). Em animais, ela provoca efeitos variáveis, mas, duas formas de evolução fatal são particularmente caracterizadas: Edema pulmonar em suínos e a leucoencephalomalacia eqüina. Em ratos, ela provoca hepatocarcinogenese. Em homens, a presença de fumonisinas na alimentação pode favorecer o surgimento de cânceres do esôfago e a formação de placas de aterosclerose.
A melhor maneira de evitar a presença das micotoxinas é prevenir sua formação, neste sentido, a adoção de práticas culturais que evitem o desenvolvimento do fungo é de extrema importância. Entretanto, existem situações em que o desenvolvimento do fungo é inevitável e o controle das micotoxinas formadas se torna necessário, apesar dos procedimentos de eliminação de microrganismos serem, na maioria, ineficazes. Mendes et al. (2005) verificaram que o beneficiamento de grãos de trigo, pela eliminação dos grãos mais leves, diminuiu consideravelmente os teores de deoxynivalenol.
A presença de fungos pode afetar as características naturais dos grãos. Aqueles infestados por Fusarium são geralmente deformados e apresentam menor densidade, podendo conter micotoxinas (Wang, 1997; Paulitz, 1999). Assim, espera-se obter melhor qualidade sanitária de um lote pela eliminação desse tipo de grão. Existem várias tecnologias que podem ser utilizadas para separar grãos por diferença de densidade, entre elas o uso da mesa gravitacional, que é um equipamento muito utilizado em estações de sementes. Neste contexto, o objetivo desse trabalho foi verificar o efeito do beneficiamento, em mesa gravitacional, na qualidade sanitária final de grãos de milho. O estudo foi realizado pelo ARVALIS – Intitut du Végétal, em colaboração com a Sociedade Westrup.
Os ensaios foram conduzidos no laboratório da Sociedade Westrup, em Notre- Dame-D'oé (37) – França, no período de 01/03/06 à 30/06/06, que dispunha de uma máquina de ar, peneiras e uma mesa gravitacional. Em 25 de março de 2006 um lote de milho foi selecionado e previamente homogeneizado. A partir deste, foram retiradas três amostras de 30 kg cada, perfazendo as três repetições. A divisão das amostras foi feita com ajuda de um divisor de grãos. De cada amostra foi retirada uma sub-amostra para posterior análise micotoxicológica.
As três amostras de 30 kg foram submetidas à passagem pela mesa gravitacional, na qual dispunha de cinco saídas: na primeira se concentravam os grãos menos densos e na última os grãos mais densos. Todas as regulagens foram previamente fixadas. Após a limpeza dos grãos, foram coletadas amostras de 1 kg de cada saída para posterior avaliação.
As características mensuradas foram: peso de mil grãos (PMG), feita pela contagem direta de 1000 grãos inteiros; peso por hectolitro (phl) e porcentagem de água (u%). A concentração de micotoxinas foi determinada pelo laboratório CRCB Eurofins através do método de cromatografia em fase gasosa.
De posse dos resultados preliminares do primeiro ensaio, um segundo experimento foi realizado, utilizando-se dois lotes com diferentes concentrações iniciais em micotoxinas, como mostrado na Tabela 1. Três amostras de 20 kg de cada lote foram submetidas previamente à passagem pela máquina de ar e peneiras e em seguida pela mesa gravitacional, perfazendo, dessa maneira, três repetições. Todas as regulagens foram previamente fixadas. As características avaliadas foram: peso de mil grãos e peso por hectolitro. Para avaliar o teor de micotoxinas as três repetições de cada tratamento foram reunidas e homogeneizadas para constituir uma amostra composta, para cada tratamento.
Tabela 1 – Teores de micotoxinas (ppb) para os dois lotes de milho analisados
Como pode ser observado na Tabela 2, a mesa gravitacional não separou os grãos por diferença de densidade, pois os valores de peso por hectolitro das amostras das diferentes saídas não apresentaram diferença estatística pelo teste F. Entretanto, observa-se uma separação visual de grãos quebrados (Figura 1), onde, na primeira saída da mesa gravitacional, concentrou a maioria desse tipo de grãos. Resultados semelhantes foram obtidos por Carvalho et al. (1993) que, estudando o efeito da limpeza na qualidade sanitária de sementes de milho, não encontraram diferença significativa de densidade de sementes nas diferentes saídas da mesa gravitacional. A variável peso por hectolitro, que foi utilizada como medida de densidade, pode não ser a mais adequada, se considerarmos que os grãos quebrados preenchem melhor o espaço do hectolitro (Figura 1).
Em relação ao peso de mil grãos, pode-se observar um gradiente crescente nas diferentes saídas da mesa gravitacional, havendo diferença estatística, a 5% de probabilidade, pelo teste F (Tabela 2).
Tabela 2 – Peso por hectolitro, peso de mil grãos e teor em deoxynivalenol das amostras de milho antes da limpeza e depois da passagem na mesa gravitacional, HTC – ARVALIS, 2006
A concentração em deoxinevalenol foi mais forte na primeira saída (951ppb) e mais fraca na saída 5 (558ppb), uma diminuição de 40%, mas, em relação a amostra inicial não houve diferença. A correlação entre concentração de deoxinevalenol e peso de grãos de milho foi alta e negativa, com estimativa de -0,93, podendo-se observar essa tendência no Gráfico 1.
Mendes et al. (2005) conduziram estudos similares para trigo, e encontraram correlação de -0,98 entre a concentração de deoxinevalenol e o peso por hectolitro. Em trigo, os grãos mais leves (ardidos) foram responsáveis pela maior concentração dessa micotoxina num lote contaminado.
Figura 1- Amostras de grãos coletadas da mesa gravitacional: saída 1 (esquerda) e saída 5 (direita)
Gráfico 1- Concentração de deoxinevalenol, em ppb, em função do peso de 1000 grãos, em g.
No segundo experimento, realizou-se uma pré-limpeza a fim de eliminar os grãos quebrados e a poeira dos lotes contaminados antes de submetê-los à mesa gravitacional. Isso refletiu nos resultados do peso por hectolitro e houve um gradiente crescente na densidade dos grãos de acordo com as saídas da mesa gravitacional (Tabela 3).
Não houve relação entre o peso de hectolitro e o teor em deoxinevalenol, como observado para o trigo, por Mendes et al. (2006). Os teores de deoxinevalenol não diminuíram com processo de limpeza para ambos os lotes avaliados (Tabela 3). Aparentemente esse tipo de micotoxina não se concentra nos grãos mais leves, como observado para o trigo.
Tabela 3- Valores de peso de hectolitro (phl), teor de deoxynivalenol e fumonisinas , em ppb, antes do beneficiamento, apos a pré-limpeza e à cada saída da mesa gravitacional
Resultados diferentes foram observados para o teor de fumonisina. O teor dessa micotoxina reduziu notadamente à medida em que o peso específico aumentou (Tabela 3). Mas, por que, ao contrário do deoxynivalenol, a presença de fumonisinas é associada ao peso específico, sendo a limpeza, mais eficaz? Uma explicação possível é a forma de desenvolvimento do fungo Fusarium moniliforme, responsável pela produção de fumonisinas. Segundo Munkvold (1997), esse fungo coloniza o milho pelas rachaduras nos grãos ou pela presença de insetos praga na espiga. Dessa maneira, os grãos se tornam mais leves. Já o Fusarium graminium, responsável pela produção de deoxynivalenol, se desenvolve sobre a periferia dos grãos.
As saídas 2, 3, 4 e 5 da mesa gravitacional permitiram recuperar cerca de 80% dos grãos de cada lote (Figura 2), com um teor em fumonisinas abaixo de 2000 ppb. Esses resultados refletem o efeito positivo da limpeza dos grãos a fim de diminuir o teor em fumonisina.
Figura 2 – Rendimento de milho à cada saída da mesa gravitacional
Foi possível concluir que os grãos de milho contaminados com deoxynivalenol não apresentam características físicas que os diferenciam dos demais, sendo a separação dos grãos por diferença de densidade um processo ineficiente. No entanto, para fumonisinas, o processo de limpeza dos grãos utilizando mesa gravitacional foi eficaz em reduzir a concentração dessa micotoxina.
Referências Bibliográficas
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