Os grãos de milho podem ser danificados por fungos em duas condições específicas, isto é, em pré-colheita (podridões fúngicas de espigas com a formação de grãos ardidos) e em pós-colheita durante o beneficiamento, o armazenamento e o transporte (grãos mofados ou embolorados).
No processo de colonização dos grãos, muitas espécies de fungos denominadas toxigênicas (Fusarium spp., Aspergillus spp.) podem, além dos danos físicos (descolorações dos grãos, reduções nos conteúdos de carboidratos, de proteínas e de açúcares totais), produzir substâncias tóxicas denominadas micotoxinas. É importante ressaltar que a presença do fungo toxigênico não implica necessariamente na produção de micotoxinas, as quais estão intimamente relacionadas à capacidade de biossíntese do fungo e das condições ambientais predisponentes, como, em alguns casos, da alternância das temperaturas diurna e noturna.
Os fungos toxigênicos, em seu processo de colonização dos grãos de milho em précolheita, são exímios biossintetizadores de micotoxinas, as quais são altamente nocivas à saude animal e humana, produzindo doenças denominadas micotoxicoses. A dieta de suínos, bovinos e aves, composta de grãos de milho com elevado nível de micotoxinas, significa ao mesmo tempo perigo e prejuízos. As micotoxinas causam danos irreversíveis à saúde dos animais e, adicionalmente, comprometem a integridade de quem consome carne, leite e produtos derivados dos animais intoxicados.
O milho é utilizado no preparo de mais de 500 produtos derivados e está constantemente exposto à contaminação por fungos toxigênicos. Conforme o novo acordo da Organização Mundial do Comércio, em contrapartida à redução nas tarifas alfandegárias houve direcionamento da atenção em relação às micotoxinas e aos contaminantes fitossanitários como barreiras fitossanitárias. Conseqüentemente, avaliações da contaminação fúngica e de micotoxinas constituem a primeira etapa imprescindível na minimização de problemas internos, que poderão evoluir para o estrangulamento e comprometimento de toda a linha de exportação.
Produção de Grãos Ardidos
São considerados grãos ardidos todos aqueles que possuem pelo menos um quarto de sua superfície com descolorações, cuja matiz pode variar de marrom claro a roxo (Figura 1) ou de vermelho claro a vermelho intenso (Figura 2).
Figura 1. Grãos ardidos pelo ataque do fungo Stenocarpella maydis.
Figura 2. Grãos ardidos pelo ataque do fungo Fusarium verticillioides.
Os grãos ardidos em milho são o reflexo das podridões de espigas, causadas principalmente pelos fungos presentes no campo. Esses fungos podem ser divididos em dois grupos: a) aqueles que apenas produzem grãos ardidos; e b) aqueles que, além da produção de grãos ardidos, são exímios biossintetizadores de toxinas, denominadas micotoxinas. No primeiro grupo, encontram-se os fungos Drechslera zeicola, Cladosporium herbarum, Ustilago maydis, Nigrospora oryzae, Colletotrichum graminicola, entre outros. No segundo grupo, são encontrados os fungos Stenocarpella maydis (=Diplodia maydis), Stenocarpella macrospora (=Diplodia macrospora), Fusarium verticillioides (=Fusarium moniliforme), F. subglutinans, F. graminearum, F. sporotrichioides e Gibberella zeae. Ocasionalmente, no campo há produção de grãos ardidos e de micotoxinas pelos fungos Penicilliumoxalicum, Aspergillus flavus e A. parasiticus. Os fungos F. graminearum, F. sporotrichioides e Stenocarpella maydis são mais freqüente nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e F. verticillioides, F. subglutinans e Stenocarpella macrospora nas demais regiões produtoras de milho.
Os fungos toxigênicos que causam podridões em grãos de milho no campo (grãos ardidos) requerem, nos grãos, umidades acima de 20% para o seu desenvolvimento e para promoverem a podridão na espiga, principalmente em anos em que prevalecem condições úmidas após a polinização ou onde ocorrem seca ou danos de insetos nas espigas. Os principais fungos dessa categoria são espécies do gênero Fusarium, como F. verticillioides, F. graminearum, F. sporotrichioides, F. nivale, F. culmorum, F. poae, F. proliferatum, entre outras.
Como principais fontes de inóculo de Fusarium, têm-se os restos de cultura de milho, como colmos e espigas, as sementes de milho contaminadas, as gramíneas de inverno (trigo, aveia e cevada) e também o solo. A disseminação dos esporos se dá através do vento e de insetos e o período de maior suscetibilidade ocorre de 7 a 10 dias após a polinização dos estigmas. Sintomatologicamente, pode ocorrer uma pigmentação rosa (F. verticillioides) ou roxa (F. graminearum) entre os grãos, sendo que as espigas que não dobram após a maturidade fisiológica dos grãos e aquelas com mal empalhamento são as mais suscetíveis.
Como padrão de qualidade, tem-se, em algumas agroindústrias, a tolerância máxima de 6% para grãos ardidos em lotes comerciais de milho. Quando ocorrem fortes chuvas após o estádio da maturidade fisiológica dos grãos e também há a postergação na colheita do milho, normalmente a incidência de grãos ardidos supera esse limite de tolerância máxima, cujos valores têm atingido freqüentemente 10 a 20% em algumas cultivares.
A seguir, serão descritas as principais podridões de espigas ocorrentes no Brasil:
Podridão Branca da Espiga
A podridão branca da espiga é causada pelos fungos Stenocarpella maydis e Stenocarpella macrospora. As espigas infectadas apresentam os grãos de cor marrom, de baixo peso e com crescimento micelial branco entre as fileiras de grãos (Figura 3). No interior da espiga ou nas palhas das espigas infectadas, há a presença de numerosos pontinhos negros (picnídios), que são as estruturas de frutificação do patógeno. Uma característica peculiar entre as duas espécies de Stenocarpella é que apenas a S. macrospora ataca as folhas do milho. A precisa distinção entre estas espécies só é possível mediante análises microscópicas. Os esporos desses fungos sobrevivem dentro dos picnídios no solo e nos restos de cultura contaminados, além de nas sementes na forma de esporos e de micélio dormente, sendo essas as fontes primárias de inóculo para a infecção das espigas. A infecção pode se iniciar em qualquer uma das extremidades das espigas. Entretanto, as espigas mal empalhadas ou com palhas frouxas ou que não se dobram após a maturidade fisiológica são as mais suscetíveis. A alta precipitação pluviométrica na época da maturação dos grãos favorece o aparecimento dessa doença. A evolução da podridão praticamente cessa quando o teor de umidade dos grãos atinge 21 a 22%.
Figura 3. Podridão branca da espiga (Stenocarpella maydis).
Podridão Rosada da Espiga
Essa podridão é causada por Fusarium verticillioides (=F. moniliforme) [Figura 4] ou por Fusarium subglutinans. Esses patógenos apresentam elevado número de plantas hospedeiras alternativas, sendo, por isso, considerados parasitas não especializados. A infecção pode se iniciar pelo topo ou por qualquer outra parte da espiga, mas sempre é associada a alguma injúria (insetos, pássaros e roedores). Com o desenvolvimento da doença, uma massa cotonosa avermelhada pode recobrir os grãos infectados ou a área da palha atingida. Quando a infecção ocorre através do pedúnculo da espiga, todos os grãos podem ser infectados, mas a infecção só se desenvolverá naqueles que apresentarem alguma injúria no pericarpo. O desenvolvimento desses fungos nas espigas é paralisado quando o teor de umidade dos grãos atinge 18 a 19%. Embora esses fungos sejam freqüentemente isolados das sementes, essas não são a principal fonte de inóculo. Como esses fungos possuem a fase saprofítica ativa, sobrevivem e se multiplicam no resto de cultura de milho, sendo essa a fonte principal de inóculo.
Figura 4. Podridão rosada da espiga (Fusarium verticillioides).
Podridão Rosada da Ponta da Espiga
Essa podridão de espiga é conhecida também pelo nome de podridão de Gibberella (Gibberella zeae), sendo mais comum em regiões de clima ameno e de alta umidade relativa. A ocorrência de chuvas após a polinização propicia a ocorrência dessa podridão de espiga. A doença inicia-se com uma massa cotonosa avermelhada na ponta da espiga (Figura 5) e pode progredir para a base da espiga. A palha pode ser colonizada pelo fungo e tornar-se colada na espiga. Ocasionalmente, pode iniciar-se na base e progredir para a ponta da espiga, confundindo o sintoma com aquele causado por Fusariumverticillioides ou por F. subglutinans. Chuvas freqüentes no final do desenvolvimento da cultura, principalmente em lavoura com cultivar com espigas que não dobram após a maturidade fisiológica dos grãos, aumentam a incidência dessa podridão de espiga. O fungo sobrevive nas sementes na forma de micélio dormente. A forma assexual de Gibberella zeae é denominada de Fusarium graminearum.
Figura 5. Podridão rosada da ponta da espiga (Gibberella zeae).
Produção de Micotoxinas
Atualmente, os grãos ardidos constituem-se num dos principais problemas de qualidade do milho devido à possibilidade da presença de micotoxinas, tais como aflatoxinas (Aspergillus flavus e A. parasiticus), fumonisinas (Fusariumverticillioides e F. subglutinans), zearalenona (Fusarium graminearum e F. poae), vomitoxinas (Fusariumverticillioides), toxina T-2 (Fusarium sporotrichioides), entre outras. As perdas qualitativas por grãos ardidos são motivos de desvalorização do produto e uma ameaça à saúde dos rebanhos e à humana. O gênero Fusarium tem uma faixa de temperatura ótima para o seu desenvolvimento situada entre 20 a 25 ºC. Contudo, suas toxinas são produzidas a temperaturas baixas. Isso significa que Fusarium produz as micotoxinas sob o efeito de choque térmico, principalmente com alternância das temperaturas diurna e noturna. Fungo do gênero Fusarium necessita de temperaturas em torno de 25 °C para crescer, mas para a biossíntese das toxinas é necessário que as temperaturas sejam mais amenas ou frias, geralmente abaixo de 16-18° C e o teor de umidade mais elevado para se desenvolver. Exemplificando, para a produção da micotoxina denominada zearalenona a temperatura ótima está em torno de 10-12° C.
As principais micotoxinas que têm sido relatadas contaminando o milho na pré-colheita são as aflatoxinas (Aspergillusflavus e A. parasiticus), a ocratoxina (Aspergillusochraceus) e as toxinas de Fusarium: zearalenona (produzida por F. graminearum e F. roseum ), deoxinivalenol - DON ou vomitoxina (F. graminearum e F. verticillioides), toxina T-2 (F. sporotrichioides) e as fumonisinas (F. verticillioides, F. subglutinans e F. proliferatum). O gênero Fusarium é, basicamente, constituído de fungos de campo que geralmente infectam os grãos de milho em précolheita. As fumonisinas (B1, B2, B3, B4 e C1) são o resultado da ação de Fusariumsubglutinans, F. verticillioides e F. proliferatum em grãos de milho.
Micotoxicoses
As micotoxicoses são doenças ou síndromes resultantes da ingestão de alimentos (grãos, rações etc.) contaminados com micotoxinas. As micotoxicoses podem promover, nos animais domésticos (Figuras 6 7) e em humanos, danos como redução no crescimento, interferências nas funções vitais do organismo, produção de tumores malignos etc.
O efeito tóxico das aflatoxinas (B1, B2, G1 e G2), denominado de aflatoxicose, pode ser de curta duração (aflatoxicose aguda) ou de longa duração (aflatoxicose crônica). Bovinos, suínos e aves podem ingerir rações formuladas com grãos de milho contaminadas com aflatoxinas, converter a toxina em seus metabólitos tóxicos, os quais entrarão na cadeia alimentar humana via consumo de leite, carne e ovos. Quando grãos de milho tornam-se contaminados com aflatoxinas, por exemplo, a aflatoxina B1, que é um carcinógeno, ela pode via arraçoamento animal ser convertida em outro carcinógeno potencial (aflatoxina M1) e ser liberada no leite.
A contaminação por fumonisinas (B1, B2, B3, B4, A1 e A2.) em grãos de milho é extremamente maléfica à alimentação de suínos (edema pulmonar) e em eqüinos (leucoencefalomalácea - a toxina destroi as células cerebrais, formando grandes orifícios no cérebro do animal). As fumonisinas têm sido, em humanos, associadas com a incidência de câncer do esôfago.
Por outro lado, os suínos, bovinos, aves e ovelhas são muito sensíveis à zearalenona, a qual causa o hiperestrogenismo em suínos, pois a sua molécula é semelhante à da progesterona (hormônio feminino). Quanto à toxina T-2, ela causa má formação óssea nas pernas de frangos de corte.
Figura 6. Fígado de suíno com micotoxicose (aflatoxicose)
Figura 7. Fígado de frango com micotoxicose (aflatoxicose)
Controle da Produção de Grãos Ardidos
A prevenção contra a infecção dos grãos de milho por fungos promotores de grãos ardidos deve levar em consideração um conjunto de medidas: a) utilização de cultivares de milho com grãos mais resistentes aos fungos dos gêneros Fusarium e Stenocarpella; b) realização de rotação de culturas com espécies de plantas não suscetíveis aos fungos dos gêneros Fusarium e Stenocarpella; c) interrupção do monocultivo do milho; d) promoção do controle das plantas daninhas hospedeiras dos fungos do gênero Fusarium; e) uso de sementes de alta qualidade sanitária; f) não utilizar altas densidades de plantio; g) utilização de cultivares de milho com espigas que dobram para baixo após a maturidade fisiológica dos grãos; h) não colher espigas atacadas por insetos, pássaros e roedores; i) não colher espigas de plantas tombadas; j) não retardar a colheita dos grãos; e l) realizar o enterrio de restos de culturas de milho infectados com fungos causadores de grãos ardidos.
*** O Trabalho foi originalmente publicado pela Embrapa Milho e Sorgo / Dezembro, 2005.