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Efeitos das aflatoxinas sobre os parâmetros eritrocitários de Alevinos de Jundiá (Rhamdia quelen)

Publicado: 23 de abril de 2013
Por: Paulo Rodinei Soares Lopes, J. L. F. O. Pouey e D. B. S. Enke, Pós-Graduação em Zootecnia –FAEM–, Universidade Federal de Pelotas -UFPel-, RS; S. G. O. de Camargo, Médica veterinária autônoma; G. F. Correa, Professor Adjunto da Universidade Federal do Pampa -UNIPAMPA-, RS; C. L. G. Ribeiro, Professor Adjunto do Departamento de Medicina Veterinária da UFPel, RS; CA Mallmann, Professor Titular do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Santa Maria -UFSM-, RS, e outros.
Sumário

Para avaliar o efeito das aflatoxinas nos parâmetros eritrocitários dos alevinos de jundiá (Rhamdia quelen) foram utilizados 12 peixes (peso inicial de 4 g), criados em sistema de recirculação da água termo-regulado, durante 90 dias. Foram testados quatro níveis de inclusão de aflatoxinas (0, 150, 250 e 350 μgAFkg-1) com três repetições, A presença de aflatoxinas na dieta afetou significativamente o hematócrito e hemoglobina, sem interferir nas demais variáveis avaliadas (RBC, VCM, HCM e CHCM). Conclui-se que há redução de até 46% nos níveis de hemoglobina e 52% na taxa de hematócrito, em jundiás alimentados com dietas contaminadas por aflatoxinas.

Palavras Chave: hematologia, peixe de água doce, sangue, micotoxinas

INTRODUÇÃO
Vários peixes nativos brasileiros despertaram os interesses dos piscicultores e pesquisadores devido as suas características de crescimento rápido, boa conversão alimentar, facilidade de reprodução induzida e por características apropriadas à pesca esportiva. Dentre esses destaca-se o jundiá (Rhamdia quelen) encontrado a partir do golfo do México até o sul da América do Sul, espécie que está sendo cultivada nos três estados do sul do país. Mesmo sendo importante para a aqüicultura nacional, pouco se sabe sobre sua fisiologia, especialmente as características sangüíneas.
Os estudos hematológicos das diferentes espécies de peixes são de interesse ecológico e fisiológico, pois auxiliam na compreensão da relação entre as características sanguíneas, a filogenia, o hábitat e a adaptabilidade dos peixes ao ambiente. Verifica-se que as diferentes espécies de peixes mesmo que do mesmo gênero, na maior parte dos casos, apresentam variações quanto aos valores quanto ao número, tamanho e volume dos eritrócitos, concentração de hemoglobina e hematócrito. Tais variações intraespecíficas podem ser atribuídas às diferentes características de comportamento, hábitat, hábito alimentar, clima e outros fatores (Tavares-Dias e Moraes, 2004).
Os estudos bioquímicos contribuem para compreensão de variações das características sangüíneas. A variação nas características hematológicas em peixes depende da espécie, idade, sexo, alimentação e ambiente a que estão expostos. Portanto, constitui importante característica a ser analisada quando os animais são expostos a produtos químicos (Omoregie, 1998), ao estresse (Martins et al., 2004), a infecções (Benli e Yildis, 2004), a parasitos (Tavares-Dias et al., 2002) e micotoxinas (Vieira et al., 2006).
Segundo Silveira e Rigores (1989), a padronização dos parâmetros hematológicos dos peixes auxilia na determinação das influências das dietas, de enfermidades e de outras situações de estresse ambiental. O hematócrito é bom indicador de efeitos para os diversos fatores ambientais a que os peixes estão sujeitos, pois é o índice do eritrograma com menor coeficiente de variação (Tavares-Dias e Moraes, 2000).
Hoje estima-se que aproximadamente 25% dos cereais presentes no mundo estão contaminados por micotoxinas, enquanto uma porcentagem ainda maior pode estar contaminada com micotoxinas ainda não identificadas. Nenhuma região no mundo está livre do impacto negativo na produtividade animal e saúde humana.
A aflatoxina é um metabólito secundário dos fungos Aspergillus flavus e parasiticus, que apresenta efeitos negativos sobre a produção animal, reduzindo o consumo de ração, conversão alimentar, além de deixar o animal susceptível às doenças por sua ação imunossupressora. As micotoxinas atuam sistemicamente sobre o fígado, rins e determinam efeitos negativos sobre os parâmetros hematológicos. Conforme Lumlertdacha et al. (1995), o perfil hematológico dos peixes pode sofrer redução pela ação de toxinas.
A aqüicultura intensiva tem necessidade de informações acuradas sobre a identificação e o controle de situações de estresse e/ou de enfermidades, a fim de assegurar a saúde dos peixes. Nesse caso, o estudo das variáveis hematológicas assume importância como meio auxiliar de diagnóstico (Tavares-Dias et al., 2000; Tavares-Dias e Moraes, 2004).
Devido a todos os fatores supramencionados, o presente trabalho teve como objetivo verificar a influência da dieta contendo aflatoxinas sobre os parâmetros hematológicos dos alevinos de jundiá Rhamdia quelen.
 
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado no Laboratório de Ictiologia do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Pelotas. O experimento foi conduzido no período de maio a agosto de 2007, com duração de 90 dias.
Foram utilizadas 12 caixas de polipropileno com capacidade de 250 L, abastecidos com 200 L de água num sistema de criação fechado e termo regulado. A circulação da água nas unidades experimentais foi mantida com um volume de 1,3 L/min, durante as 24 horas do dia.
Para o experimento foram utilizados 12 alevinos de jundiá Rhamdia quelen com peso médio inicial de 4,5 g, que foram obtidos através de reprodução induzida a partir de matrizes do próprio setor (UFPel) e criados em tanque de terra, alimentados com ração comercial contendo 45% de proteína bruta, além do plâncton originado pela adubação.
Todos os peixes utilizados foram submetidos a um jejum de 24 horas antes de iniciar o experimento. A alimentação foi ministrada 2 vezes ao dia (9 e 16 horas), na proporção de 5% da biomassa. Diariamente foi efetuada a limpeza das caixas, através de sifão, retirando-se os resíduos existentes nas mesmas, sendo contabilizada a eventual mortalidade. A troca diária de água foi na ordem 5%, observando-se a necessidade de sifonagem dos dejetos e resíduos das rações.
A dieta dos peixes foi baseada na fórmula descrita por Coldebella e Radünz Neto (2002) (Tabela 1), na qual foram incluídos os níveis de aflatoxinas (AF) de acordo com os tratamentos. As dietas experimentais foram isoprotéicas e isocalóricas, contendo 35,2% proteína bruta e 3444 kcal kg-1 de energia digestível calculada.
As dietas foram preparadas no próprio setor de piscicultura do Departamento de Zootecnia. A matéria prima que compôs a dieta foi pesada, moída e misturada, objetivando-se sua completa homogeneização. Após o preparo, as mesmas foram peletizadas em máquina de moer carne elétrica e levadas à estufa por 48 horas a 50ºC e novamente moídas até obter-se grânulos de 1 mm. A alteração da granulometria foi realizada de acordo com o crescimento dos peixes, facilitando a apreensão do alimento.
Os tratamentos testados incluíam diferentes níveis de aflatoxinas (AF), a qual foi produzida no Laboratório de Análises Micotoxicológicas - LAMIC/UFSM de acordo com a metodologia apropriada, certificado pelo INMETRO e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, através da fermentação de arroz parbolizado com uma cepa purificada do fungo Aspergillus parasiticus. O arroz previamente esterilizado, e após ter sido inoculado, foi adicionado a um erlenmayer e colocado em agitador orbital com controle de temperatura pelo período de 6 dias. Após esse procedimento o arroz foi moído, tendo sido retirada à alíquota para serem quantificadas as aflatoxinas (B1, B2, G1 e G2) por meio de cromatografia liquida de alta eficiência.
Na ração experimental foram utilizados ingredientes comprovadamente isentos de contaminação natural, conforme análise do LAMIC-UFSM. O pó de arroz fermentado (contendo aflatoxinas) foi acrescido à ração dos peixes, após uma mistura prévia com farelo de milho; em seguida, foi misturado aos demais ingredientes da ração em um misturador mecânico com capacidade para 5 kg, logo depois foi peletizada e levada a estufa (48 h), após esse período foi mantida em lugar seco, escuro e resfriado para evitar qualquer tipo de aparecimento e proliferação de outros fungos.
A micotoxinas foram incluídas nas rações nos seguintes níveis para cada tratamento: T0-controle; T1-150 μgAFkg-1; T2-250 μgAFkg-1 e T3-350 μgAFkg1. Após os 90 dias experimentais os peixes foram submetidos a jejum de 24 h, para coleta de sangue, quando foram capturados três animais, aleatoriamente, por tratamento. Os animais foram retirados e anestesiados com benzocaína (3g 20mL-1 de álcool/20L de água) e a coleta foi realizada por punção caudal, com auxílio de seringas (3mL) descartáveis contendo EDTA a 10% e agulhas (25x0,7mm). As análises da série eritrocitária foram realizadas por contador manual e incluíram número total de eritrócitos (RBC - 106 μL-1), o hematócrito (HCT- %), a hemoglobina (HGB - g dL-1) e índices eritrocitários ou hematimétricos absolutos: volume corpuscular médio (VCM - fL), hemoglobina corpuscular média (HCM - pg) e concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM - g dL-1).
Também foram monitorados diariamente (09:00 e as 16:00hs) os parâmetros da qualidade da água nas unidades experimentais (O2D, amônia total, alcalinidade, pH e temperatura) com auxilio de um oxímetro digital e kit colorimétrico.
O delineamento experimental foi completamente casualizado, com quatro níveis de aflatoxinas e três repetições. Os resultados foram submetidos à ANOVA, para comparação entre as medias o teste de Tukey (5%). O pacote estatístico utilizado foi o SAS (1997).
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos nos parâmetros físicos e químicos da água experimental encontram-se na faixa de conforto e desenvolvimento para a criação de peixes (Boyd, 1997). Esses valores descritos abaixo: temperatura da água: 24,5±2,1ºC, oxigênio dissolvido: 5,6±1,1 mgL-1, amônia total: 0,5±0,1 mgL-1, alcalinidade: 52±5,9 mgL-1 e pH 7,5±0,3, estão de acordo com os observados por Piedras et al. (2004) e Melo et al. (2002), para a espécie (Rhamdia quelen).
Os valores encontrados neste trabalho para hemoglobina (HGB g/dL) e hematócrito (HCT %) encontram-se descritos na tabela 2. A redução significativa (P<0,05) nos níveis de hematócrito (52%) e hemoglobina (46%) nos tratamentos 1, 2, e 3 foi decorrente dos níveis crescentes das aflatoxinas na dieta (150, 250 e 350 μgAFkg-1) em relação ao tratamento-controle (sem aflatoxinas). Redução significativa dos parâmetros hematológicos também foi constatada por Vieira et al. (2006) em alevinos de jundiá, alimentados por 45 dias com aflatoxinas na dieta (0, 41, 91, 204 μgAf/kg), com níveis mínimos médios de HCT (11,16%) e HGB (3,5 g/dL). Também foram observados redução na taxa de hematócrito para alevinos de catifsh (Ictalurus punctatus) quando submetidos a dieta contaminada com afltoxinas (88 μgAf/kg) por 130 dias (Manning, et al., 2005).
Segundo Tuan et al. (2002) a ingestão de alimentos contaminados com aflatoxinas pelos peixes pode causar redução do crescimento, alterações nos parâmetros hematológicos e supressão do sistema imune dos peixes. O mesmo autor ao testar dietas contaminadas com aflatoxinas, para alevinos tilápia-do-nilo (Orechromis. niloticus) pesando 2,7g em sistema fechado, observaram redução significativa nas taxas de hematócrito.
O hematócrito é bom indicador de efeitos para os diversos fatores ambientais a que os peixes estão sujeitos, pois é o índice do eritrograma com menor coeficiente de variação (Tavares-Dias e Moraes, 2000). Os resultados apresentados por este trabalho corroboram também com Poston et al. (1983) com alevinos de truta arco-íris e Jantrarotai e Lovell (1991) com alevinos de Ictalurus punctatus, que observaram redução da taxa de hematócrito e hemoglobina, quando esses animais foram submetidos a dietas intoxicadas com aflatoxinas, além de perda de crescimento.
Os valores médios obtidos no presente trabalho para o tratamentocontrole estão próximos aos valores de referência, 6,73 g dL para HGB e 26,50% para HCT, obtidos por Tavares-Dias et al. (2002) em juvenis de jundiá, criados em sistema aberto alimentados com dieta comercial (45%PB). Esses resultados ligeiramente superiores são atribuídos ao teor protéico superior ao utilizado nesse experimento.
Melo et al. (2006) ao submeterem juvenis de jundiá a diferentes níveis de proteínas (20, 27, 34, 41 %) também observaram leve tendência do aumento dos parâmetros hematológicos (HCT-32,53% e HGB-9,07 g dL) até 27 % PB. Entretanto, Borges (2005) encontrou valores mais altos para HCT (43 %), porém semelhantes aos observados no presente trabalho para HGB (8,7 g dL-1), quando alimentou juvenis de jundiá, com dieta comercial.
Os índices hematimétricos VCM, HCM, CHCM e RBC não apresentaram efeitos significativos (P>0,05), para os alevinos de jundiá Rhamdia quelen, para os tratamentos testados (tabela 3).
Resultados semelhantes a este trabalho foram encontrados por Tavares- Dias et al. (2002) com juvenis de jundiá onde encontrou valores de referência a espécie (VCM 139,03 fL e CHCM 25,94 g dL-1). Melo et al. (2006) com juvenis de jundiá alimentados com altos níveis de proteínas na dieta não observou diferença significativa para esses parâmetros (VCM 127,72 a 144,22 fL e CHCM 28,30 a 31,78 g dL-1) num período de 55 dias experimentais. Mesma tendência foi observada por Camargo et al. (2005) quando submeteu juvenis de jundiá a diferentes níveis de proteína nas dietas (30, 40 e 50%), nos parâmetros hematológicos dos animais, por 45 dias. Borges (2005), alimentando machos de jundiá com peso médio de 198,3 g, por 3 dias com ração comercial, também obteve valores próximos a este trabalho (VCM 120,9 fL, MCH 24,3 pg e CHCM 20,7 g dL-1).
Foram observadas algumas alterações no estado geral dos alevinos durante o período de intoxicação, como despigmentação próxima ao pedúnculo caudal e diminuição do muco. Já observados por Lopes et al. (2005) com alevinos de jundiá alimentados com dieta contendo diferentes níveis de aflatoxinas (41, 90 e 204 μgAFkg-1), Souza et al. (2000) com tilápias alimentadas com 80 μg AF/kg na dieta e Farabi et al. (2006) onde observaram em juvenis de Huso huso com dietas contaminadas com aflatoxinas (10 μgAf/kg).
 
CONCLUSÃO
O aumento dos níveis de aflatoxinas na dieta diminuiu gradativamente os valores do hematócrito e hemoglobina dos alevinos de jundiá (Rhamdia quelen).
 
AGRADECIMENTOS
Aos colegas da pós-graduação, estagiários e ao funcionário do Laboratório de Ictiologia pela ajuda na condução desse trabalho. Ao programa de Pós-graduação em Zootecnia e ao Departamento de Zootecnia pelo apoio durante todo esse período. Ao Laboratório de Análise de Micotoxinas pelas micotoxinas. A CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro.
 
REFERÊNCIAS
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Tabela 1. Composição e formulação da ração experimental
Efeitos das aflatoxinas sobre os parâmetros eritrocitários de Alevinos de Jundiá (Rhamdia quelen) - Image 1
Tabela 2. Valores médios e desvio padrão de hemoglobina e da taxa de hematócrito dos alevinos de jundiá alimentados com diferentes níveis de aflatoxinas na dieta, num período de 90 dias
Efeitos das aflatoxinas sobre os parâmetros eritrocitários de Alevinos de Jundiá (Rhamdia quelen) - Image 2
Tabela 3. Valores médios e desvio padrão dos parâmetros hematológicos dos alevinos de jundiá alimentados com diferentes níveis de aflatoxinas na dieta, num período de 90 dias
Efeitos das aflatoxinas sobre os parâmetros eritrocitários de Alevinos de Jundiá (Rhamdia quelen) - Image 3

***Informação bibliográfica: Revista da FZVA. Uruguaiana, v.17, n.1, p. 1-13. 2010
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Autores:
Prof. Mallmann
LAMIC -  LABORATÓRIO DE ANÁLISES MICOTOXICOLÓGICAS
LAMIC - LABORATÓRIO DE ANÁLISES MICOTOXICOLÓGICAS
Paulo Rodinei Soares Lopes
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