A grande pressão para a redução do uso dos antibióticos na produção animal pode estar vinculada, também, à informação divulgada por O’Neill (2014), estimando que a mortalidade humana oriunda da resistência das bactérias aos antibióticos poderá chegar a 10 milhões em 2050, afetando principalmente os continentes asiático (4,7 milhões de pessoas) e africano (4,1 milhões de pessoas), sendo este número total ainda maior que a estimativa de mortes, em 2050, causadas por acidentes de trânsito (1,2 milhão de vítimas), diabetes (1,5 milhão de pessoas) e câncer (8,2 milhões de pessoas).
Com isso, a pressão dos consumidores finais e, consequentemente, dos órgãos governamentais vem crescendo, resultando na proibição do uso dos antibióticos pela União Europeia, em 2006. Em 2009, os Estados Unidos iniciaram a transição deste processo de proibição do uso de antibióticos na alimentação animal, retirando a indicação dos antibióticos promotores de crescimento dos rótulos e bulas, em 2017. No Brasil, o processo da indicação da proibição de algumas moléculas foi iniciado com a Portaria 171, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, resultando na proibição do uso da tilosina, lincomicina e tiamulina como melhoradores de desempenho, de acordo com a Instrução Normativa, de 1º de janeiro de 2020.
Tendência atual da produção de frangos
A grande pressão dos consumidores sobre os varejistas e restaurantes – como por exemplo a nova classificação dos principais restaurantes sobre o uso de alimentos produzidos sem antibióticos (Chain Reaction) –, vem provocando a ação das agências regulamentadoras, com o desenvolvimento de novas legislações no que tange ao uso de antibióticos na alimentação animal.
Informações divulgadas por Rennier Associates Inc., em 2019, mostra intensa mudança na produção avícola norte-americana. Em 2013, a produção de frangos utilizando algum antibiótico promotor de crescimento nos EUA era cerca de 70%, percentual reduzido para aproximadamente 30% cinco anos depois. Por outro lado, o crescimento da produção de frangos com uso reduzido de antibióticos cresceu significativamente, saindo de aproximadamente 34% (2013) para quase 70% da produção norte-americana, com destaque para a produção avícola sem o uso de nenhum antibiótico, que em 2013 era de apenas 4% e chegou a 51%, em 2018.
Dentre os sistemas de produção de frangos de corte atuais, no que tange ao uso de antibióticos, temos o sistema convencional de produção, no qual o uso de antibióticos é permitido tanto como promotor de crescimento como anticoccidiano, o sistema ABF (“antibiotic free”), no qual é permitido apenas o uso de antibióticos anticoccidianos (ionóforos e químicos) e o sistema NAE (“no antibiotic ever”), no qual não é permitido usar nenhum tipo de antibiótico.
Lições aprendidas com a produção NAE, nos Estados Unidos
Com a grande mudança da produção de frangos convencionais nos EUA para a produção NAE, tem-se dado mais ênfase à saúde intestinal e à redução do potencial de doenças entéricas, utilizando-se algumas práticas nos diferentes momentos da produção dos frangos, destacando-se:
• Reprodutoras: limpeza dos ovos férteis e dos ninhos (redução da contaminação), qualidade da cutícula (maior número de coletas por dia), controle da umidade do galpão (foco na umidade da cama) e qualidade do pintinho alinhada à alimentação precoce.
• Incubatório: mais intenso controle da limpeza e desinfecção das incubadoras e bandejas, vacinação in ovo, redução da janela de nascimento (contaminação dos ovos) e sala de vacinas (maior controle de limpeza, desinfecção e ambiente).
• Frangos de corte: qualidade dos ingredientes e da ração (maximizar a digestibilidade dos nutrientes e o conceito de proteína ideal, a fim de reduzir a disponibilidade de nitrogênio no intestino e, consequentemente, a queda do teor de amônia, que está correlacionada à ocorrência de enterite necrótica), qualidade da cama dos galpões (umidade em torno de 25%), ventilação (essencial principalmente quando se faz uso da vacina de coccidiose), que está altamente correlacionada à saúde respiratória das aves, período mínimo do vazio sanitário (ao menos 14 dias), redução da densidade dos galpões e controle da coccidiose, extremamente importante para a manutenção da saúde intestinal, sendo o período critico entre 14 a 17 dias de idade.
Após a transição entre a produção convencional ou ABF para a produção NAE norte-americana, foram realizadas pesquisas com nutricionistas e sanitaristas das empresas avícolas para verificar os principais desafios encontrados nessa produção. De acordo com Mathis (2015), para os sanitaristas os principais desafios era o controle de coccidiose, seguido pela enterite necrótica, estando, em alguns casos, as doenças associadas entre si. A enterite necrótica associada às diferentes espécies de Eimeira mostra mortalidade maior pela associação com Eimeria maxima (45% de mortalidade), seguida pela associação com Eimeria brunetti, Eimeria necatrix e Eimeria acervulina, com percentual de mortalidade de 20%, 10% e 5%, respectivamente.
Para os nutricionistas das empresas NAE norte-americanas, os principais desafios desta produção seriam a própria retirada dos antibióticos e a construção de um programa de substitutos naturais no que tange à manutenção dos resultados dos lotes, principalmente a mortalidade inicial e a conversão alimentar final, a produção de frangos orgânicos e de crescimento lento, principalmente no que se refere à incidência de peito amadeirado. Devido a isso, a produção NAE vem se concentrando principalmente em aves de peso de abate mais baixo, conforme evidenciado no gráfico a seguir publicado pelo Agristats (2019).
Alternativas nutricionais como suporte à produção ABF e NAE
Com a redução do uso dos antibióticos na produção de frangos de corte, o uso de alternativas foi necessário para a construção de um novo programa de aditivos substitutivos aos antibióticos melhoradores de desempenho no sistema ABF e, além destes, também os anticoccidianos para o sistema NAE.
Alguns pontos devem ser destacados quanto à utilização de programas e produtos alternativos aos antibióticos, visto que os aditivos nutricionais não funcionam como os antibióticos, sendo este um ponto extremamente importante, uma vez que os produtores buscam uma solução simples ou um único aditivo para substituir os antibióticos. É importante ressaltar, ainda, que a flexibilidade é extremamente importante e necessária para a construção de um programa de aditivos alternativos, pois os desafios de cada empresa são específicos, uma vez que se tratam de diferentes sistemas de produção e de complexos produtivos.
Programas alternativos tornaram-se mais amplos e complexos, uma vez que se deve pensar em produtos alternativos direcionados à melhoria do desempenho zootécnico, auxílio no controle da coccidiose, modulação da microbiota, atuação sobre a saúde intestinal e suporte à imunologia, dentro tantos outros.
É conhecida uma vasta categoria de aditivos nutricionais disponíveis para a construção de um programa de aditivos substitutos aos antibióticos, podendo destacar probióticos, prebióticos, ácidos orgânicos, enzimas exógenas, aditivos anti-micotoxinas e fitogênicos, sendo mais estudados os óleos essenciais, taninos, flavonoides e as saponinas.
O uso de saponinas, principalmente produtos que apresentam saponina triterpênica na sua composição, vem se destacando na produção NAE norte-americana, principalmente devido ao suporte imunológico e no controle da coccidiose que essas substâncias oferecem. Dentre outras propriedades das saponinas, destaca-se melhora no desempenho zootécnico, redução da amônia, modulação da microbiota intestinal, atividade antioxidante e anti-inflamatória, melhoria da metabolizabilidade dos nutrientes e da permeabilidade das células intestinais, além das propriedades antifúngicas e inibitórias de bactérias gram-positivas.
Considerações finais
É uma tendência mundial a redução do uso de antibióticos na produção animal, principalmente como promotor de crescimento. Para isso, se torna necessário o desenvolvimento de um programa de aditivos alternativo.
Vale ressaltar que os aditivos nutricionais não funcionam como os antibióticos. Portanto, não existe apenas um aditivo nutricional que poderá substituir o antibiótico seja ele melhorador de desempenho ou coccidiostático.
Estratégias nutricionais devem ser personalizadas de acordo com o desafio de cada empresa. Portanto, os programas nutricionais são específicos e apresentam resultados que variam de acordo com localização, época do ano e condição sanitária, entre outros fatores.
No processo de redução do uso de antibióticos e busca por aditivos nutricionais para essa substituição, as saponinas triterpênicas vem apresentando excelentes resultados, ao mostrar benefícios na produção de frangos de corte. Seu uso é crescente na produção de frangos NAE.