Introdução
O Brasil é considerado atualmente o maior exportador de carne de frango do mundo, ocupando a terceira posição do ranking mundial na produção dessa carne (UBA, 2009) e a quinta posição em produção de ovos (FAO, 2010).
Para a manutenção da avicultura brasileira e conservação dos seus altos índices de produção e exportação de produtos avícolas, são exigidas medidas de prevenção e controle de alguns agentes de enfermidades infecciosas em aves comerciais, como por exemplo, Salmonella spp.
A incidência de infecção alimentar por Salmonella spp. vem aumentando em várias partes do mundo, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico na produção de alimentos e da adoção de melhores medidas higiênicas e sanitárias. Os alimentos de origem animal continuam a ser os principais responsáveis pela infecção humana, entre eles, a carne de aves, ovos e seus derivados (Gast et al., 2008).
Muitos dos sorotipos do gênero Salmonella podem sobreviver por semanas ou meses no esterco e na cama de frangos, nas excretas de aves silvestres, nos equipamentos, em galpões vazios e no solo dos seus arredores, nas partículas de poeira, nos comedouros e na ração (Davies & Wray, 1996; Berchieri Junior & Freitas Neto, 2009).
O objetivo deste trabalho foi pesquisar a presença de Salmonella spp. em materiais oriundos de quatro grupos de animais/ambientes: frangos de corte aves selvagens, fezes de roedores que freqüentam as instalações avícolas, fezes de suínos criados em galpões na mesma propriedade, além de verificar a patogenia dos diferentes sorotipos de Salmonella isolados quando inoculados em pintos de um dia.
Materiais & Métodos
A pesquisa foi realizada em cooperação com uma granja avícola de frango de corte, localizada no Estado de São Paulo. As amostras provenientes dos frangos de corte (carcaças de pintos de um dia e de frangos adultos, caixas de transporte de pintos ao chegarem na granja, ração no silo e nos comedouros, água do abastecimento da granja e nos bebedouros, fezes - desde a fase de pintainhos até o abate, cama aviária e cascudinhos - Alphitobius diaperinus, encontrados na cama); foram colhidas de seis lotes de frangos, durante os 45 dias de permanência na granja. As aves selvagens que frequentam galpões avícolas foram capturadas no período de um ano, de acordo com autorização do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (autorização n° 14909-1 - registro no IBAMA n° 1902993), colhendo-se suabes de cloaca, órgãos e conteúdo intestinal dessas aves. No total foram analisadas 36 aves selvagens, sendo todas capturadas no interior de galpões de frangos de corte, principalmente durante o vazio sanitário dos galpões. Durante esse período foi observado um aumento do número de aves selvagens dentro dos galpões em busca de alimentos. Dentre as aves, 14 foram anu preto (Crotophaga ani), 9 rolinha (Columbina talpacoti), 3 pomba (Zenaida auriculata), 3 pica-pau do campo (Colaptes campestris), 2 anu branco (Guira guira), 2 pomba (Patagioenas plumbea), 2 quero-quero (Vanellus chilensis) e 1 bem-te-vi (Pitangus sulphuratus). Todas as aves foram examinadas (estado nutricional, coloração de mucosas, aberturas naturais e presença de ectoparasitas) e em nenhuma ave apresentou sinais de alteração nos parâmetros avaliados.
Foram encontradas e colhidas fezes de roedores de diversas espécies, que freqüentam as instalações avícolas. Na mesma propriedade existiam além dos galpões de frangos de corte, quatro galpões de criação de suínos de várias faixas etárias, das quais foram colhidas amostras de fezes.
Todos os materiais colhidos foram colocados em frascos estéreis individuais, contendo Água Peptonada Tamponada a 1% e incubados 24h a 37°C. Desse cultivo inicial, foram transferidos 2mL para tubos contendo 20mL de caldo selenito/novobiocina (SN) e alíquotas de 0,2mL para tubos contendo 20mL de caldo Rappaport (RP), que foram incubados 24 h a 37°C. Em seguida os caldos foram semeados em meios em ágar de MacConkey, Verde brilhante (VB) e Xilosa Lisina Tergitol 4 (XLT-4), e incubados 24h a 37°C. As colônias sugestivas de pertencer ao gênero Salmonella foram inoculadas nos meios presuntivos TSI (tríplice açúcar e ferro) e LIA (ágar lisina ferro), e incubados a 37°C/24h. A confirmação e a tipificação dos sorotipos isolados foram feitas pelo Instituto Adolfo Lutz de São Paulo-SP.
Os sorotipos de Salmonella isolados foram preparados para a resistência ao ácido nalidíxico na concentração de 50µg/mL. Posteriormente, todas as culturas de Salmonella spp. foram preparadas em 10mL de caldo Luria-Bertoni (LB) a 37ºC por 24 horas em agitação (100 rpm). Em seguida, 0,1mL da cultura foi diluída em solução salina tamponada pH 7,4 (PBS) na proporção de 1:10 e diluídas decimalmente até 10-6. De cada diluição foi transferido 0,1mL para uma placa contendo ágar VB o qual foi incubado por 24h a 37ºC. Decorrido este período, procedeu-se à contagem bacteriana. As culturas continham 1,2 x 108 unidades formadoras de colônias/mL (UFC/mL).
Para a realização da infecção experimental, foram utilizados pintos de um dia de idade, não vacinados para Marek, de linhagem comercial procedentes de um incubatório localizado no Estado de São Paulo. O experimento foi conduzido em salas isoladas com controle de temperatura, luminosidade (artificial) e ventilação, com nível de biossegurança dois. As aves foram mantidas em baterias metálicas, recebendo água (autoclavada) e ração "ad libitum". A ração era à base de milho, soja e premix, sem adição de antibióticos. Foram realizadas inicialmente, culturas para pesquisar a presença de Salmonella spp. na ração e no fundo das caixas de transporte (mecônio) no momento da chegada dos pintinhos do incubatório. As aves foram separadas em grupos de 15 aves cada, sendo que cada ave recebeu via sonda no papo 0,1mL da cultura contendo 1,2 x 108 UFC/mL. As aves foram observadas, duas vezes ao dia para verificar a presença de sinais clínicos e mortalidade.
Após as inoculações de Salmonella, nos intervalos de tempo de 24 horas, 8, 15 e 21 dias foram colhidas amostras de fezes da cloaca de cada ave, usando suabes de algodão estéril e posteriormente, cada amostra foi processada individualmente. A metade do lote de aves foi sacrificada (deslocamento cervical) aos 15 dias pós-infecção (dpi) e o restante das aves com 21 dias. Foram colhidos suabes de fígado, baço e conteúdo cecal de cada ave para serem incubadas em caldo selenito adicionado de novobiocina (SN) a 37°C por 24 horas. Em seguida, os caldos foram semeados em placas contendo ágar VB com ácido nalidíxico (50µg/mL) e incubados a 37°C por 24 horas e posteriormente foi realizada leitura das placas para verificar a presença de Salmonella em órgãos e conteúdo cecal. Os órgãos foram observados quanto a presença de alterações macroscópicas, logo após a eutanásia e microscópicas por meio de lâminas histopatológicas.
Resultados & Discussão
Quanto a presença de Salmonella em aves selvagens, somente em uma ave (Colaptes campestris - pica-pau-do-campo) isolou-se S. Heidelberg de órgãos e conteúdo intestinal. Vários autores também conseguiram isolar Salmonella em aves selvagens (Sousa et al., 2010a; Sousa et al., 2010b). Ao analisar microscopicamente os órgãos dessa ave selvagem positiva, somente foi observado antracose moderada difusa periparabronquial em pulmão.
Quanto às amostras colhidas oriundas de frangos de corte, das 25 amostras de água, duas foram positivas para Salmonella spp. (S. Glostrup; S. enterica subsp. enterica 6,8:d:-), das 36 amostras de fezes de frangos, sendo que uma amostra corresponde a um "pool" de 10 suabes com fezes, quatro foram positivas para Salmonella spp. (S. Heidelberg; S. enterica subsp. enterica 6,7:R:-; S. enterica subsp. enterica 4,5,12:R:-; S. Tennessee). Entre as 47 amostras de camas, sendo que uma amostra corresponde a um "pool" de 10 suabes de camas, três foram positivas para Salmonella spp. (S. enterica subsp. enterica 4,5,12:R:-; S. Heidelberg; S. Infantis). Das 25 amostras de insetos, sendo que uma amostra corresponde a um "pool" de 15 gramas de insetos, uma amostra foi positiva para Salmonella spp. (S. Tennessee).
De 15 amostras de fezes de suínos colhidas, sendo que uma amostra corresponde a um "pool" de 10 suabes com fezes, quatro foram positivas para Salmonella spp., destas 2 do mesmo sorotipo (S. Panamá e S. Typhimurium).
Todas as 30 amostras de fezes de roedores analisadas, sendo que uma amostra corresponde a um "pool" de 20 gramas de fezes, foram negativas para o isolamento de Salmonella spp.
Diversos sorotipos de Salmonella spp. também foram isolados em pesquisa realizada com produtos avícolas (ração, cama aviária, farinha de carne) (Hofer et al., 1998; Andreatti Filho et al., 2001).
O sinal clínico observado nos pintinhos durante a infecção experimental foi a presença de fezes moles no chão das gaiolas e ao redor da cloaca das aves, sugerindo quadro de diarréia, entre o 3° dpi e 12° dpi. Houve uma morte no decorrer do experimento, no grupo da S. enterica subsp. enterica 6,7:R:-. Todos os suabes cloacais realizados nas 15 aves de cada grupo no 1° dpi foram positivos, exceto no grupo da S. Panamá, onde duas aves não eliminaram a Salmonella no momento da realização do suabe. Com exceção de uma ave do grupo da S. Tennessee não eliminou o agente no 8° dpi. Os suabes cloacais de todas as aves dos 9 grupos de Salmonella foram positivos no 15° dpi. Alguns autores relataram a excreção de Salmonella spp. pelas fezes por longo tempo (Pinheiro et al., 2001; Oliveira et al., 2005; Ribeiro et al., 2005).
A metade das aves foi sacrificada aos 15 dpi e o restante aos 21 dpi. Durante a necropsia foi colhido assepticamente suabes de fígado, baço e conteúdo cecal para verificar em qual órgão foi possível isolar Salmonella spp. Aos 15 dpi, os sorotipos de Salmonella estiveram presentes no fígado e baço de 27 (20%) aves, no entanto presentes em todas as amostras do conteúdo cecal. Aos 21 dpi, os sorotipos de Salmonella estiveram presentes no fígado e baço de 16 (11,8%) aves, mas continuou presente em todas as amostras do conteúdo cecal. Esses resultados coincidem com o observado por Ribeiro et al. (2005) ao pesquisar S. Kottbus em pintos de um dia.
Durante a necropsia dos pintos, foram observadas lesões macroscópicas, tais como: fígado pálido, fígado manchado, baço aumentado de volume, músculos da coxa e peitoral com petéquias, principalmente nos sorotipos S. Tennessee, S. Panamá, S. Glostrup, S. Infantis. Quanto às alterações microscópicas em órgãos dos pintinhos experimentalmente infectados, foram observadas principalmente as presenças de granulócitos em baço e bolsa cloacal e, células caliciformes em duodeno, íleo e ceco.
Conclusões
Por meio dessa pesquisa, foi possível isolar sorotipos de Salmonella spp. de materiais colhidos em granjas de frangos de corte e de suínos e em ave selvagem que freqüenta as instalações avícolas, mostrando a presença desse agente em diversos materiais analisados. Esses sorotipos, quando inoculados em pintos de um dia, mostrou que a ave elimina o agente pelas fezes por longo tempo, assim tornando portadora/reservatório do agente e disseminando para o ambiente contaminando água, ração, cama aviária.
Bibliografia
Andreatti Filho RL, Fernandes SA, Boretti LP, Barros MR, Del Bem SR, Fontana A, Sampaio HM, Savano EN. 2001. Sorovares de Salmonella isolados de materiais avícolas no período de 1994 a 1999. Rev Educ Contin. 4:90-101.
Berchieri Junior A & Freitas Neto OC. 2009. Salmoneloses. pp. 435-454. In: Doenças das aves. Berchieri Junior A, Silva EN, Di Fábio J, Sesti L, Zuanaze MAF. (ed), 2.ed. Campinas: FACTA.
Davies RH & Wray C.1996. Persistence of Salmonella Enteritidis in poultry units and poultry food. Brit Poul Sci 37:589-596.
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2010. Disponível na internet . Acesso: 10/12/2010.
Gast RK, Shivaprasad HL, Barrow PA. 2008. Salmonella Infections, pp. 619-674. In: Diseases of Poultry. Saif YM, Fadly AM, Glisson JR, McDougald LR, Nolan LK, Swayne DE. (ed), 12.ed. Blackwell Blackwell Publishing, Athens, Georgia.
Hofer E, Silva Filho SJ, Reis EMF. 1998. Sorovares de Salmonella isolados de matérias-primas e de ração para aves no Brasil. Pesquisa Vet Brás. 18(1):21-27.
Oliveira GH, Berchieri Junior A, Fernandes AC. 2005. Experimental infection of laying hens with Salmonella enterica serovar Gallinarum. Braz J Microbiol. 36:51-56.
Pinheiro LAS, Oliveira GH, Berchieri Junior A. 2001. Experimental Salmonella enterica serovar Pullorum infection in two commercial varieties of laying hens. Avian Pathol. 30:129-133.
Ribeiro SAM, Berchieri Junior A, Orsi MA, Mendonça AO, Ferrati AR. 2005. Experimental infection by Salmonella enterica subsp enterica serovar Kottbus in day-old broiler chickens. Braz J Poult Sci. 7(2):107-112.
Sousa E, Berchieri Junior A, Pinto AA, Machado RZ, Carrasco AOT, Marciano JA, Werther K. 2010a. Prevalence of Salmonella spp. antibodies to Toxoplasma gondii, and Newcastle disease virus in feral pigeons (Columba livia) in the city of Jaboticabal, Brazil. J Zoo Wildlife Med. 41(4):603-607.
Sousa E, Werther K, Berchieri Junior A. 2010b. Assessment of Newcastle and infectious bronchitis pathogens, and Salmonella spp. in wild birds captured near poultry facilities. Arq Bras Med Vet Zoot. 62(1):219-223.
UBA - União Brasileira de Avicultura. Relatório Anual: São Paulo, 2009, 40 p. Disponível na internet . Acesso: 03/01/2011.