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O Risco das Micotoxinas

Publicado: 19 de abril de 2006
Por: Paulo Campos Christo Fernandes (D.Sc.) Embrapa Amazônia Oriental; Andrea Malaguido (M.Sc.); Almir Vieira Silva (D.Sc.) UFRA .
As micotoxinas são produtos normais do metabolismo de determinados tipos de fungos. A contaminação de alimentos por fungos tóxicos não é um fenômeno recente. Na Idade Média, a contaminação do centeio causou a doença conhecida como “fogo de Santo Antônio” ou ergotismo. Os estudos quanto à toxicidade das micotoxinas iniciaram-se após o surto de aflatoxicose ocorrido na Inglaterra em 1960, ocasionando a morte de milhares de perus. Os EUA estabeleceram limites para as aflatoxinas desde 1965. Nos últimos anos, grandes avanços aconteceram nesse sentido, porém muitos aspectos ainda necessitam ser elucidados.
 
Fatores de risco
Os grãos armazenados devem conter baixos teores de umidade para prevenir o desenvolvimento fúngico. No entanto, os padrões meteorológicos mundiais são irregulares, com áreas apresentando altos índices de precipitação pluviométrica, seca ou geada. O estresse provocado pela seca pode elevar a penetração de fungos nos grãos. Alguns países tropicais e semitropicais têm reportado com freqüência a contaminação por Fusarium, onde anteriormente só eram detectadas aflatoxinas. Isto, provavelmente, é o resultado da maior freqüência de testes para detecção desses compostos, que eram erroneamente considerados inexistentes.

Os padrões de qualidade dos grãos comumente utilizados podem variar muito conforme as condições climáticas e manejo dos grãos. A Tabela 1 apresenta um levantamento realizado durante três anos em uma empresa privada no Brasil. O percentual de grãos apresentando algum tipo de problema foi acima de 15%, predispondo ao crescimento fúngico. Esses dados mostram como os produtores estão susceptíveis a surtos de intoxicação por micotoxinas.

Tabela 1 – Avaliação de amostras de milho no período de três anos consecutivos
    Umidade Impureza Ardidos e/ou brotados Avariados e/ou carunchados Normais
             
  Média (%) 12,81 3,39 5,46 8,15 83,01
  s.d. 1,24 3,41 5,61 4,35 8,55
  CV (%) 9,66 100,83 102,80 53,39 10,30
1999 Mínimo 9,10 0 0,10 1,60 48,30
  Máximo 16,80 30,30 32,10 40,80 97,10
  n 271 265 265 265 265
             
  Média (%) 12,99 3,04 8,73 9,07 79,32
  s.d. 0,84 2,83 6,50 4,23 9,53
  CV (%) 6,43 93,09 74,54 47,15 12,02
2000 Mínimo 9,40 0,20 0,60 0,80 39,60
  Máximo 14,50 33,50 50,3 30,0 94,60
  n 325 341 322 322 341
             
  Média (%) 13,83 3,48 4,00 7,21 85,31
  s.d. 1,64 3,11 4,38 3,04 6,97
  CV (%) 11,88 89,42 109,48 42,22 8,17
2001 Mínimo 11,30 0 0,10 1,30 45,10
  Máximo 33,90 41,00 40,60 32,00 96,10
  n 275 341 341 341 341
             
  Padrão          
  Mínimo         87,50
  Máximo 14,5 1,50 3,0 8  

s.d. = desvio padrão
CV = coeficiente de variação
n = número de amostras

Fonte: Biagi et al.(2002)
A Tabela 2 mostra alguns dados dos Estados Unidos sobre a ocorrência de micotoxinas. O número elevado de amostras analisadas dá sustentação aos resultados, provando a alta incidência de micotoxinas nas matérias-primas em geral.
Estima-se que cerca de 25% das culturas são afetadas por micotoxinas anualmente no mundo (CAST, 1989). Dados de laboratório obtidos no Brasil demonstraram que 46,78% das amostras de milho e 40,64% das rações analisadas continham aflatoxinas (LAMIC apud Regina, 2002). Considerando esses números, os dados são alarmantes, tornando-se necessário tomar providências para reduzir os riscos aos sistemas de produção.

Tabela 2 – Ocorrência de micotoxinas no milho e em outras matérias-primas na Carolina do Norte (USA) no período de 9 anos
Amostra n % Média ± s.d.
  Aflatoxina (>10ppb)
Milho (grão) 231 9 170 ± 606
Outros 1.617 7 91 ± 320
  DON (> 50 ppb)
Milho (grão) 362 70 1.504 ± 2.550
Outros 2.472 58 1.739 ± 10.880
  ZEN (>70 ppb)
Milho (grão) 219 11 206 ± 175
Outros 1.769 18 445 ± 669
  Toxina T-2 (>50 ppb)
Milho (grão) 353 6 569 ± 690
Outros 2.243 7 482 ± 898

s.d. = desvio padrão
n = número de amostras

Fonte: Whitlow & Hagler Jr. (2002)


Sinergia entre as micotoxinas
O entendimento do efeito sinérgico das micotoxinas sobre a produção animal é um vasto campo de estudos, que apresenta grande potencial de desenvolvimento nos próximos anos. A ação sinérgica entre as micotoxinas pode aumentar a toxicidade destas para os animais, portanto análises incompletas podem ocasionar a falsa sensação de segurança quanto aos riscos de uma intoxicação crônica.
A intensificação do comércio de grãos tem proporcionado novas situações de sinergia entre as diversas micotoxinas. Atualmente, as rações são produzidas a partir de uma mistura de diversos ingredientes de origem geográfica distinta, com processamento e armazenamento desuniformes. Isso aumenta as possibilidades de combinações entre toxinas de diferentes partes do mundo na mesma ração.
Muitas diferentes toxinas podem estar presentes simultaneamente na ração, tornando os testes de diagnóstico muito dispendiosos. As espécies de fungos coexistem no mesmo ambiente. O efeito das toxinas é sinérgico e as combinações têm maior impacto que as toxinas isoladamente. Por isso, níveis aparentemente baixos de toxinas individuais tornam-se importantes quando combinados.
Origem das micotoxinas
Os principais fungos e micotoxinas encontrados em alimentos estão descritos na Tabela 3. Alguns fatores predisponentes facilitam a colonização fúngica do alimento, tais como condições inadequadas de armazenamento, falta de resistência genética da planta e manejo na colheita.
Muitas vezes, o milho já chega contaminado para ser armazenado. Isso pode acontecer quando a colheita coincide com altos índices de precipitação pluviométrica ou quando o milho permanece na lavoura após o estágio ideal de colheita. A abertura física, resultante do ataque de insetos ou de danos causados durante a colheita mecânica, favorece a penetração do fungo.
Genótipos de milho com alto teor de ácido linoleico como ácido graxo principal e com presença da enzima lipoxigenase apresentam maior resistência ao ataque fúngico no período pré-colheita, com conseqüente menor produção de grãos ardidos na colheita. As silagens estão propensas ao crescimento fúngico quando a fermentação é incompleta ou quando ocorrer entrada de ar no silo.

Tabela 3 - Principais fungos e micotoxinas encontrados nos alimentos
Alimento Fungo Micotoxina
     
Milho, trigo, cevada, arroz, sorgo, soja, algodão, mandioca Aspergillus flavus, A. parasiticus, A. nomius Aflatoxinas B1, B2, G1, G2
     
Leite   Aflatoxina M1, M2
     
Milho, trigo, cevada Penicillium viridicatum Ocratoxinas, citrinina
     
Aveia, trigo, cevada Claviceps purpurea Ergot
     
Milho, trigo, cevada, sorgo, mandioca, rações Fusarium graminearum Tricotecenos: deoxinivalenol (DON), diacetoxiscirpenol, diacetilnivalenol, nivalenol, toxina T-2, zearalenona,
     
  Fusarium moniliforme Fumonisina B1, B2

Lesões provocadas pelas micotoxinas
Os efeitos biológicos decorrentes da ação das micotoxinas estão relacionados a aspectos como dosagem, duração da exposição e combinação entre as toxinas.
As micotoxinas afetam o fígado e seu complexo sistema enzimático de várias formas, porém outros órgãos também são lesados (Tabela 4 e 5). Animais de alto desempenho produtivo e reprodutivo são mais predispostos a distúrbios decorrentes de micotoxinas, pois apresentam maior demanda metabólica.
Algumas toxinas de Fusarium, tais como a zearalenona e os tricotecenos, são encontradas em grãos de cereais e são responsáveis por grande parte das micotoxicoses no mundo. A zearalenona freqüentemente ocorre em combinação com tricotecenos nos grãos de cereais. Entre os sintomas da intoxicação por zearalenona estão o edema de vulva e glândula mamária e problemas reprodutivos. O efeito estrogênico da zearalenona é mediado pela ligação da micotoxina ao receptor citoplasmático de estrógeno.

Tabela 4 – Classificação das micotoxinas de acordo com os principais órgãos e sistemas afetados
Hepatotoxinas (toxinas do fígado)
  Sporodesmina
  Aflatoxinas
  Luteosquirina
  Cicloclorotina
  Rubratoxinas
Nefrotoxinas (toxinas do rim)
  Ocratoxina
  Citrinina
Neurotoxinas (toxinas do sitema nervoso)
  Penitrema
  Patulina
  Citreoviridina
  Miscelânea de neurotoxinas
Citotoxinas (toxinas das células no trato alimentar)
  Tricotecenos
  Toxina T-2
  Diacetoxiscirpenol
  Neosolaniol
  Nivalenol
  Diacetilnivalenol
  Dioxinivalenol (DON, Vomitoxina)
  Toxina HT2
  Fusarenona X
Micotoxinas estrogênicas (efeito semelhante a hormônios)
  Toxina F-2 (Zearalenona)
Outras micotoxinas
  Ergotoxina
  Festucocicose
  Lupunose
 
Tabela 5 – Efeitos clínicos das micotoxinas em suínos
Toxina
Nível tóxico
Principais sinais clínicos
Aflatoxina
> 300 ppb
Redução no crescimento, lesão hepática, imunossupressão, icterícia
Zearalenona
> 1 ppm
Infertilidade, anestro, mortalidade embrionária, prolapso retal, alteração na qualidade do sêmen
Tricotecenos
(T2, DAS, DON)
> 1 ppm
Vômito, inapetência, imunossupressão
Ocratoxina e citrinina
> 200 ppb
Redução no crescimento, desão no fígado e rim
Fumonisina
> 20 ppm
Redução no crescimento e consumo, problemas respiratórios, edema pulmonar
Ergotoxina
0, 1 – 1%
Redução no consumo, agalaxia em animais lactantes, mortalidade de leitões

Diagnóstico
A metodologia analítica para detecção de aflatoxinas em rações é simples, sensível e reprodutível. Isso se deve, em parte, à fluorescência natural de suas moléculas. Embora as micotoxinas produzidas por Fusarium apresentem grande impacto econômico nos grãos, elas são formadas por misturas complexas de compostos quimicamente não relacionados, o que retarda o progresso dos estudos dessas toxinas. Com exceção das aflatoxinas, o procedimento laboratorial de detecção de micotoxinas apresenta algumas dificuldades analíticas.
A precisão na detecção de qualquer contaminante nas rações ou ingredientes não depende unicamente do método analítico utilizado. O plano de amostragem e as etapas de preparação da amostra são componentes críticos no diagnóstico e raramente são adotados na prática. A distribuição de micotoxinas em ingredientes armazenados a granel é irregular, portanto apresenta formação heterogênea nos materiais armazenados. Mesmo havendo um pequeno número de partículas contaminadas, o nível de contaminação pode ser extremamente alto e a amostragem constitui a principal fonte de erros na análise de micotoxinas.
O tipo de preparo da amostra no laboratório requer cuidados especiais. Isto se torna especialmente importante quando vários laboratórios trabalham em conjunto, quando o cliente procura obter uma segunda opinião sobre resultados fornecidos por um laboratório ou em avaliações envolvendo comércio internacional e qualidade de produtos.
Obviamente, os erros de amostragem não podem ser compensados pelo laboratório, tornando as análises quantitativas mais avançadas em meros indicadores qualitativos da presença de micotoxinas. Resultados negativos podem dar uma falsa sensação de segurança ao produtor. Contudo, a implementação de planos rigorosos de amostragem pode ser inviável em condições práticas.
Os fungos vistos a olho nu ou a contagem de esporos não apresentam valor diagnóstico. Além disso, as análises laboratoriais para determinação da maioria das micotoxinas são demoradas, de alto custo e realizadas por poucos laboratórios. O procedimento analítico não pode ser realizado em todos os silos, inviabilizando o controle rígido da ração produzida. O monitoramento da matéria-prima deve ser feito regularmente, tendo um caráter qualitativo e não quantitativo (Tabela 6), dada a heterogeneidade da distribuição fúngica no silo.
Tabela 6 – Níveis máximos de micotoxinas em ingredientes para animais segundo o FDA.
Toxina
Nível
Espécie
 
 
 
 
Aflatoxina (ppb)
20
 
Bovinos de leite, suínos jovens, frangos de corte
 
100
 
Animais reprodutores
 
200
 
Suínos em terminação
 
300
 
Bovinos de corte
 
 
 
 
Vomitoxina (ppm)
5
 
Suínos
 
10
 
Bovinos, frangos de corte
 
 
 
 
Fumonisina (ppm)
5
 
Eqüinos
 
10
 
Suínos
 
50
 
Bovinos de corte, frangos de corte
 
Prevenção contra as micotoxinas

Uma das medidas de prevenção contra as micotoxinas é o plantio de cultivares de grãos que possuam maior resistência à contaminação fúngica no período pré-colheita. O tratamento do milho antes do armazenamento é uma solução viável para prevenir o crescimento fúngico pós-colheita. Várias substâncias químicas podem ser empregadas, porém os ácidos orgânicos são as substâncias mais comumente utilizadas. Além da conservação e prevenção de crescimento fúngico, o uso de tais substâncias permite armazenar os grãos com maiores teores de umidade, otimizando o uso do secador e permitindo a aquisição do milho no período da colheita com melhores preços.
Após a colonização pelos fungos, vários métodos podem ser utilizados para eliminar os contaminantes dos grãos, tais como a remoção física dos grãos ardidos, o uso de solventes e o processamento físico etc. Contudo, muitos desses métodos são inviáveis economicamente.
Uma vez que não existem maneiras práticas de eliminar totalmente as micotoxinas e não existem substâncias químicas viáveis para inativá-las sem prejuízo à ração, o uso de produtos adsorventes torna-se a melhor alternativa para evitar os efeitos das micotoxinas em rações contaminadas.

Um adsorvente de micotoxinas ideal necessita apresentar as seguintes características:Eficácia em baixas taxas de inclusão;
  • Mistura rápida e uniforme na fábrica de ração;
  • Estabilidade no processamento da ração e armazenamento;
  • Adsorção seletiva para micotoxinas, não interferindo em outros nutrientes e drogas;
  • Adsorção estável e duradoura;
  • Adsorção de um amplo espectro de micotoxinas;
  • Eficácia em diferentes valores de pH;
  • Biodegradabilidade e segurança ao meio ambiente;
  • Efeitos adicionais benéficos aos animais.
Considerações Finais

Em situações onde a amostragem representativa da partida for muito difícil, o produtor poderá escolher não depender de um resultado analítico que, na melhor das hipóteses, será questionável. Dependendo do tipo de material, condições de colheita ou armazenagem, da origem geográfica e das condições climáticas, pode-se supor que exista alta probabilidade deste material conter micotoxinas e algumas medidas podem ser tomadas para minimizar seu impacto. O uso de adsorventes de micotoxinas, o tratamento dos grãos com antifúngicos, a secagem adequada dos ingredientes e o monitoramento laboratorial periódico são medidas eficazes na prevenção das toxinas fúngicas.
Quando se chega a um diagnóstico final de um surto de micotoxinas, é muito comum que as perdas econômicas sejam irreversíveis e que o alimento contaminado já tenha sido totalmente consumido. A recuperação dos animais acontece a longo prazo e vai depender de um trabalho de prevenção para que novos surtos não aconteçam. Teoricamente, a responsabilidade pela qualidade da ração é do seu fabricante, independente do fato da matéria-prima adquirida de terceiros estar contaminada. O uso de adsorventes de micotoxinas representa uma segurança adicional para o fabricante de rações que deseja prevenir-se de eventuais problemas na qualidade de seus produtos.

Referências Bibliográficas
BIAGI, J.D., CARNEIRO, M.C. Armazenamento de cereais. In: SIMPÓSIO SOBRE INGREDIENTES NA ALIMENTAÇÃO ANIMAL, 2, 2002, Uberlândia, MG, Brasil. Anais…Campinas: CBNA. 2002, p.117-132.
CAST (Council for Agricultural Science & Technology). 2003. Mycotoxins: risks in plant, animal, human systems. Task force report No. 139. Ames, Iowa.
LEITAO, J., BAILLY, J.R., SAINT BLANQUAT. Determination of mycotoxins in grains and related products. In: NOLLET, M.L. (ed.) Food analysis by HPLC. 1992. p.387-420.
REGINA, R., SOLFERINI, O. Produção de cultivares de ingredientes de alto valor nutricional: características e benefícios. In: SIMPÓSIO SOBRE INGREDIENTES NA ALIMENTAÇÃO ANIMAL, 2, 2002, Uberlândia, MG, Brasil. Anais…Campinas: CBNA. 2002, p.105-116.
SEMPLE, R.L., FRIO, A.S. HICKS, P.A. et al. Mycotoxin prevention and control in foodgrains. 1989. FAO
WHITLOW, L.W., HAGLER Jr. W.M., Mycotoxins in feeds. Feedstuffs, (10) 68-78, 2002.
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