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Micotoxinas criação ruminantes

Micotoxinas na criação de ruminantes.

Publicado: 18 de abril de 2012
Por: Luiz Celso Hygino Da Cruz (MS, PhD) Prof. Emérito da UFRRJ e Prof. Titular da UNESA.
Introduçāo
Um país dotado de dimensōes continentais e elevada extensão de terras férteis e baratas, é claro que só poderia ter se tornado um país com uma pecuária predominantemente extensiva, com a maior parte de seu plantel bovino mantido em grandes pastagens. Com o crescimento exponencial da populaçāo humana mundial e a demanda crescente por alimentos haverá, em pouco tempo, mudanças radicais nos critérios de ocupaçāo das terras férteis para atender às exigências por mais alimentos numa contínua pressão sobre o setor pecuário. Para sobrevivência da pecuária será vital que os produtores busquem procedimentos alternativos para manter a produção em níveis elevados com a ocupação de menor extensão de terras e em melhores condições para produzir mais, melhor e mais barato. Continuar criando animais em extensas pastagens vai ser cada vez mais difícil porque, gradativamente, as terras férteis irão se tornar mais disputadas e muito mais caras. Num futuro próximo será necessário criar um maior número de animais em espaços cada vez menores. Sem qualquer sombra de dúvida, será um grande desafio para geneticistas, fisiologistas, nutricionistas e outros especialistas envolvidos na criaçāo de animais de produçāo. A maioria dos profissionais atualmente envolvidos deve concordar em pelo menos um aspecto, em relativamente pouco tempo, não será mais possível manter as nossas grandes criações extensivas de bovinos alimentadas somente com pastagens. Será indispensável introduzir em grande escala os sistemas de confinamento com alimentaçāo baseada em concentrados à base de grāos ou encontrar outra alternativa que seja mais criativa e eficiente.
Apropriadamente, o estômago dos ruminantes é denominado de fermentador anaeróbico porque em seu interior, uma população microbiana mista processa os alimentos (capim) ingeridos pelo animal e os transforma em uma mistura de pequenas moléculas que podem ser absorvidas e utilizadas em seus processos metabólicos.
Como já se sabe, ao se promover mudanças na composição da base alimentar dos ruminantes, poderá ocorrer uma mudança importante na fisiologia do rúmen. Esse órgāo foi concebido pela natureza para processar vegetais ricos em celulose utilizando uma diversificada populaçāo microbiana (bactérias e protozoários). Através de um complexo sistema metabólico microbiano, a celulose e outros componentes presentes nas plantas sāo biotransformados em nutrientes que são aproveitados pelo organismo animal para sintetizar os componentes químicos essenciais ao seu organismo. As bactérias são mais numerosas e participam de cerca de 80% dos processos de biotransformação que acontecem no estômago, os restantes 20% são realizados pelos protozoários.
Se parte fundamental da microbiota residente no estômago dos ruminantes é celulolítica, o que poderia acontecer se o animal deixasse de comer capim que é rico em celulose e passasse a ser alimentado com cereais que são ricos em carboidratos? A população microbiana residente no rúmen e retículo irá se manter inalterada ou será substituída por outra, parcial ou totalmente? Como ela irá se comportar? E se o se o animal for alimentado ao mesmo tempo com capim e raçāo, o que poderá acontecer ao animal se a raçāo contiver uma micotoxina?
Se a fisiologia da nutriçāo dos ruminantes é fundamentada na fisiologia dos microorganismos que vivem em seu rúmen e retículo, uma interferência na vida desses seres microscópicos poderá trazer consequências imprevisíveis para o desempenho produtivo do animal.
Os micoorganismos produzem ácidos graxos voláteis de cadeia curta (ác. acético: 60 a 70% + ác.propiônico: 15 a 20% e ác. butírico: 10 a 15%), além de dióxido de carbono, amônia e metano. Algumas bactérias no rúmen podem sintetizar componentes celulares nitrogenados a partir da amônia presente no fluido ruminal. Já os protozoários, são conhecidos por sua capacidade de englobarem bactérias e promoverem a sua destruição por lise para aproveitarem os seus componentes químicos como nutrientes, além de também utilizarem os componentes da dieta do animal para a obtenção de moléculas indispensáveis à biossíntese de seus próprios componentes orgânicos. Portanto, os protozoários, tanto podem se nutrir dos componentes da dieta fornecida ao animal, como também são capazes de utilizarem as bactérias que se desenvolvem no fluido ruminal como fonte de nutrientes.
Os protozoários do gênero Entodiniomorphos degradam alimentos fibrosos enquanto os do gênero Holotrichas degradam carboidratos. Os microorganismos que participam dos processos fermentativos no rúmen têm vida curta, mas a população microbiana viável se mantém quantitativamente estável, significando dizer que novas células vão surgindo enquanto um número equivalente morre. As que morrem, sofrem lise por ação da lisozima presente no abomaso com liberação de seus componentes químicos. Aqueles microorganismos que permanecem viáveis e acompanham o bolo alimentar que passa para o intestino, também morrem e liberam seus componentes celulares. Proteínas, lipídios, polissacarídios e vitaminas que são liberados das células microbianas lisadas serão, em seguida, metabolizados e aproveitados como nutrientes.
Micotoxinas e rúmen - Com exceção das aves e, em menor extensão dos suínos, nos quais os efeitos patogênicos das micotoxinas são estudados em experimentos realizados diretamente com eles, para os outros animais é mais comum fazer a extrapolação de resultados obtidos com animais de laboratório. É sabido que os efeitos das micotoxinas sobre os animais pode variar de acordo com a espécie, idade, sexo, estado fisiológico, forma de exposição, condições de criação, etc. Se, normalmente, a extrapolação de resultados deve ser feita com muito cuidado, quando se trata de ruminantes essa prática precisa considerar que a fisiologia de sua nutrição é bem diferente da de todos os outros animais. Possuindo um estômago compartimentalizado onde predomina o rúmen que é um grande fermentador anaeróbico, o aproveitamento dos alimentos vegetais é dependente da ação dos microorganismos ali residentes. Estes, ao degradarem os alimentos ingeridos, liberam ácidos graxos voláteis que são a principal fonte energética dos ruminantes. A introdução de qualquer fator que possa interferir na viabilidade desses microorganismos poderá refletir negativamente sobre o desempenho animal e, como se sabe, algumas micotoxinas são microbicidas ou microbiostáticas, ou seja, elas atuam como antibióticos impedindo o crescimento ou matando bactérias. Isto quer dizer que, além de produzirem os efeitos tóxicos sobre órgãos ou tecidos, observados em outras espécies animais, ainda há de se considerar os efeitos resultantes dos distúrbios provenientes da ação antimicrobiana e seus reflexos no desenvolvimento animal.
Ao analisar as interrelações entre micotoxinas e os microorganismos do rúmen, de imediato, deve-se considerar dois aspectos principais:
1. A capacidade de bactérias agirem sobre algumas micotoxinas, biotransformando-as em metabólitos desprovidos de toxicidade. Considera-se que os protozoários do rúmen têm capacidade mais acentuada de metabolizarem moléculas de micotoxinas do que as bactérias. Mas, por outro lado, os protozoários são mais sensíveis ao poder antimicrobiano que algumas micotoxinas possuem.
2. Que certos microorganismos residentes no rúmen são sensíveis a algumas das micotoxinas.
 
1. Degradação de micotoxinas no rúmen.
É amplamente reconhecido pelos profissionais da área de saúde animal que os ruminantes têm menor susceptibilidade à ação das micotoxinas do que os animais monogástricos como as aves e os suínos, por exemplo. Acredita-se que os ruminantes sejam menos susceptíveis aos efeitos danosos de algumas micotoxinas porque certos microorganismos residentes no rúmen teriam a capacidade de metabolizar e inativar micotoxinas. Ocorre, porém, que alguns dos metabólitos surgidos durante a metabolização de uma determinada micotoxina podem ter sua toxicidade igual ou superior ao da própria micotoxina que foi biotransformada. Há, também, aquelas micotoxinas que podem passar pelos compartimentos estomacais sem sofrerem qualquer alteração metabólica por parte dos microorganismos que fazem parte da microbiota residente.

OCRATOXINA (OTA.)
No rúmen, a Ocratoxina A tem a sua atividade tóxica quase totalmente reduzida ao ser hidrolisada, pela ação dos protozoários presentes no rúmen, em alfa-ocratoxina e fenilanina. Este processo é capaz de inativar uma concentração tão alta quanto 12 mg/Kg de alimentos. Entretanto, a capacidade inativadora, que é dependente dos protozoários, pode ser reduzida quando se promove alterações na dieta com a utilização de concentrados ricos em proteínas em substituição ao feno. Com uma dieta composta só de feno, o pH do fluido ruminal será neutro e irá se tornar, gradativamente, mais ácido na medida em que o feno for substituido por concentrado. Quanto mais ácido for o fluido ruminal, maior será o tempo necessário para a inativação da OTA.
TRICOTECENOS
Através da hidrólise ou da redução enzimática, os tricotecenos T-2 toxina, HT-2 toxina, deoxinivalenol (DON) e diacetoxiscirpenol (DAS) podem ser degradados de forma variável no rúmen.
DON é quase totalmente biotransformado pela microbiota ruminal em epoxi-deoxinivalenol (DOM-1) que é uma forma quase atóxica para os ruminantes.
TOXINA T-2 e DAS - A toxina T-2 é utilizada como fonte de energia por bactérias do rúmen (Anaerovibrio lipolytica, Butyrivibrio fibrisolvens e Selenomonas ruminantium) e, por isso, elas são inativadas. Os protozoários do rúmen que são os maiores degradadores das toxinas T-2 e DAS, podem reduzir em cerca de 90% os níveis destas micotoxinas no fluido ruminal.
DAS, através de reações de deacetilação, é transformada em MAS (monoacetoxiscirpenol) e cispenetriol e depois em de-epoxi MAS e de-epoxiscirpenetriol.
T-2 é convertida a HT-2 e NEO (neosolaniol), que possuem cerca de um décimo da atividade tóxica da micotoxina original.
Em todas as situações em que houver uma ação biotransformadora de um dos tricotecenos, o processo necessitará atingir a forma de de-epoxi para que a desativação da micotoxina seja completada. Se resíduos de qualquer um dos intermediários no processo persistir, ele poderá ser tão ou mais tóxico que a micotoxina original.
AFLATOXINAS.
Ao contrário de outras micotoxinas, as aflatoxinas passam pelo rúmen praticamente sem sofrerem qualquer alteração provocada pelos microorganismos residentes. Só uma pequena parcela, inferior a 10% do total de aflatoxina ingerida junto à dieta, pode ser biotransformada em aflatoxicol. Além de ser mínimo o percentual de biotransformação microbiana das aflatoxinas, o subproduto gerado, o aflatoxicol, ainda mantém o mesmo poder tóxico da molécula original de aflatoxina. Sendo assim, não há qualquer mecanismo de bioproteção por parte da microbiota ruminal em relação às aflatoxinas. Grande parte das aflatoxinas ingeridas passará junto com o bolo alimentar para o intestino, onde serão absorvidas por difusão passiva.
ZEARALENONA.

Microorganismos do rúmen, especialmente, os protozoários, promovem a conversão de cerca de 90% do total de Zearalenona em alfa-zearalenol e em uma pequena proporção de beta-zearalenol. Apesar do zearalenol ser considerado ter um poder estrogênico maior que o da zearalenona, seu efeito tóxico, entretanto, é menor porque, além de ser menos absorvido, ele será, em grande parte, convertido a beta-zearalenol no fígado. O beta-zearalenol apresenta atividade tóxica sobre as células endometriais, mas sua afinidade para os resceptores estrogênicos é muito pequena.
No rúmen, tanto a zearalenona quanto o alfa-zearalenol, podem ser convertidos por hidrogenação a um composto denominado de zeranol, um hormônio estrogênico, utilizado pelos criadores de gado de corte como estimulantes do crescimento.
FUMONISINAS.
As poucas informações disponíveis na literatura indicam que a Fumonisina B1 passa pelo rúmen praticamente sem sofrer qualquer alteração provocada pela microbiota residente.
2. Ação inibitória das micotoxinas sobre a microbiota do rúmen.
A Micotoxicologia registra vários exemplos de metabólitos secundários tóxicos para animais, elaborados por fungos, as micotoxinas, que também possuem atividade antimicrobiana. Essas substâncias, inicialmente consideradas como potenciais antibióticos, foram abandonadas pela indústria farmacêutica por também serem tóxicas aos animais. Naturalmente que a atividade antimicrobiana só será exercida nos ambientes em que ocorrer o contato ocasional entre a micotoxina e as populações microbianas. portanto, dependendo do acaso, esses efeitos antagônicos poderão se manifestar em diferentes nichos ecológicos.
Se, por exemplo, um estoque de milho contaminado por Aspergillus flavus for descartado no meio ambiente com o objetivo de ser misturado ao solo como adubo orgânico, se as aflatoxinas estiverem presentes no milho, elas poderiam atuar como antibióticos e impedir a ação de bactérias que puderiam competir com o fungo. Dessa maneira, livre do competidor bacteriano, a população fúngica poderia aumentar em proporções superiores à que seria normal na ausência da micotoxina e, na safra seguinte, seriam maiores as chances do milho ser colhido com uma carga maior de contaminantes fúngicos.
Outro exemplo em que se observa a interferência de micotoxinas sobre o comportamento de populações microbianas pode ser encontrado no rúmen dos bovinos. O processo fermentativo anaeróbio de biotransformação da matéria orgânica presente nas pastagens, em diversos compostos orgânicos indispensáveis ao metabolismo biossintético dos ruminantes, pode ser alterado pela introdução de micotoxinas junto com a dieta alimentar. Certas micotoxinas, por causa de suas propriedades antibióticas, podem modificar a composição populacional normal do rúmen e alterar as proporções das substâncias resultantes da fermentação microbiana. Como o metabolismo nutricional dos ruminantes é dependente da atividade metabólica dos microorganismos presentes no rúmen, a presença de substâncias antibióticas na dieta pode modificar a composição populacional do ecossistema microbiano ruminal e, dessa maneira, alterar as proporções dos subprodutos resultantes da digestão. Ao afetarem os microorganismos do ecossistema ruminal, substâncias antibióticas como algumas micotoxinas, provocam importantes alterações na composição dos componentes químicos normalmente resultantes da biotransformação da matéria vegetal digerida no rúmen. Como resultado dessa interferência, ocorrem significativas alterações nos perfís de ácidos graxos voláteis, além de uma influência negativa sobre a biossíntese de proteínas. Como consequência, haverá menor desempenho produtivo no plantel de bovinos, seja ele destinado à produção de carne ou de leite.

AFLATOXINAS.
Experimentos realizados tanto in vitro quanto in vivo visando esclarecer se as aflatoxinas exerceriam alguma atividade antibiótica sobre a microbiota ruminal, produziram resultados conflitantes. Alguns resultados demonstraram ter ocorrido redução tanto da atividade celulolítica quanto da proteolítica, além de alterações nas proporções dos ácidos graxos voláteis. Quando altas concentrações de aflatoxinas foram administradas, observou-se redução da proporção de acetato/propionato e também da quantidade total de ácidos graxos voláteis. Por outro lado, experimentos feitos de forma semelhante, não evidenciaram qualquer alteração na atividade microbiana ruminal.
PATULINA.
Patulina é uma micotoxina produzida por várias espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium e, também, por Byssochlamys nivea. Quimicamente, ela se caraterizada por apresentar em sua molécula um grupamento lactona hemiacetal. Trabalhos experimentais têm demonstrado que a patulina pode atuar de várias formas sobre o organismo animal. Ela é capaz de agir sobre a membrana celular e alterar sua permeabilidade e, também, pode inibir a atividade da ATPase e a respiração aeróbica, além de poder causar aberrações cromossômicas. Na inibição da ATPase, podem ocorrer transtornos no transporte de íons Na+ e K+ através da membrana celular em tecidos musculares e nervosos, reduzindo a produção de ATP. Além dos efeitos diretos sobre a fisiologia de células de animais, a patulina também pode afetar células microbianas. Esta micotoxina pode provocar significativa redução na atividade metabólica de microorganismos que compõem a microbiota do rúmen. Ao reduzir a atividade metabólica de microorganismos do rúmen ela irá interferir no processo fermentativo microbiano que se desenvolve nesta parte do estômago dos ruminantes. Por causa da ação antimicrobiana exercida pela patulina observa-se significativa redução na produção de ácido acético e na biossíntese de proteínas. Outra atuação importante da patulina em decorrência de sua ação sobre a fermentação ruminal é a redução da digestibilidade das fibras detergente neutra (FDN) e detergente ácida (FDA) minimizando a digestibilidade da matéria orgânica e do fluxo de proteína bruta e do nitrogênio.
Fontes (origens) das contaminações.
Não há exemplo de animais de produção em cujo processo de criação o homem tenha introduzido tantas variações de formas e critérios de fornecimento de nutrientes. Em princípio, através de um processo milenar de adaptação, os ruminantes desenvolveram a característica única de poder transformar alimentos pobres em nutrientes como são os capins, em nutrientes essenciais ao seu metabolismo energético e biossintético. Para poder criar esses animais em suas condições naturais, há necessidade de grandes extensões de terras férteis que são cada vez menos disponíveis e cada vez mais caras. No futuro, a viabilização da bovinocultura, seja para a produzir leite ou carne, dependerá cada vez mais do desenvolvimento de processos de criação que não dependam de pastagens. Muito se tem investido na procura de novos procedimentos e novas tecnologias que possibilitem a criação de animais confinados e alimentados de forma alternativa ao pastoreio natural. O confinamento, em que os animais são mantidos em pequenos espaços e alimentados com concentrados à base de cereais ricos em carboidratos e proteínas, parece ser a tendência que prevalecerá no futuro. Na bovinocultura dos dias atuais, já nos deparamos com diferentes formas de alimentar os animais: pastagens (predominantemente no Brasil), concentrados de cereais, fenos e silagens. Dependendo do país ou das regiões dentro de um pais tão grande quanto é o Brasil, os criadores costumam aplicar, de acordo com as circunstâncias, uma combinação dessas diferentes possibilidades de alimentar seus animais.
Quando da ocorrência de doenças em um determinado plantel de animais houver a suspeita de uma possível associação com a ingestão de alimentos contaminados por micotoxinas, para se chegar a um diagnóstico, será indispensável caracterizar, antes de tudo, que dieta alimentar estaria em uso no período de ocorrência do problema. Isto precisa ser bem investigado porque, na maioria das vezes, determinadas micotoxinas sempre poderão ser encontradas nos mesmos tipos de alimentos. Isto acontece porque cada produto vegetal mantém uma associação com alguma espécie de fungo e, consequentemente, com as micotoxinas que esses fungos podem produzir:
a) PASTAGENS - Animais criados de forma extensiva em pastagens podem ser intoxicados por diversas micotoxinas, destacando-se entre elas os alcalóides do ergot, ergovalina, penitrem A, lolitrens, paspalitrens, paxilina, esporidesmina e tricotecenos.
A história da Micotoxicologia registra que as intoxicações por alcalóides do ergot produzidas por espécies do gênero Claviceps foram uma das primeiras manifestações clínicas de micotoxicoses. A presença desses fungos em pastagens pode ser determinada com facilidade porque eles produzem esclerócios, que são estruturas reprodutivas relativamente grandes e perceptíveis a olho nu. Recentemente, foi demonstrado que existe um outro grupo de fungos, os endofíticos, que vivem junto às células de tecidos vegetais, crescendo no interior de plantas, numa clara relação de interdependência. Ao se desenvolverem dentro de uma determinada planta, esses fungos conseguem chegar até às suas sementes e, por isto, se mantêm associados especificamente àquela planta. Quando a planta é submetida a qualquer fator de estresse, essa relação pode se alterar e o fungo passar a produzir toxinas. Diversos fungos endofíticos já foram caracterizados em pastagens, destacando-se os gêneros Neotyphodium e Epichloe. Espécies destes dois gêneros estão associadas à produção de diversos alcalóides, com destaques para a ergovalina, lolitrem e paxilina.
b) SILAGENS - Ensilagem é um sistema de preservação de forragens verdes mantidas em silos sob baixa tensão de oxigênio (anaerobiose) e alto grau de acidez resultante de fermentações bacterianas. No preparo das silagens são empregados vegetais que não contêm sementes maduras, mas somente um misto de plantas com seus caules e folhas ou, até mesmo sementes ainda imaturas. Toda a matéria verde é cortada em pequenos pedaços e transferida para o silo onde deve ser bem prensada para a eliminação do oxigênio. Para acelerar o processo fermentativo, podem ser utilizados inoculantes bacterianos que sejam produtores de ácido propiônico e ácido lático. Silagens inoculadas com uma associação de Propionibacterium acidipropionici e Lactobacillus plantarum apresentam menor crescimento de fungos e leveduras após a abertura do silo. Depois de cheio, o silo precisa ser bem vedado com uma cobertura de plástico para evitar a penetração de oxigênio do ar. Em condições de anaerobiose e pH ácido, a maioria dos fungos fica impedida de crescer, mas se o processo de preparação for mal conduzido quando podem ocorrer defeitos na vedação ou na compactação e, se durante o seu uso, o material permanecer exposto ao ar por longos períodos, diversos fungos filamentosos poderão crescer e produzir micotoxinas. As micotoxinas detectadas em silagens são produzidas por fungos diferentes em dois momentos distintos, antes ou após o processo de ensilagem.
1. Antes da ensilagem (antes da colheita) - Micotoxinas podem ser produzidas em vegetais mesmo antes de serem colhidos para o preparo de silagens. Aspergillus flavus, e espécies do gênero Fusarium, por exemplo, dependendo da interação de certos fatores estressantes, podem produzir suas micotoxinas na planta ainda durante o cultivo. O mesmo acontece em relação aos fungos endofiticos, muitos dos quais podem produzir alcalóides tóxicos. Quando a anaerobiose e a acidez são estabelecidas na silagem, esses fungos de campo têm o seu crescimento interrompido, mas suas micotoxinas, se presentes, permanecerão ativas. Dessa maneira, micotoxinas como a zearalenona, os tricotecenos e a fumonisina, devem ser consideradas como micotoxinas que seriam produzidas no período anterior à ensilagem ou quando a silagem não tiver sido adequadamente preparada e as espécies de Fusarium puderem continuar a crescer no material ensilado. Mesmo que este mesmo princípio possa ser aplicado às aflatoxinas porque, como se sabe, o A. flavus também pode afetar o milho ainda no campo, poucas vezes isto acontece. Aflatoxinas não deve ser considerada um contaminante importante de silagens. No momento, ela deve ser considerada a principal micotoxina produzida em grãos estocados. 
2. Após a ensilagem (pós-colheita) - Com a modificação do meio ambiente no interior de silagens, outras espécies que são adaptadas às condições de microaerofilia e alta acidez, podem se desenvolver e produzir suas micotoxinas. Aspergillus fumigatus, Byssochlamys nívea, Monascus spp., Penicillium roquefortii e Trichoderma spp. são os fungos isolados com maior frequência de silagens. Dentre as micotoxinas que podem ser produzidas por estes fungos destacam-se a patulina, roquefortinas, fumitremorginas, ácido micofenólico, verruculogem, ácido penicílico, gliotoxina, monoascolinas e patulina.
c) CONCENTRADOS DE GRÃOS - a seleção genética foi, gradativamente, transformando os animais de produção em verdadeiras e potentes máquinas produtoras de alimentos. Vacas que produziam 2, 3 litros de leite por dia, passaram a produzir 20, 30, 40 litros. Os destinados à produção de carne, eram abatidos com cerca de 4 anos e atualmente nem chegam aos 2 anos e com peso superior. Este alto rendimento passou a exigir o fornecimento de alimentos com maior teor de nutrientes, impossível de ser encontrado nas pastagens. Por este motivo, bovinos de alto rendimento passaram a ser alimentados com suplementação de concentrados de grãos. Com as rações produzidas à base de cereais como milho, trigo, aveia, cevada, centeio e as tortas (subprodutos da indústria de óleo) de soja, amendoim e sementes de girassol e algodão vieram também diversas micotoxinas. Junto com as rações, os bovinos passaram também a ingerir aflatoxinas, zearalenona, fumonisinas, ochratoxinas, citrinina, tricotecenos, alcalóides do ergot e diversas outras micotoxinas.
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Autores:
Luiz Celso Hygino Da Cruz
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
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