Introdução
A produção animal do Brasil está entre as mais desenvolvidas do mundo e o país é destaque como um dos maiores produtores e exportadores de proteína de origem animal (FAPRI, 2019). Entre 2017 e 2018, a agropecuária contribuiu com 21,6% do PIB nacional, sendo que só a pecuária representou 6,6% desse total e 31% do PIB do agronegócio (ANUALPEC, 2019). Para atingir esse status produtivo, houve investimentos e investigação científica na produção animal, sendo que a nutrição animal é destaque, pois representa 70 a 80% dos custos totais de produção de diversas espécies (Valadares Filho et al., 2016).
A formulação de rações tem por objetivo traduzir as necessidades nutricionais teóricas em necessidades alimentares reais (Andriguetto et al., 2003), ou seja, é definir a quantidade de alimentos que devem ser fornecidos para um animal durante o período de 24 horas, sendo que o conjunto de alimentos deve estar equilibrado nutricionalmente; assim será ingerido em quantidades suficientes e assegurará o fornecimento dos nutrientes exigidos pelos animais para pleno desenvolvimento e manutenção das funções vitais. Segundo NRC (2000) a formulação da ração pode ser dividida em três etapas: estimativa das exigências nutricionais dos animais, cálculo dos nutrientes fornecidos pelos alimentos e modelagem do problema para a obtenção de uma ração que possa atender as exigências dos animais. Este processo é de fundamental importância na criação de animais domésticos e está intimamente relacionada com a viabilidade técnica e econômica do sistema de produção animal.
Existem vários softwares para formulação de ração e existem métodos manuais, como o método de tentativa, quadrado de Pearson e o método algébrico. Assim, essa revisão teve como objetivo sumarizar princípios básicos a serem observados para a formulação de ração e descrever dois métodos de formulação, algébrico e quadrado de Pearson, que podem ser realizados com o auxílio de uma calculadora.
Caracterização dos animais e definição das exigências nutricionais
Para a formulação de ração é necessário, primeiramente, caracterizar o animal para qual a ração será formulada e, posteriormente, analisar quais serão as exigências nutricionais que deverão ser atendidas em função da aptidão e da fase produtiva. Existem diversos fatores relacionados aos animais que devem ser considerados, como a espécie, idade, sexo, raça, tamanho e as condições ambientais. Os diferentes conjuntos de características resultarão em necessidades nutricionais distintas, que devem ser seguidas para que se obtenha um programa de nutrição eficiente (NRC, 2001; Rostagno et al., 2017). Desta forma, uma fêmea bovina produzindo leite tem exigência diferente de um macho bovino em fase de terminação. Em frangos de corte com crescimento acelerado, a exigência dos nutrientes muda rapidamente e, para atender essas alterações, são utilizadas de quatro a cinco fórmulas de ração durante os 42 dias produtivos. Como pode ser visto na tabela abaixo, as exigências de proteína e as de energia são alteradas conforme a idade do animal avança:
Para a definição das exigências nutricionais dos animais, o formulador deve consultar tabelas de exigências já publicadas, como as do National Research Council (NRC) para bovinos de corte, bovinos leiteiros, pequenos ruminantes, frangos e suínos (NRC, 1989, 1994, 2000, 2001, 2007). No Brasil existem as tabelas brasileiras para aves, suínos e bovinos, publicadas pela Universidade Federal de Viçosa (Rostagno et al., 2017; Valadares Filho et al., 2016) que são periodicamente atualizadas. Majoritariamente, as tabelas costumam ter como entrada as características do animal e como resposta a exigência de cada nutriente e de energia. É fortemente recomendado que o formulador não misture dados de diferentes tabelas; isto é, defina-se por uma tabela e somente em caso de falta de alguma informação, busque outra.
Seleção dos alimentos
Alimento é um material que, após ser ingerido pelo animal, tem a capacidade de ser digerido em seus nutrientes principais, que após serão absorvidos e utilizado para diversos fins. O termo alimento é utilizado de forma generalista, pois nem todos os constituintes de um alimento são passíveis de digestão. Desta forma, a parte que pode ser absorvida e utilizada pelos animais é chamada de nutriente (Berchielli et al., 2011). Para um alimento ser utilizado como ingrediente na formulação de uma ração, é necessário conhecer as suas propriedades físicas e químicas, pois desta forma é possível otimizar a eficiência de utilização dos alimentos pelos animais. Plantas e animais contêm tipos similares de nutrientes que podem ser agrupados conforme sua constituição, propriedades e funções (Berchielli et al., 2011; Prado, 2010). As principais partes componentes dos alimentos são:
Os alimentos também podem ser classificados como volumosos e concentrados. Os alimentos volumosos são aqueles que contêm alto teor de fibra bruta e baixo valor energético, com menos de 60% nutrientes digestíveis totais e mais de 18% de fibra bruta. Já os alimentos concentrados são aqueles que apresentam menos de 18% de fibra bruta em sua composição, porém contêm alto teor energético ou proteico. Alimentos concentrados energéticos apresentam menos de 20% de proteína bruta, e os concentrados proteicos apresentam mais de 20% de proteína bruta em sua composição (Giger-Reverdin et al., 2002; Ibarra et al., 2017).
A escolha dos alimentos dependerá do balanceamento de nutrientes desejado. Devem ser levadas em consideração as limitações existentes para o uso de alguns ingredientes, como problemas de toxidade, manuseio e conservação. E é necessário também obter informações sobre a disponibilidade dos alimentos na região e que o custo seja acessível (Lana, 2007; Rezende et al., 2011). As informações nutricionais dos alimentos e a porcentagem que é possível incluir na dieta podem ser encontradas nos NRCs (NRC, 1989, 1994, 2000, 2001, 2007, 2012) e nas tabelas brasileiras de aves e suínos e em trabalhos científicos, como pode ser visto na Tabela 2.
Após a caracterização dos animais, definição das exigências nutricionais e da escolha dos ingredientes, é necessário optar pelo melhor método de formulação de ração, de acordo com o conhecimento, conveniência e precisão desejada.
Formulação de rações
Existem diversos métodos para formulação de rações e os mais práticos são aqueles realizados por softwares ou planilhas eletrônicas, pois efetuam a formulação com diversos ingredientes e nutrientes de forma rápida, precisa e visando o custo mínimo (NRC, 1989, 1994, 2000, 2001, 2007, 2012). O software Super CRAC® foi o primeiro programa de formulação de ração de custo mínimo lançado no Brasil, em 1983, e nele podem ser formuladas rações, sais minerais e premix de custo mínimo para atender as exigências nutricionais de aves, suínos, bovinos, caprinos, ovinos, cães, gatos, peixes e coelhos. Outro exemplo de software é o Optimal WinDiet®, que é fornecido em uma versão acessível para produtores e outra para prestadores de serviços, fábricas de ração etc. Para formulação de ração com softwares, alguns programas são mais complicados que outros e exigem conhecimento avançado sobre os alimentos e nutrição animal. No entanto, também existem métodos manuais simples que podem ser utilizados para obtenção das proporções dos alimentos, como os métodos de tentativa, algébrico ou equações simultâneas e quadrado de Pearson (Lana, 2007). A seguir serão exemplificados, de forma didática, os métodos algébricos e quadrado de Pearson.
Método algébrico:
O método consiste em estabelecer e resolver um sistema de equações, sendo as incógnitas os ingredientes a serem utilizados na ração. Este método permite a mistura de dois ou mais ingredientes e se torna mais complexo à medida que o número de ingredientes e nutrientes são maiores (Rostagno et al., 2017).
Exemplo prático:
Para uma vaca de raça leiteria de frame grande, com 455 kg de peso vivo, produzindo 20 litros de leite/dia no meio da lactação, com ganho de peso de 300 g/dia e capaz de ingerir 16 kg MS/dia (CMS), a exigência proteica é de 15,2% ou 2,4 kg PB/dia e a energética é de 23,2 Mcal/dia ou 1,45 Mcal/kg/dia (NRC, 2001). Será considerado que esse animal consume 9,6 kg matéria seca (MS) de silagem de milho, 80g de sal branco e 20 g de premix mineral por dia, e que se deseja completar a dieta com farelo de soja e milho moído para atender as exigências de proteína bruta (Tabela 3).
Para que o problema seja resolvido, monta-se o um sistema de equações lineares segundo os seguintes passos:
1. São estabelecidas as variáveis utilizadas no cálculo:
X= Milho moído e Y= Farelo de soja
2. Monta-se o sistema de equações:
EQ1 – Kg Milho moído + kg Farelo de soja = Déficit de MS (kg)
EQ1 – 𝑋 + 𝑌 = 5,8
EQ2 – %PB do Milho × kg de Milho + %PB da Soja × kg de Soja = Déficit PB (kg)
EQ2 – 0,094𝑋 + 0,43𝑌 = 1,62
3. Multiplicam-se os termos da EQ1 por -0,094 (% PB do milho) para ser possível resolver o sistema ao isolar uma das variáveis pelo método de eliminação:
EQ1 – −0,094𝑋 − 0,094𝑌 = −0,545
EQ2 – 0,094𝑋 + 0,43𝑌 = 1,62
0 − 0,336𝑌 = 1,075
𝑌 = 3,199
4. O valor determinado de Y é inserido na EQ1 ou EQ2 para determinar o valor de X
EQ1 – 𝑋 + 3,199 = 5,8
EQ1 – 𝑋 = 5,8 − 3,199 = 2,6
EQ2 – 0,094𝑋 + (0,43 × 3,199) = 1,62
EQ2 – 𝑋 =
0,244
0,094 ⁄ = 2,6
As quantidades de milho moído e farelo de soja para atender as necessidades proteicas diárias da vaca em questão são de 2,6 e 3,2 kg, respectivamente (Tabela 4).
Quadrado de Pearson:
O método consiste em calcular a ração levando em consideração o valor percentual de um determinado nutriente. O método estabelece as proporções entre dois alimentos ou de duas misturas de alimentos, e o valor obtido para a proteína será intermediário ao teor de proteína dos dois alimentos misturados. Adaptando as informações contidas em Sakomura & Rostagno (2007), descrevemos os seguintes passos para a realização do Quadrado de Pearson: 1) Desenhar um quadrado e colocar a porcentagem desejada do nutriente no centro do quadro; 2) colocar o conteúdo do nutriente (%) de cada alimento nos ângulos esquerdos do quadrado; 3) subtrair diagonalmente no quadrado os menores números dos maiores e colocar os resultados nos ângulos direitos do quadrado; e; 4) a leitura dos resultados deve ser feita na horizontal e não na diagonal; 5) as quantidades de cada alimento serão expressas em porcentagem do total. As exigências para este método são que: 1) a base de referência (matéria seca ou matéria natural) deve ser a mesma para a exigência e o teor de nutrientes nos alimentos; 2) 5) é necessário que o número do centro do quadrado esteja entre os valores dos números dos ângulos esquerdos.
Exemplo prático:
Utilizaremos os mesmos dados do exemplo anterior para facilitar a visualização das diferenças entre os dois métodos. Os passos para a resolução pelo método de Pearson são os seguintes:
1. Definir, a partir de uma regra de três simples, o valor de referência do interior do quadrado transformando a necessidade de PB de quilogramas para o percentual sobre o CMS a ser atendido.
5,8 𝑘𝑔 (𝐷é𝑓𝑖𝑐𝑖𝑡 𝑀𝑆) 1,6 𝑘𝑔𝑃𝐵
100 𝑋
𝑋 = 27,58%
2. Posicionar o valor da porcentagem de PB dos ingredientes a serem utilizados nas extremidades do lado esquerdo do quadrado. Subtrair do valor de referência, no sentido diagonal, o valor de cada ingrediente para determinarmos a quantidade em partes de cada ingrediente.
3. Com base na quantidade de partes de cada ingrediente, do total parte e do total de CMS disponível para ser utilizado com milho e soja deve-se fazer uma regra de três para determinar quanto de cada ingrediente deverá ser utilizado.
5,8 𝑘𝑔 (𝐷é𝑓𝑖𝑐𝑖𝑡 𝑀𝑆) 𝑋
33,6 𝑝𝑎𝑟𝑡𝑒𝑠 15,42 𝑝𝑎𝑟𝑡𝑒𝑠 𝑑𝑒 𝑀𝑖𝑙ℎ𝑜
𝑋 = 2,66 𝑘𝑔 𝑀𝑖𝑙ℎ𝑜
5,8 𝑘𝑔 (𝐷é𝑓𝑖𝑐𝑖𝑡 𝑀𝑆) 𝑋
33,6 𝑝𝑎𝑟𝑡𝑒𝑠 18,18 𝑝𝑎𝑟𝑡𝑒𝑠 𝑑𝑒 𝐹. 𝑆𝑜𝑗𝑎
𝑋 = 3,19 𝑘𝑔 𝐹. 𝑆𝑜𝑗𝑎
Obs.: Como alternativa, é possível realizar a primeira operação para determinar o valor de um dos ingredientes e, para determinar o valor do segundo ingrediente, subtrair o valor já determinado do valor total do déficit de matéria seca. Exemplo:
Conclusão
Antes de iniciar a formulação de uma ração é necessário conhecer os animais que serão alimentados com a dieta e as exigências nutricionais que deverão ser atendidas conforme as características dos animais. Posteriormente serão escolhidos os alimentos que serão utilizados na dieta, e é necessário conhecer suas propriedades físicas e químicas, possibilitando o fornecimento de ingredientes de qualidade e otimizando o uso pelos animais. Por fim, deve-se escolher um método de formulação de ração, este pode ser por softwares com utilização de computadores ou formulações mais simples, que podem ser feitas com o auxílio de uma calculadora. Nunca esquecer, porém, que os animais são seres vivos e, portanto, crescem, adoecem, variam sua produção com o tempo (no caso da produção de leite, por exemplo). Desta forma, sendo o produtor deverá estar ajustando a formulação para melhor atender as reais exigências do momento. Além disso, sempre formulamos para a média de um rebanho, de um lote. Por isso a importância de manter a uniformidade num lote de animais. Do contrário, sempre haverá animais subalimentados e outros superalimentados, o que não é interessante nem para rentabilidade do negócio, nem para a produtividade e persistência da produção.