Introdução
Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovar Gallinarum (SG) é caracterizada como uma bactéria gram-negativa e imóvel (GRIMONT & WEILL, 2007). Tal bactéria infecta a ave causando o tifo aviário. Esta é altamente patogênica para aves de qualquer idade, no entanto a sua ocorrência é mais comum em aves adultas (BERCHIERI JUNIOR & FREITAS NETO, 2009).
Segundo Barrow et al. (2012), casos de tifo aviário são comuns em países onde não há um controle efetivo da enfermidade, seja através de um bom manejo sanitário até o destino das carcaças, sendo assim, o Brasil como um país de vasto território, esse controle se encontra em deficiência e o tifo aviário se expandindo.
Segundo Rasschaert et al. (2005), existem relatos de variações nos perfis genéticos de entre estirpes de mesmo biovar (SG ou Salmonella enterica subsp. enterica sorovar Gallinarum biovar Pullorum). Para isso, a identificação de estirpes variantes, que são clonais ou aquelas que possuem variações no conteúdo genético, daria suporte para investigações epidemiológicas (origem/disseminação) durante surtos de tifo aviário no campo.
A utilização metodologias moleculares seria útil para comparar e discriminar perfis genéticos de isolados de SG. Essas ferramentas permitiriam, por exemplo, verificar se a estirpe de SG isolada de casos recentes de tifo aviário seria a mesma de anos anteriores ou, ainda, se seria a mesma envolvida em surtos ocorridos em diferentes regiões brasileiras. Entretanto, estudos que adotam métodos moleculares para estudos dos perfis genéticos de estirpes de SG são praticamente inexistentes (LIBEANA et al., 2001).
A técnica molecular do ERIC-PCR (Enterobacterial Repetitive Intergenic Consensus-PCR) permite comparar e identificar variações no conteúdo genético de estirpes bacterianas homólogas (Versalovic et al., 1991) e poderia ser adotada para comparar os isolados de SG. Diante do exposto o presente estudo teve como objetivo a aplicação da metodologia do ERIC-PCR para comparação do perfil genético entre estirpes de SG.
Material e Métodos
Estirpes
Foram utilizadas 22 estirpes de SG isoladas de aves com tifo aviário. Estes, isolados de casos atendidos na rotina do laboratório de Ornitopatologia da FCAV/Unesp ou cedidas por laboratórios nacionais de referência (Lanagro e Fiocruz). Todas as estirpes foram mantidas congeladas em freezer a -80 °C no laboratório de Ornitopatologia da FCAV/Unesp até o seu uso.
Extração de DNA
Para a extração do DNA bacteriano adotou-se o método tradicional publicado por Marmur (1961) com algumas modificações.
PCR e visualização dos fragmentos
A metodologia da ERIC-PCR foi realizada segundo Fendri et al. (2013) com algumas modificações.
Os produtos (amplicons) de PCR foram aplicados em gel de agarose a 1,5 %, corado com GelRedTM Nucleic Acid Stain (Biotium) diluído na proporção 1:500 e submetidos à eletroforese a 4V/cm por uma hora. O gel foi analisado em aparelho fotodocumentador Gel DocTM EZ System (Bio-Rad) sob luz ultravioleta para captação das imagens.
Análise dos resultados
A similaridade entre os perfis genéticos das estirpes intra-biovar foi obtida usando-se o coeficiente de dissimilaridade de Dice a 1% de tolerância e 0,5 % de otimização. Baseado nos resultados obtidos a partir dessa análise, construiu-se o dendrograma, agrupando as estirpes, por meio do “software” BioNumerics versão 7.1 utilizando o método de agrupamento UPGMA (Unweighted Pair Group with Arithmetic Mean).
Resultados e Discussão
O tifo aviário é uma doença que acometem as aves causando graves perdas econômicas no segmento avícola (BERCHIERI JUNIOR & FREITAS NETO, 2009). A caracterização dos isolados presentes em um surto permite ao médico veterinário rastrear o foco de disseminação do patógeno e à adoção de medidas preventivas e de controle mais eficientes.
A ERIC-PCR é uma metodologia molecular que permite caracterizar estirpes bacterianas, tornando possível uma investigação epidemiológica (DORNELES et al., 2014; VERSALOVIC et al., 1991). Segundo Fendri et al. (2013), tal técnica possuiria bom poder discriminatório e alta reprodutibilidade quando comparada a outras metodologias baseadas em DNA fingerprinting. No presente estudo, a ERIC-PCR foi utilizada para caracterizar o perfil genético de 22 estirpes de SG isoladas em diferentes épocas e estados brasileiros a fim de traçar o perfil epidemiológico deste biovar no Brasil.
Os dados obtidos nesse experimento sugerem que as estirpes que causam surtos de tifo aviário em determinada região tendem a serem limitados a esse local. Por exemplo, os subgrupos G e H foram formados por estirpes isoladas apenas em São Paulo ou Sul do país, respectivamente (Figura 1). Sabe-se que SG, possui muitos problemas na biossíntese de moléculas devido à perda de genes no genoma (formação de muitos pseudogenes) e, por isso, supostamente teriam pouca viabilidade fora do hospedeiro (McMEECHAN et al., 2005). Dessa forma, a disseminação do micro-organismo por longas distâncias geográficas (estados distantes) não seria simples, mas dependente de transporte ativo da bactéria. Uma possibilidade poderia ser o comércio, não intencional, de animais doentes de uma região para outra, levando a instalação de um surto local causado por um clone característico de outro estado.
Seguindo-se por essa mesma linha de raciocínio, observou-se que entre os isolados de SG, aqueles do subgrupo B [SG_13 (São Paulo, 1996), SG_15 (Minas Gerais, 2002) e SG_17 (Rio Grande do Sul, 1999)] apresentaram perfis genéticos idênticos mesmo se tratando de micro-organismos isolados em locais distantes e em diferentes anos. Levando-se em consideração que a principal forma de propagação de SG é a transmissão horizontal, essa informação nos remete à hipótese de que tais clones teriam sido ativamente transportados de um estado para o outro, embora os nossos dados não nos permitam inferir de qual estado esse clone poderia ter partido. A instalação desse clone nos novos estados refletiria uma falha nos programas de biosseguridade, como por exemplo, a ausência de um período de quarentena antes de misturar os animais adquiridos com os demais do plantel.
A variabilidade genética evidenciada por ERIC-PCR não teria a princípio qualquer ligação com o potencial patogênico das estirpes, uma vez que os fragmentos alvos amplificados são sequências repetitivas distribuídas no cromossomo bacteriano. Dessa forma, não é esperado que estirpes agrupadas nos diferentes perfis, possuíssem diferentes relações parasita-hospedeiro com as aves. Pensando nessa hipótese, notou-se que as estirpes SG_5, SG_10 e SG_194 (subgrupo G), algumas das quais isoladas recentemente, apresentaram seu perfil genético idêntico ao da estirpe altamente patogênica SG 287/91 (SG_111) isolada em 1991 de aves infectadas no estado de São Paulo. Esse resultado torna claro que o mesmo clone que causava doença naquela época ainda é responsável por parte dos casos de tifo aviário que ocorre no estado.
Figura 1. Dendrograma de agrupamento das 22 estirpes de SG isoladas do campo obtido pelo método do UPGMA utilizando-se o índice de similaridade de Dice. A análise detalhada demonstrou a existência de três linhagens (perfis) dentro deste biovar (ponto de corte 1) e um total de sete variantes dentro das linhagens (ponto de corte 2).
Conclusões
A partir dos resultados e análises feitas acima, pode-se concluir que a metodologia ERIC-PCR é capaz de comparar e analisar os perfis genéticos de isolados de SG, além ser possível utilizar o seu poder discriminatório e confiabilidade para a investigação epidemiológica em surtos de Tifo Aviário, para que as devidas medidas de biosseguridade possam ser tomadas.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq e a FAPESP pelo apoio financeiro. E também a todos aqueles que nos ajudaram direta ou indiretamente para alcançar os resultados desta pesquisa.
Referências Bibliográficas
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***O trabalho foi originalmente apresentado durante o XIII Congresso da APA – Produção e Comercialização de Ovos, “Ovo todos os dias: só faz bem!”, em Ribeirão Preto, entre os dias 17 e 19 de março.