Introdução
A produção de ovos para consumo direto e produtos de ovo, na Argentina, está crescendo de forma sustentável na proporção de 3% anual, com um incremento das exportações de até 20% anual. Entre Ríos participa com 21% da produção de ovos em nível nacional e processa 27% do ovo industrializados na Argentina (Irigoyen, 2010). Por outra parte, a epidemiologia da Salmonella Enteritidis conta a história de um patogênico que encontrou um nicho biológico em ovos de galinha e várias pesquisas informam sobre a associação com surtos de doença transmitida por ovos e produtos de ovo (Gantois et al., 2009). A infecção por Salmonella constitui uma das principais causas de morbidade em nosso país e é um dos patogênicos mais isolados em doenças de transmissão alimentar (Sandoval & Terzolo, 1989; Caffer & Pichel, 2006).
Foi observado que a Salmonella pré-adaptada a condições ácidas, ou seja, que tiveram um contato prévio com um meio ácido e logo depois inoculadas em diversas matrizes (meios de cultivo, alimentos) apresentavam maior resistência a outros fatores de estresse, como pode ser o calor. Este mecanismo induzível é conhecido como resposta de tolerância ao ácido. Existem diferentes formas de conseguir adaptação dos micro-organismos às condições ácidas, em forma gradual ou mediante o uso de um choque ácido, em cujo caso a adaptação se produz violentamente. Na adaptação mediante choque ácido, os micro-organismos são inoculados e desenvolvem durante um período, num meio de desenvolvimento determinado, com um pH final próximo à neutralidade, e logo após eles são submetidos a uma diminuição brusca de pH mediante o uso de algum agente acidulante (pH final ácido). Na adaptação gradual, os micro-organismos são inoculados durante um período, num meio de desenvolvimento determinado que apresenta em sua composição um excesso de glicose. Como produto da utilização da glicose, se produz uma diminuição gradual do pH do meio, provocando a adaptação dos micro-organismos, presentes neste meio, em forma lenta. A indução do mecanismo de adaptação ao ácido poderia proporcionar resistência contra outros fatores de estresse como o calor (Malheiros et al., 2009).
O objetivo deste trabalho foi estudar a resistência térmica de sorotipos de Salmonella, isolados de ovo, em albumina desidratada e nas temperaturas utilizadas nos processos de pasteurização em cultivos previamente adaptados e não adaptados a ácido.
Materiais & Métodos
Isolamento e tipificação de linhagens
Foram realizados estudos de isolamento da Salmonella em 120 lotes de 5-15 ovos de galinha escolhidos intencionalmente (ovos sujos ou rachados) e cascas de ovo, durante dois anos e nos meses de abril a novembro. Foram tomadas amostras em granjas comerciais e domésticas e em comércios da cidade de Gualeguaychú, Entre Ríos. Os ovos foram mantidos à temperatura ambiente até sua análise. Para o isolamento de linhagens se utilizou a técnica : ISO 6579-2002. A sorotipificação somática e flagelar se realizou segundo o Manual de Procedimentos Salmonella Parte I: Isolamento, Identificação e Sorotipificação do INEI-ANLIS "Dr. Carlos G. Malbrán e em forma conjunta com o Instituto de Produção de Biológicos do organismo mencionado. Todas as linhagens foram armazenadas a - 30 ºC em 50% (v / v) de glicerol. Para os estudos, foram mantidas a 4 ºC em ágar tripteína soja ou se subcultivaram caldo em infusão cérebro coração (BHI) a 37º C durante 24h, antes de utilizá-las nas experiências.
Sobrevivência de linhagens de Salmonella pré-adaptadas gradualmente a condições ácidas
As linhagens foram cultivadas de forma paralela, em caldo nutritivo (CN) e em caldo nutritivo suplementado com 10 g/l de glicose (CNG). A incubação foi realizada a 37ºC, durante 18 horas, em condições estáticas. Logo após se mediu o pH do cultivo e se semeou soja em Ágar tripteína para avaliar sua viabilidade (Malheiros et al., 2009). Para os estudos de adaptação a ácidos em processo de choque, as linhagens foram incubadas em CN suplementado com ácido acético aos seguintes pH: 3.5- 4.0 y 4.5, por 24-72 h. Para determinar a sobrevivência dos cultivos, foram semeados em superfície em Ágar tripteína soja (ATS), mais extrato de levedura 0,6% (para a melhor recuperação das células afetadas) por 6h a 37ºC.
Efeito da adaptação ao ácido na inativação por calor de linhagens de Salmonella em albumina desidratada
Para os ensaios de inativação térmica de cultivos não adaptados, se partiu do crescimento em BHI e para os cultivos adaptados a ácido, do crescimento em CNG. Foram centrifugados, se eliminou o sobrenadante e se voltou a suspender o precipitado em água de peptona 0,1% estéril até obter um valor de densidade óptica entre 0.4-0,5 a 600nm. A albumina desidratada e pasteurizada industrialmente, por processo "hot room" a 82 ºC por 14 h, foi avaliada microbiologicamente e inoculada com aproximadamente 1ml/g deste inóculo, dispersado por spray, posteriormente se secou em estufa a 50ºC. Em ambas matrizes homogeneizadas se determinou a densidade da população de cada inóculo por semeadura em superfície, em ATS a 37ºC por 24 h. Logo após os tubos capilares estéreis de cada uma das matrizes a serem ensaiadas foram carregados, selados e submersos totalmente num banho d'água de temperatura controlada (Oteiza et al., 2003). A diferentes tempos de tratamento, foram retirados dois tubos capilares do banho térmico e esfriados em gelo para efeito de deter o processo de aquecimento. Os capilares foram limpos com álcool e rompidos assepticamente num só extremo. Fora realizadas diluições seriadas (1:10) em água de peptona 0.1% que foram semeadas em superfície e por duplicado em ATS + extrato de levedura (0,6%). A incubação foi a 37ºC, durante 24h. as recontagens se expressaram em UFC/ml ou g, segundo a matriz. Para cada temperatura, os valores de inativação térmica D (tempo necessário para reduzir 90% do valor D) foram determinados por regressão linear.
Resultados & Discussão
Foram isoladas 14 linhagens de Salmonella sp. das quais foram sorotipificadas: 2 de S. Enteritidis e 1 de S. Oranienburg, de 30 lotes de ovo inteiro e 1 de S. Enteritidis, 3 de S. Typhimurium, 4 de S. Montevideo, 2 de S. Hadar e 1 de S. Infantis de 90 lotes de casca de ovo. Sorotipos similares foram relatados por Gantois et al. (2009) em ovo de galinha.
Foram estudados os micro-organismos presentes na albumina desidratada e pasteurizada: recontagem de heterótrofos totais: 6-9x102 UFC/g; coliformes totais: 10-100 UFC/g; Fungos e leveduras:10-70ufc/g; Bacilluscereus: > 10ufc/g; Salmonella sp: ausência em 25g.
Sobrevivência em condições ácidas de S. Enteritidis e S. Typhimurium
O trabalho foi realizado com uma linhagem de cada sorotipo. O pH inicial do CN, antes de inocular, foi de 7,37±0,12. Os valores de pH final variaram entre 4.28- 4.42±0.02 para S. Enteritidis e 4.10-4.38±0.03 para S. Typhimurium. As recontagens iniciais e finais foram: 8.34 log UFCml-1-7.02 log UFCml-1 para S. Enteritidis e 8.22 log UFCml-1-7.30 log UFCml-1para S. Typhimurium. Estes cultivosforam inoculados em CN pH 3.5, 4.0 e 4.5 em ácido acético. Os valores D para S. Enteritidis foram: 26.33± 4.35min a pH 3.5; 44.23± 5.7 min a pH 4.0 e 157.88± 48.7 min a pH 4.5. Para S. Typhimurium foi de 20.35± 1.75 min a pH 3.5; 36.83±18.26 min a pH 4.0 e 85.98±22.7 min a pH 4.5. A análise de variância mostrou que existem diferenças significativas nos tempos de redução decimal induzidos por baixo pH de ambos sorotipos e, em particular, a pH 4.5 (p<0.05). S. Enteritidis mostrou maior resistência aos diferentes pH ensaiados.
Efeito da adaptação ao ácido na inativação por calor de S. Enteritidis e S. Typhimurium em água de peptona e albumina desidratada
Só foi possível determinar os valores D em água de peptona 0,1% nos cultivos adaptados a ácido, enquanto que para os estudos em albumina foram utilizados cultivos adaptados e não adaptados. Todos os ensaios se realizaram em duplicado. Como exemplo, aparecem na Figura 1 os gráficos de sobrevivência da S. Enteritidis em albumina desidratada nas três temperaturas estudadas.
Fig. 1. Curva de sobrevivência de cultivos adaptados (A) e não adaptados a ácido (B) de S. Enteritidis em albumina desidratada durante o tratamento a 72, 77 e 82ºC
Os dois sorotipos resultaram protegidos aos efeitos letais do calor pela adaptação a ácido. Os valores de D e z obtidos aparecem na Tabela 1.
Tabela 1. Resistência térmica da Salmonella
AA: adaptado a ácido; NA: não adaptado.
Existem diferenças significativas nos valores de D a cada temperatura, segundo o sorotipo estudado em água de peptona. A S. Enteritidis (AA) apresentou maiores valores de D que a S. Typhimurium (AA). O valor D se incrementou 1270 vezes para S. Enteritidis e 1400 vezes para S. Typhimurium, em albumina desidratada, com relação à termorresistência em água de peptona, atribuíveis, na albumina, a sua baixa atividade de água que foi de 0.366±0.05, assim como outros constituintes da matriz que exerceram efeito protetor sobre os micro-organismos. Em albumina desidratada, a adaptação prévia a ácido incrementou, em média, 3 vezes o valor D para S. Enteritidis e 2,3 vezes em S. Typhimurium com relação aos cultivos não adaptados. A análise de variância mostrou que existem diferenças significativas nos tempos de redução decimal a cada temperatura nos sorotipos estudados e que a adaptação a ácido tem um efeito significante nos valores D destas bactérias (p< 0,05).
Estes resultados são importantes no campo da tecnologia de alimentos e da segurança alimentar, porque devem ser considerados com maior cuidado os tempos e as temperaturas de tratamento de pasteurização da albumina que garantam a destruição tanto das linhagens não adaptadas, como das adaptadas a ácidos.
Conclusões
S. Enteritidis e S. Typhimurium mostraram maior resistência aos efeitos do pH a 4,5. Na água de peptona, os estudos de morte térmica indicaram que a S. Enteritidis (AA) apresentou maiores valores de D que a S. Typhimurium (AA). A temperaturas entre 72 e 82ºC, as linhagens de Salmonella - previamente adaptadas a ácido - incrementam a resistência térmica em albumina.
Bibliografia
Caffer MI & Pichel M. 2006. Evolución de la salmonelosis y brotes hospitalarios por Salmonella spp. en los últimos 15 años, pp. 209-215. En Temas de zoonosis III, Cacchione RA, Durlach R, Larghi OP, Martino P (eds.). Asociación Argentina de zoonosis. Bs. As., Argentina.
Gantois I, Ducatelle R, Pasmans F, Haesebrouck F, Gast R, Humphrey TJ, Van Immerseel F. 2009. Mechanisms of egg contamination by Salmonella Enteritidis. FEMS Microbiology Reviews 33:718-738.
Irigoyen D. 2010. Los nuevos paradigmas en la expansión de la avicultura del huevo y ovoproductos. 2do. Curso Fanus 2010. Buenos Aires.
Malheiros PS, Brandelli A, Noreña CPZ, Tondo EC. 2009 Acid and thermal resistance of a Salmonella Enteritidis strain involved in several foodborne outbreaks. Journal of Food Safety 29:302-317.
Oteiza JM, Giannuzzi L, Califano A. 2003. Thermal inactivation of Escherichia coli O157:H7 and Escherichia coli isolated from morcilla as affected by composition of the produc. Food Research International 36:703-712.
Sandoval VE & Terzolo HR. 1989. Las infecciones por Salmonella enterica subsp. Enterica serovar. Enteritidis afectan seriamente a la producción avícola argentina y constituyen un problema de salud pública. Rev. Arg. Prod. Anim. 9(Sup. 1):132-134.