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aflatoxinas ocratoxina saúde humana

Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana

Publicado: 16 de novembro de 2011
Por: Eloisa Dutra Caldas a, Saulo Cardoso Silva b e João Nascimento Oliveira b
Sumário

Descritores:

Aflatoxinas. Ocratoxinas. Análise dealimentos. Contaminação de alimentos. Vigilância sanitária. Amendoim. Milho. 

Resumo

Objetivos

A presença de micotoxinas em alimentos tem sido correlacionada a várias patologiashumanas, e as autoridades de saúde no mundo todo têm implementado ações paradiminuir a ingestão desses compostos pela dieta. Realizou-se pesquisa para analisaros níveis de aflatoxinas e ocratoxina A de alimentos para consumo e avaliar o potencialde risco da exposição humana a essas micotoxinas.

Métodos

Foram analisadas 366 amostras de alimentos consumidos no Distrito Federal, noperíodo de julho de 1998 a dezembro de 2001, como amendoim e derivados, castanhas,milho, produtos de trigo e/ou aveia, arroz e feijão. As amostras foram processadas, eas micotoxinas extraídas, detectadas e quantificadas por fluorescência após separaçãoem cromatografia camada delgada.

Resultados

Foram detectadas aflatoxinas em 19,6% das amostras, em amendoim cru e derivados,milho de pipoca, milho em grão e castanha-do-pará (>2 μg/kg). Amendoim e derivadosapresentaram maior incidência de contaminação por aflatoxinas (34,7%) com amostrascontendo até 1.280 μg/kg de AFB1+AFG1 e 1.706 μg/kg de aflatoxinas totais. Dasamostras positivas, AFB1 estava presente em 98,5%, AFB2 em 93%, AFG1 em66,7% e AFG2 em 65,4%. A ocratoxina A não foi detectada (<25 μg/kg) em nenhumaamostra analisada.

Conclusão

Os níveis de contaminação encontrados em amendoim e derivados ultrapassaram osníveis máximos permitidos pela legislação brasileira, podendo significar fator derisco para a população que os consome regularmente. A conscientização dosprodutores de alimentos e as ações de vigilância sanitária permanentes são essenciaispara diminuir a exposição humana a esses compostos e prevenir doenças crônicasadvindas dessa exposição. 

INTRODUÇÃO
A exposição humana a micotoxinas pelo consumo de alimento contaminado é questão de saúde pública no mundo todo. A contaminação dos alimentos pode ocorrer no campo, antes e após a colheita, e durante o transporte e armazenamento do produto.8 Programas de monitoramento dos níveis de contaminação de alimentos por micotoxinas são essenciais para estabelecer prioridades em ações de vigilância sanitária.
No Brasil, as aflatoxinas são as únicas micotoxinas cujos níveis máximos em alimentos estão previstos na legislação. O Ministério da Saúde estabelece o limite de 30 μg/kg AFB1+AFG1 em alimentos de consumo humano,2 e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento estabelece o de 20 μg/kg de aflatoxinas totais para matérias-primas de alimentos e rações.4 Este limite é comparável aos estabelecidos por outros países7 e recomendado pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização para Alimentação e Agricultura (OMS/FAO).10 
O Laboratório de Micotoxinas do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal (Lacen/DF) analisa alimentos quanto ao teor de aflatoxinas desde 1985 e de ocratoxina A desde 1996.5,14 O presente estudo apresenta os resultados obtidos pelo laboratório no período de 1998 a 2001, avalia a potencial exposição da população do Distrito Federal a essas micotoxinas e analisa os riscos dessa exposição para a saúde.
MÉTODOS
Foram coletadas 366 amostras de alimentos (no mínimo,1 kg) entre julho de 1998 e dezembro de 2001, nas gôndolas de venda do comércio do Distrito Federal, pelo Departamento de Fiscalização e Saúde do DF (DpFS), de acordo com os procedimentos legais previstos pela legislação vigente, 3 dentro do programa de monitoramento de micotoxinas em alimentos do DpFSLacen/DF. Esse programa prevê a coleta de amendoim cru durante todo o ano, de milho de pipoca e doces de amendoim no período das festas juninas e de castanhas diversas no período que antecede o Natal. Adicionalmente, um programa com produtos de trigo e/ou aveia foi conduzido em 1999. Em média, foram coletadas cinco amostras por semana.
Acrescentem-se também 20 amostras de alimentos encaminhadas ao laboratório por pequenos industriais, pela Secretaria de Agricultura do DF e pela Universidade de Brasília. Dentre os alimentos analisados, predominaram: amendoim (cru, torrado, em creme, confeitado e em doce); castanhas (do pará, nozes, avelã, de caju, amêndoas e pistache); milho (pipoca, canjica e grão); e farinhas (trigo ou aveia).
No laboratório, cada amostra foi triturada em multiprocessador, passada em peneira de 20 mesh, e duas porções de 50 g retiradas para análise. As porções foram
extraídas com metanol, o extrato clarificado com sulfato de cobre e celite, as toxinas extraídas com clorofórmio e quantificadas em cromatografia camada delgada
(CCD) de sílica por comparação da fluorescência da amostra com padrões conhecidos de micotoxinas, segundo o procedimento descrito por Soares & Rodrigues-
Amaya.15 O limite de quantificação do método é de 2 μg/kg para cada aflatoxina e de 25 μg/kg para ocratoxina A.
Todos os reagentes utilizados foram grau p.a. Cromatofólios para CCD foram obtidos da Merk, e os padrões de micotoxinas foram obtidos da Sigma.
RESULTADOS
Nenhuma das 366 amostras analisadas continha níveis detectáveis de ocratoxina A (<25 μg/kg). No período de 1998 a 2000, foram detectadas aflatoxinas em 60 amostras de amendoim e derivados, castanha-do-pará, milho de pipoca e milho em grão, correspondendo a 26,4% das 227 amostras analisadas.
Milho em grão foi o produto com maior incidência de contaminação, correspondendo a 60% das amostras analisadas, seguido de paçoca e doces de amendoim (51,2%), amendoim cru (49,1%), amendoim torrado e confeitado (40%), castanha-dopará (33,3%) e milho de pipoca (13,6%).
O número de amostras analisadas positivas para aflatoxinas (>2μg/kg) e condenadas (FB1+FG1 >30 μg/kg) paraesses produtos está na Figura 1. 
Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana - Image 1
No ano de 2001, o programa de monitoramento de aflatoxinas se concentrou nas amostras de alimentos que apresentaram alta incidência de contaminação nos anos anteriores. Ao todo, foram analisadas 139 amostras (86 amostras de amendoim e derivados, 15 de castanhas diversas, 33 amostras de milho). Aflatoxinas só foram detectadas em amendoim e seus produtos. Em termos percentuais, a incidência de amostras positivas e condenadas desses produtos nesse período (Figura 2) foram significativamente menores que no período anterior, de 1998 a 2000 (Figura 1).
Além das aflatoxinas AFB1 e AFG1, as únicas previstas na legislação do Ministério da Saúde, as AFB2 e AFG2 foram encontradas nas amostras positivas analianalisa das durante todo o período do estudo. A Figura 3 mostra a incidência de cada aflatoxina do grupo nos produtos contaminados. AFB1 foi detectada em todas as amostras positivas de milho e castanha-do-pará e em 97% das amostras de amendoim e derivados. AFB2 foi a segunda aflatoxina em freqüência de detecção (96,7%), seguida de AFG1 (66,7%) e AFG2 (65,4%).
Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana - Image 2
 
A Tabela mostra os níveis de AFB1+AFG1 e de aflatoxinas totais (AFB1+AFB2+AFG1+AFG2) encontrados nas amostras de amendoim e derivados, castanha- do-pará e milho de pipoca. Além de serem os produtos com maior índice de contaminação por aflatoxinas, amendoim e derivados contêm os níveis mais altos. Níveis encontrados em paçoca de amendoim chegaram a 1.280 μg/kg de AFB1+AFG1, valor 42,7 vezes maior que o limite máximo permitido pela legislação brasileira do Ministério da Saúde (30 μg/kg), e a 1.710 μg/kg de aflatoxinas totais, valor 85,5 vezes maior que o valor recomendado pelo Ministério da Agricultura e FAO/OMS (20 μg/kg).
Aflatoxinas e ocratoxina A em alimentos e riscos para a saúde humana - Image 3
 
DISCUSSÃO
Ocratoxina A tem sido relatada em até 50% das amostras de milho, trigo, arroz e feijão analisadas em vários estados do Brasil.1,6,15 Apesar de a legislação brasileira não prever níveis máximos dessa micotoxina em alimentos, são necessários programas de monitoramento para subsidiar estudos de exposição humana e avaliar a necessidade de estabelecer esses níveis.
A presença de aflatoxinas em alimentos tem sido reportadano mundo todo, principalmente em milho, nozes,amendoim, frutas secas, temperos, figo, óleos vegetais, cacau, arroz e algodão.10 No Brasil, a contaminação de milho tem sido descrita principalmente em milho emgrão. Correa et al6 encontraram 56% das 600 amostras de milho provenientes do Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul, da Argentina e do Paraguai contaminadas com aflatoxinas. Em outro estudo, 98% das 264 amostras de milho em grão de vários estados brasileiros estavam contaminadas por aflatoxinas.1 Alta incidência de contaminação também foi encontrada no presente estudo, apesar do número limitado de amostras analisadas. Como a maior parte da produção de milho em grão no País é destinada à produção de ração, principalmente para aves, é limitada a importância direta dessa contaminação para a saúde humana.
As três amostras de milho de pipoca contaminadas com aflatoxinas eram importadas. Apesar de o percentual de amostras positivas ter sido baixo, os níveis encontrados são altos (até 1.026 μg/kg) e merecem atenção dos órgãos de vigilância sanitária.
Entre as castanhas diversas, a castanha-do-pará é o produto com maior incidência de aflatoxinas no Brasil, 1 confirmado em pesquisa anterior no Distrito Federal13
e no presente estudo. A produção extrativista da castanha-do-pará no Norte do País atende o mercado interno e, principalmente, os mercados da Europa.
A devolução de lotes desse produto pelos países importadores devido ao alto nível de contaminação10 levou o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a elaborar um programa de monitoramento da cadeia produtiva da castanha-do-pará, visando a prevenir e controlar a contaminação.11
Espera-se que a consolidação desse programa também melhore a qualidade do produto consumido nacionalmente. A alta incidência de aflatoxinas em amendoim encontrada no Brasil se deve, principalmente, às tradicionaispráticas de colheita, secagem e armazenamentoutilizadas pelos produtores. Condições de alta umidade e temperatura aumentam a probabilidade de desenvolvimentodo Aspergillus e de produção de aflatoxinas,situação agravada no período chuvoso.8
O Distrito Federal não produz amendoim e importa a maior parte desse produto e seus derivados do Estado de São Paulo, onde a incidência de aflatoxinas tem sido um problema constante nos últimos 20 anos.12
Em 1999, amostras advindas devárias regiões de São Paulo apresentaram contaminaçãomédia (90%) de 183 μg/kg.12 Em outro estudo,71,9% das amostras analisadas provenientes daregião de Marília estavam positivas paraaflatoxinas, e 47,4% excederam o limite da legislaçãodo Ministério da Saúde.13 O índice de contaminação por aflatoxinas de amendoim e derivados comercializados no Distrito Federal tem se mantido alto nos últimos anos. No período de 1985 a 1995, 19,8% das 450 amostras analisadas estavam contaminadas,14 percentual que aumentou para 31,3% entre 1996 e junho de 1998 (99 amostras analisadas).5
Resultados do presente estudo mostraram que esse número aumentou para 49,0% no período entre julho de 1998 e dezembro de 2000 e caiu para 13,9% em 2001.
Algumas razões podem ser levantadas para a queda no nível de contaminação ocorrida no último ano, como a baixa incidência de chuvas nas regiões produtoras. Ou mesmo pode haver maior conscientização por parte de produtores, industriais e comerciantes quanto ao problema. Também a divulgação pela mídia, no final de 2000, dos dados de contaminação de alimentos por aflatoxinas no Distrito Federal, levando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a tomar medidas punitivas contra algumas indústrias desses produtos,2 pode também ter tido um papel importante nos índices de 2001. 
Porém, só a continuidade do programa de monitoramento poderá dizer se essa melhora na contaminação por aflatoxinas é permanente. De acordo com o International Agency for Reseach on Cancer (IARC), existe evidência suficiente de que a mistura de todas as aflatoxinas produzidas naturalmente (AFB1, AFB2, AFG1 e AFG2) é carcinogênica no homem.9 As aflatoxinas AFB2 e AFG2, porém, não estão previstas na legislação atual do Ministério da Saúde,2 que é utilizada nas ações de vigilância sanitária do País. No presente estudo, 93% das amostras positivas continham AFB2, e 65,4% continham AFG2.
A paçoca de amendoim e o pé-de-moleque são produtos amplamente consumidos pela população jovem do Distrito Federal, sendo comercializados a baixo custo, principalmente nas escolas. Se for tomado o valor médio de aflatoxinas de 84 μg/kg encontrado em paçoca e doces de amendoim no presente estudo e o peso médio de 25 g/produto, a ingestão de aflatoxinas pelo consumo diário de uma paçoca ou doce de amendoim é de 2,1 μg/pessoa/dia. Esse valor encontra-se na faixa superior dos valores de ingestão considerados seguros (até 5 μg/pessoa/dia) e pode ser ainda maior se for associado a outras fontes de exposição, como o amendoim cru e outros derivados, milho e castanhas. Em conseqüência, o risco da população jovem decorrente da exposição crônica a aflatoxinas pela dieta pode ser significativo.
Estima-se que cerca de 35% dos casos de câncer humano estejam diretamente relacionados à dieta, e a presença de aflatoxinas em alimentos é considerada um fator importante na produção de câncer hepático, principalmente em países tropicais.7 A diminuição da exposição da população a aflatoxinas, e a conseqüente
diminuição dos riscos à saúde, somente será possível com um trabalho com os produtores de alimento e com ações eficientes de vigilância sanitária.
 
REFERÊNCIAS
1. Amorim SS, Silva CMG, Pires RA, Santos EA, Castro L, Sá TA et al. Occurrence of mycotoxins in food and feed in Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the 10th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo. p. 141.
2. Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. Legislação. Disponível em URL: http://www.anvisa.gov.br [dezembro 2001].
3. Brasil. Decreto-Lei N° 6.437, de 20 de agosto de 1977. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 24 ago 1977, 11 nov 1969.
4. Brasil. Portaria MAARA No.183 de 21 de março de 1996. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 25 mar 1996. Seção I. p. 4929.
5. Caldas ED, Silva SC, Oliveira J N, Degering AV. Contaminação por aflatoxinas e ocratoxina A nos alimentos consumidos no Distrito Federal. Rev Saúde Dist Fed 1998;9:44-7.
6. Corrêa TBS, Rodrigues HR, Vargas EA, Assad ED, Prado G, Costa PP. Evaluation of the incidence of mycotoxins in Brazilian maize. In: Official Program and Abstract
Book of the 10th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo. p. 134.
7. Doll R, Peto R. The causes of cancer: quantitativeestimates of avoidable risks of cancer in the United States today. J Natl Cancer Inst 1981;66:1191-308.
8. Fonseca H. Estudo da aflatoxina no amendoim, da colheita à industrialização. Anais ESALQ 1976;33:365-405.
9. International Agency of Research on Cancer [IARC]. Evaluation of carcinogenic risks to humans: some naturally occuring substances: aromatic amines and mycotoxins. Lyon; 1997. p. 245-395. (IARC Monographs, 56).
10. Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Aditives [JECFA]. Safety evaluation of certain food additives and contaminants - Aflatoxins. Geneva: World Health Organization; 1998.
11. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Prevenção de aflatoxinas em castanha-do-Brasil: Cartilha do produtor. Brasília (DF); 2000.
12. Sabino M, Lamardo LCA, Milanez TV, Inomata EI, Zorzetto AP, Navas AS, Galvão MS. Twenty years of aflatoxin contamination in groundnuts and groundnut products in São Paulo State, Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the 10th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000; São Paulo, Brasil. p. 151.
13. Shundo L, Silva R A. Occurrence of aflatoxins in peanut and peanut products in the region of Marília (SP) Brazil. In: Official Program and Abstract Book of the 10th International IUPAC Symposium on Mycotoxin and Phycotoxin; 2000, São Paulo. p. 133.
14. Silva SC, Oliveira JN, Caldas ED. Aflatoxinas em alimentos comercializados no Distrito Federal de 1985 a 1995. Rev Inst Adolfo Lutz, 1996;56:49-52.
15. Soares LMV, Rodriguez-Amaya DB. Survey of aflatoxins, ochratoxin A, zearalenone, and sterigmatocystin in some Brazilian foods by using multi-toxin thin-layer chromatographic method. J Assoc Off Anal Chem 1989; 72:22-6.
 
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Autores:
Eloisa Caldas
Unb - Universidade de Brasília
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