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Proteção química e biológica de grãos de milho úmidos contra fungos de armazenagem e produção de aflatoxinas

Publicado: 4 de janeiro de 2013
Por: Nicésio F.J. de A. Pinto, Pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, e Guilherme Prado e Marize S. Oliveira da Fundação Ezequiel Dias, Núcleo de Micologia e Micotoxinas.
Sumário

RESUMO – Grãos de milho da cultivar HD 9486, com 19,7% de umidade, foram tratados, imediatamente após a colheita, com soluções de extrato bruto de Eucalyptus citriodora (40%), essência de Eucalyptus citriodora (20%), ácido acético (5%), uréia (5%), acetato de sódio (5%), com os fungicidas benomyl (25g i.a.100kg -1 de grãos), thiabendazole (45g) e fludioxonil (3g); óleo de girassol, óleo mineral e com suspensão de 10 6 UFC.ml -1 de Sacharomyces cerevisiae. Aos grãos da testemunha foi adicionada água, obedecendo à mesma relação utilizada nos demais tratamentos (0,75% peso de grãos/volume do produto). A seguir, esses grãos foram armazenados em sistema com aeração contínua, constituído de tambores metálicos de 200 litros de capacidade, com fundo de tela de aço e sobre dutos de aeração, e em sistema sem aeração, constituído de tambores com fundo de metal, sobre estrados de madeira. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com 24 tratamentos (parcelas com 80kg de grãos), em três repetições. A eficiência dos produtos no controle de Aspergillus flavus e Penicillium spp. foi avaliada quantificando-se a porcentagem de grãos visualmente mofados, aos 17 dias de armazenagem. No sistema sem aeração, os fungicidas benomyl, thiabendazole e fludioxonil apresentaram controles desses fungos a níveis abaixo do limite de tolerância, que é de 3%. A testemunha apresentou 49,6% de grãos mofados. As médias da umidade e da temperatura intergranular foram de 15,5% e 35,5 °C, respectivamente. No sistema aerado, todos os tratamentos apresentaram baixo nível de mofamento dos grãos (1,2% na testemunha). Provavelmente, nesse período de armazenagem, a temperatura intergranular e a umidade dos grãos foram desfavoráveis ao desenvolvimento desses fungos. Nessa época, foram determinados os níveis (µg.kg -1 ou ppb) de aflatoxinas, sendo utilizado o métodos ELISA e cromatografia em camada delgada. Na condição aerada, os grãos de milho apresentaram os menores níveis de aflatoxinas e foram significativamente diferentes (P<0,05), quando comparados aos valores encontrados na condição não aerada. Na condição aerada, a maior eficiência na proteção dos grãos de milho em relação à biossíntese de aflatoxinas (2,1 µg.kg -1 de B1 + B2 + G1 +G2 ) foi verificada no tratamento com thiabendazole. Do exposto, conclui-se que a aeração contínua e a prote- ção dos grãos com os fungicidas benomyl, thiabendazole e fludioxonil são eficientes contra o mofamento causado por Aspergillus flavus e Penicillium spp. e na redução da biossíntese de aflatoxinas.

Palavras-chave: Zea mays, fungos toxigênicos, micotoxinas, patologia de grãos.

Vários são os fatores que influenciam o desenvolvimento de fungos e a produção de micotoxinas em alimentos, sendo a temperatura e a umidade (atividade de água e teor de umidade) dois parâmetros fundamentais nesse processo de biossíntese (Diener & Davis, 1967).
Na espera pela secagem de grãos, a prevenção contra o mofamento dependerá de agentes inibidores do desenvolvimento fúngico. Herting & Drury (1974) verificaram a atividade antifúngica dos ácidos fórmico, acético, propiônico, butílico e isobutílico em grãos de milho. Vandegraft et al. (1975) trataram grãos de milho com 2% de amônia ou 1% de ácido propiônico e observaram uma redução significativa no desenvolvimento de mofo. Os fungicidas benomyl e thiabendazole foram utilizados por White et al. (1993) para proteger grãos de milho úmidos durante a secagem com ar ambiente e na armazenagem e reduziram a incidência de Penicillium spp. e Aspergillus spp. A eficácia de iprodione no controle de fungos em grãos de milho úmido foi determinada por Toman Jr. & White (1994).
Pinto (2001, 2004) relata que óleo mineral (1% p/v) protegeu grãos de sorgo úmidos contra o mofamento causado pelos fungos Aspergillus spp. e Penicillium spp. e que, na espera pela secagem de grãos de milho, os tratamentos desses grãos com ácido acético ou uréia foram eficientes no controle do mofamento causado por Aspergillus flavus. Adicionalmente, segundo Jones & Prusky (2002), a expressão de um peptídio antifúngico em Saccharomyces cerevisiae resultou na inibição da podridão do fruto de tomate causada por Colletotrichum coccodes. Por outro lado, Franco e Bettiol (2000), visando selecionar produtos alternativos para o controle de Penicilliumdigitatum em pós-colheita de citros, avaliaram, entre outros produtos, os óleos de soja e de eucalipto e Saccharomyces cerevisiae, em comparação com os fungicidas thiabendazole, prochloraz e imazalil.
No Brasil, o fungicida Tecto 600 (thiabendazole) é o único registrado no MAPA para o tratamento de grãos de milho imediatamente após a colheita, visando, na armazenagem, o controle das podridões causadas por Aspergillus flavus, Penicilliumdigitatum e Fusarium moniliforme (Tecto, 1999).
Com relação às micotoxinas, as aflatoxinas são metabólitos secundários produzidos por fungos do gênero Aspergillus, que contaminam as culturas no campo, os grãos durante o armazenamento e também os produtos alimentícios destinados ao consumo humano (Who, 1979). Devido aos efeitos carcinogênicos, mutagênicos e teratogênicos, as aflatoxinas representam um risco à saúde pública. Condições ambientais favoráveis, associadas à suscetibilidade dos grãos de milho, maximizam a produção das aflatoxinas, implicando a necessidade de um monitoramento constante e desenvolvimento de técnicas de cultivo, colheita, pós-colheita, armazenamento e transporte.
Diener & Davis (1967) e Schindler et al. (1967) verificaram que a temperatura mínima de produção de aflatoxina é de 12 °C e a máxima de 42 °C, sendo a ótima entre 24 e 30 °C. Com rela- ção à umidade relativa, o limite máximo é de 85%. O substrato deve apresentar atividade de água de no mínimo 0,85 para que o fungo possa produzir a toxina. Em milho, foi verificado que a atividade de água que mais favorece a produção de aflatoxina por Aspergillusparasiticus é de 0,90 (Montani & Vaamond, 1988).
O milho é um bom substrato para o desenvolvimento de fungos e produção de aflatoxinas (Sabino et al., 1986; Sabino et al., 1989; Shotwell & Hesseltine, 1983; Stoloff et al., 1976).
Prado et al. (1995) relatam uma redução dos níveis de aflatoxinas em amostras de grãos de milho da cultivar BR 201, com diferentes níveis de umidade (25,8; 22,9; 18,8; 17,7; 16,1 e 11,7%), tratadas com fungicida (iprodiona) e armazenadas em atmosfera aerada, com temperatura intergranular de 18-20 °C. Quando o acondicionamento foi realizado em atmosfera sem aeração, o decréscimo dos teores de aflatoxinas não foi significativo, indicando que a temperatura (35-40 °C) e a umidade são fatores importantes na biossíntese de aflatoxinas.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficiência da proteção química e biológica de grãos de milho úmidos contra o mofamento incitado por Aspergillus flavus e Penicillium spp., bem como minimizar ou eliminar a biossíntese de aflatoxinas em sistemas de armazenagem com aeração e sem aeração.
 
Material e Métodos
Grãos de milho da cultivar HD 9486 foram colhidos com 19,7% de umidade e imediatamente tratados, em tratador mecânico de grãos/sementes, com os seguintes produtos: P1- extrato bruto de Eucalyptus citriodora solu- ção a 40%; P2- essência de Eucalyptus citriodora solução a 20%; P3- ácido acético solução a 5%; P4- uréia solução a 5%; P5- acetato de sódio solu- ção a 5%; P6- benomyl (25g i.a.100kg -1 de grãos); P7- thiabendazole (45g); P8- fludioxonil (3g); P9- óleo de girassol a 0,75% peso de grãos/volume do produto; P10- óleo mineral 0,75% peso de grãos/volume do produto; P11- com suspensão de 10 6 CFU.ml -1 de Sacharomyces cerevisiae. Aos grãos da testemunha (P12) foi adicionada água, obedecendo à mesma relação utilizada nos demais tratamentos (0,75% peso de grãos/volume do produto). A seguir, os grãos (80 kg por parcela) foram armazenados em tambores metálicos de 200 litros de capacidade, com fundo de tela de aço e sobre dutos de aeração, e em sistema sem aeração, em tambores com fundo de metal. Os tambores tinham dimensões de 0,82 m de altura e 0,60 m de diâmetro. O sistema com aeração (Figura 1) foi dotado de quatro dutos com formato trapezoidal (6,0 x 1,1 x 0,7 m), possuindo cada duto nove orifí- cios de aeração (0,54 m de diâmetro), sobre os quais foram colocados os tambores com a massa de grãos de milho. A aeração contínua com ar ambiente (20- 30 °C) foi promovida por um ventilador de 2750 rpm, motor de 0,5 HP, vazão de ar de 0,42 m3 /seg. O delineamento foi o inteiramente casualizado, com 24 tratamentos em três repetições.
FIGURA 1. Sistema com aeração contínua, com ar ambiente
Proteção química e biológica de grãos de milho úmidos contra fungos de armazenagem e produção de aflatoxinas - Image 1
O controle de Aspergillus flavus e Penicillium spp. foi avaliado quantificando-se a porcentagem de grãos visualmente mofados aos 3, 5, 7, 10, 12, 14 e 17 dias de armazenagem. A umidade dos grãos foi determinada nesses períodos (105+2 °C/24 h), sendo o monitoramento da temperatura intergranular realizado diariamente.
Visando determinar, em pós-colheita, a produção de aflatoxinas em grãos de milho por Aspergillus flavus, aos 17 dias de armazenagem foram coletadas amostras de 2,0 kg de grãos nas 72 parcelas experimentais e enviadas ao Laboratório de Micotoxinas da Fundação Ezequiel Dias - FUNED, em Belo Horizonte, MG.
A determinação de aflatoxinas foi feita utilizando o método de ELISA. As amostras em grãos de cada parcela foram moídas, homogeneizadas e passadas em tamis 20 mesh. Foram utilizados kits da Neogen Corporation (USA) para determinação direta e competitiva de aflatoxina total, de acordo com o procedimento analítico descrito pelo fabricante e dentro do prazo de validade especificado. A confirmação dos resultados positivos foi feita pela técnica de cromatografia em camada delgada, utilizando-se a metodologia descrita por Soares & Rodrigues-Amaya (1989), com quantificação densitométrica.
Para verificar a eficiência dos tratamentos sobre a biossíntese de aflatoxinas, foi realizada a análise de variância dos dados e as médias, comparadas pelo teste t de Student (p<0,05).
 
Resultados e Discussão
No sistema sem aeração (Tabela 1), até os 17 dias de armazenagem, os produtos benomyl, fludioxonil e thiabendazole apresentaram controle de fungos a níveis abaixo do limite de tolerância, que é de 3 %. A testemunha apresentou 49,6% de mofamento. Esses resultados estão de acordo com os relatados por White et al. (1993), White & Toman Jr. (1994) e Toman Jr. & White (1994). Ainda nesse sistema, as médias da umidade e da temperatura intergranular foram, respectivamente, de 16,3% e 35,5 °C. Por outro lado, no sistema com aeração, essas médias foram, respectivamente, de 13,9% e 22,9 °C, impedindo o desenvolvimento dos fungos de armazenagem.
TABELA 1. Monitoramento da umidade, da temperatura e do mofamento de grãos úmidos de milho da cultivar HD 9486, colhidos com 19,7% de umidade e imediatamente tratados com substâncias químicas, biológicas e extratos vegetais e armazenados por 17 dias em sistemas com e sem aeração. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, 1999.
Proteção química e biológica de grãos de milho úmidos contra fungos de armazenagem e produção de aflatoxinas - Image 2
No sistema com aeração (Tabela 1), a umidade variou de 13,1 a 15,5% e a temperatura variou de 22,0 a 23,7 °C. No sistema sem aeração, houve uma variação de 14,8 a 18,5% na umidade e de 28,0 a 38,7 °C na temperatura. Assim, no sistema com aeração, todos os tratamentos, inclusive a testemunha (1,2%), apresentaram baixo nível de mofamento dos grãos, sugerindo que a temperatura intergranular e a umidade dos grãos foram desfavoráveis ao desenvolvimento de Aspergillus flavus e de Penicillium spp.
TABELA 2. Níveis de aflatoxina B1 + B2 + G1 + G2 (µg.kg -1 ou ppb) em grãos de milho tratados com produtos químicos e biológicos e armazenadas por 17 dias em sistemas com aeração e sem aeração. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, 1999.
Proteção química e biológica de grãos de milho úmidos contra fungos de armazenagem e produção de aflatoxinas - Image 3
Com relação aos resultados obtidos nas análises de micotoxinas, na Tabela 2 são apresentados os níveis de aflatoxinas encontrados nas amostras de milho tratadas com os diversos produtos químicos e biológicos e armazenadas nos sistemas com aeração e sem aeração. Observa-se que o sistema com aeração foi significativamente diferente (p<0,05) do sistema sem aeração, em todos os tratamentos aplicados. Constata-se que, nos grãos sem tratamento (P12- testemunha), quando armazenados no sistema com aeração, os níveis de aflatoxinas foram superiores aos encontrados nas amostras tratadas com o fungicida thiabendazole (P7), indicando o efeito protetor do tratamento realizado. Esse resultado confirma os relatos de Prado et al. (1995), quando da utilização do fungicida iprodiona em grãos úmidos de milho. Os níveis de aflatoxinas encontrados (2,1 µg.kg -1 ou ppb de B1 + B2 + G1 + G2) nos grãos tratados com thiabendazole (P7) e armazenados no sistema com aeração foram inferiores aos exigidos pela Resolução RDC n o . 274/2002 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, do Ministério da Saúde (20 µg.kg -1 ou ppb de B1 + B2 + G1 + G2).
No sistema sem aeração, níveis elevados de aflatoxinas foram observados em todos os tratamentos (variando de 632,5 a 6626,7 µg.kg -1 ), sendo as menores contaminações obtidas nos grãos tratados com os fungicidas benomyl (632,5 µg.kg -1 ), fludioxonil (989,3 µg.kg -1 ) e thiabendazole (1283,5 µg.kg -1 ). Resultados semelhantes foram obtidos por Prado et al. (1995), em grãos de milho colhidos com 18,8% de umidade, tratados com iprodiona e armazenados em atmosfera não aerada.
 
Conclusões
A aeração contínua e a proteção dos grãos com os fungicidas benomyl, thiabendazole e fludioxonil são procedimentos eficientes contra o mofamento incitado pelos fungos Aspergillus flavus e Penicillium spp., bem como na redução da biossíntese de aflatoxinas.
 
Agradecimentos
A Osni Alves da Silva, Ademar Verneque e José Moreira Campos (Assistentes de Pesquisa), Gilberto Ribeiro Rodrigues e Almir Roberto da Silva (Operários Rurais) e à Fundação Ezequiel Dias - FUNED, Núcleo de Micologia e Micotoxinas, a colaboração na condução deste trabalho.
 
Literatura Citada
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