Introdução
A paratifose em animais de granja é um problema mundial importante, não só pelas perdas econômicas diretas causadas pela mortalidade de aves jovens, a qual varia segundo a sorovariedade envolvida, o estado sanitário e a imunidade maternal das aves, mas principalmente por provocar uma diminuição do ganho de peso e um aumento dos custos sanitários e preventivos. Por outro lado, as fezes dos animais infectados provocam uma ampla disseminação da bactéria, devido à contaminação de solos, água, plantas, implementos e instalações pecuárias, etc (Suárez & Mantilla, 2000). Algumas aves podem apresentar a doença de forma assintomática, o que contribui para a transmissão ao homem, através do processamento de aves portadoras, aparentemente sadias, para a elaboração de alimentos de origem avícola que resultam assim contaminados em forma direta ou indireta nas plantas de abate (Sandoval et al., 1989; Guard-Petter, 2001; Cogan & Humphrey, 2003; Terzolo, 2006). A globalização, a abertura econômica e o crescimento da indústria avícola incrementaram o consumo e distribuição do frango, ovos e seus subprodutos e, portanto, também aumentou o risco de transmissão da Salmonelose produzida pela S. Enteritidis (SE), por isso, o controle desta zoonose adquire cada vez maior importância (Suárez & Mantilla, 2000; SAGPyA, 2009). Nos últimos anos, a utilização de antimicrobianos e vacinas inativadas e atenuadas para limitar ou prevenir as infecções com a Salmonella spp. em medicina veterinária tem sido questionada devido ao desenvolvimento de resistência bacteriana aos antibióticos, como assim também aos riscos potenciais dos resíduos dos antibióticos e dos adjuvantes das vacinas em produtos alimentares derivados de animais para o consumo humano (Kramer et al., 2001, Hasenstein et al., 2006). Por este motivo, o seu uso foi sendo gradualmente restrito e foram exploradas outras ferramentas para o controle desta doença, assim como a exclusão competitiva, administrando prebióticos e probióticos (Edens et al., 1997; Rahimi et al., 2007). Uma ferramenta complementar para a prevenção de doenças das aves e a geração de produtos e subprodutos alimentares, com maior segurança microbiológica, é a tecnologia IgY. Esta biotecnologia está baseada na utilização de imunoglobulinas de gema de ovo (IgY) que podem ser produzidas através da imunização de galinhas, com diferentes antígenos (Chacana et al., 2004). Foram realizados distintos ensaios relacionando as IgY com a Salmonella. Por exemplo, foi demonstrado que as IgY poderiam ser utilizadas para a tipificação das distintas sorovariedades do micro-organismo (Terzolo et al., 1998), assim como também foi avaliada a potencialidade das IgY específicas para o controle das salmoneloses nas aves. Lee et al. (2002) realizaram um estudo de reações cruzadas entre a IgY produzida contra a SE e a Salmonella Typhimurium (ST). Após a hiperimunização de diferentes galinhas com ambas as bactérias inativadas, estes pesquisadores elaboraram ovo em pó hiperimune mediante liofilização da fração hidrossolúvel da gema do ovo. Mediante provas de ELISA específicas para ambas as sorovariedades, se demonstrou que os anticorpos produzidos contra a SE apresentavam reação cruzada contra a ST em 55,3% e, em forma inversa, as IgY produzidas contra a ST reagiam contra a SE em 42,4%. Além disso, os autores demonstraram que a incubação de SE e ST junto com os anticorpos diminuiu significativamente o desenvolvimento destes micro-organismos em meios de cultivo líquidos. Estes resultados indicam a necessidade de avaliar a capacidade protetora das IgY específicas, em ensaios de laboratório e de infecção experimental em aves, utilizando produtos que contenham imunoglobulinas específicas e que possam ser facilmente escaláveis para a elaboração industrial de aditivos e suplementos nutricionais. Por isso, o objetivo deste trabalho foi a avaliação do efeito da administração de ovo em pó de galinhas hiperimunizadas contra a SE, sobre a excreção da bactéria num modelo de infecção experimental em frangos BB.
Materiais & Métodos
Ovo em pó
Foi utilizado ovo em pó completo (clara e gema), elaborado a partir de ovos de galinhas hiperimunizadas (ovo em pó hiperimune) com uma bacterina contra a linhagem regional SE INTA 86/360 fagotipo 4 (Sandoval et al.,1989). Além disso, se utilizou ovo em pó elaborado a partir de ovos de galinhas não hiperimunizadas (ovo em pó controle). O título de anticorpos aglutinantes anti-SE do ovo em pó foi determinado mediante microaglutinação em placa de 96 cavidades com fundo em U. Foram realizadas diluições seriadas em base log2 ,tanto do ovo em pó hiperimune, como do ovo em pó controle.
Preparação de ração adicionada com ovo em pó
Preparou-se a ração adicionada com 10% (p/p) de ovo em pó hiperimune ou 10% (p/p) de ovo em pó controle. A ração foi misturada com o ovo em pó para garantir sua correta homogeneização.
Desafio experimental de frangos BB
Linhagem utilizada. Para levar a cabo o modelo de infecção experimental, se utilizou a linhagem de SE INTA 1222 que foi isolada a partir de um caso de paratifose aviária.
Aves. Foram utilizados 56 frangos de corte de um dia de vida (linha Cobb-Vantress 508) fornecidos pela empresa Toledo S.A., Mar del Plata, Província de Buenos Aires. Estas aves provinham de matrizes pesadas de 28 semanas de idade. Os pintos foram alojados na sala de desafios do biotério de aves da EEA Balcarce, INTA. Na chegada, se realizou uma amostragem de mecônio de todas as aves para verificar a ausência de Salmonella spp. Durante todo o período de experimentação, os pintos receberam água e ração ad libitum. As aves foram alimentadas com uma ração balanceada comercial livre de Salmonella, elaborada sem produtos de origem animal e livre de aflatoxinas (Tapia, 1985). A ausência de Salmonella spp. na água de bebida e na ração se verificou mediante cultivos de enriquecimento seletivo para Salmonella spp em caldo tetrationato adicionado com verde brilhante 0,1 % v/v e caldo lactosado, respectivamente. Para os subcultivos se utilizaram placas de ágar xilosa-lisina-desoxicolato com o agregado de tergitol 4 ao 0,46% v/v (XLDT).
Tratamentos
Os pintos BB foram divididos em três grupos de 20 pintinhos cada um. A partir do primeiro dia de vida e durante 14 dias, os pintos se alimentaram com: 1) ração convencional; 2) ração suplementada com 10% p/p de ovo em pós hiperimune; 3) ração suplementada com ovo em pó controle. Todas as aves foram abatidas através da deslocação cervical da articulação occipitoatloidea aos 15 dias de vida.
Infecção experimental
Aos 5 dias de vida, os pintos de cada grupo foram desafiados individualmente com 105 UFC/ave de SE INTA 1222 fagotipo 4, utilizando uma sonda por via ingluvial.
Coleta de amostras
Foram coletadas amostras mediante swab cloacal de todos os pintos dos grupos experimentais no 3° e 6° dia pós-infecção (PI). Cada uma das amostras foi incubada em caldo tetrationado durante 48 h a 37ºC. Logo após, foi coletada uma alíquota de cada um dos caldos e foi semeada sobre placas de ágar XLDT. As placas foram incubadas durante 24h a 37ºC. Finalmente se observou a presença de colônias com características típicas de Salmonella, cuja identificação primária foi comprovada mediante a prova bioquímica do metabolismo de ureia para diferenciá-las de outros possíveis micro-organismos com características macroscópicas similares a Salmonella. A diferença percentual na proporção de pintos infectados entre os diferentes grupos experimentais foi analisada estatisticamente através de uma prova de contingência de Chi-quadrado. Valores de P menores a 0,05 foram considerados significativos.
Resultados & Discussão
Título de anticorpos anti-SE no ovo em pó. O título de anticorpos anti-SE determinado segundo microaglutinação no ovo em pó hiperimune foi 1:640, enquanto que o ovo em pó controle apresentou títulos menores a 1:10. Portanto, as aves alimentadas com ração adicionada com ovo em pó hiperimune receberam um nível de anticorpos específicos 64 vezes maior que as alimentadas utilizando como aditivo ovo em pó controle.
Excreção de SE. Ao 3º dia PI não foram observadas diferenças significativas entre os distintos grupos de aves e as porcentagens de isolamento de SE a partir dos swabs cloacais no grupo adicionado com ovo em pó controle e no que recebeu ração sem adição de ovo em pó, ambos foram muito baixos. A Salmonella inoculada pôde ser isolada outra vez somente de algumas das aves examinadas nestes grupos. Ao contrário, no grupo de pintos tratados com ração adicionada com ovo em pó hiperimune a bactéria não foi isolada em nenhuma das aves (Tabela 1). As baixas taxas de excreção de SE nos grupos não tratados durante o terceiro dia PI são as esperadas segundo o modelo de infecção utilizado. Ao 6º dia PI a administração de ração adicionada com ovo em pó hiperimune conseguiu diminuir em 30% a excreção de SE com relação às aves que só receberam ração convencional. Esta diminuição significativa foi devida à presença de anticorpos IgY anti-SE no ovo em pó hiperimune.
Tabela 1. Número de isolamentos (Positivos/Total) de SE 1222 nos dias 3 e 6 pós-infecção a partir de swabs cloacais de grupos de frangos alimentados com ração convencional, ração adicionada com 10% p/p de ovo em pó controle ou ração adicionada com 10% p/p de ovo em pó hiperimune.
a, b Letras distintas na mesma fila indicam diferenças significativas.
A excreção de SE nas aves que receberam ração adicionada com ovo em pó controle foi só 6% menor com relação à excreção no grupo de aves alimentadas somente com ração convencional. O baixo título de IgY anti-SE presente na ração adicionada com ovo em pó controle (1:10) não seria suficiente para conseguir uma diminuição significativa da excreção de SE. Para que a excreção de SE diminua de forma significativa, a ração balanceada consumida pelas aves deve ser adicionada com ovo em pó em alto título de IgY anti-SE, como se pôde comprovar mediante a utilização de ovo em pó hiperimune.
Conclusões
A suplementação da ração balanceada das aves com ovo em pó obtido a partir de galinhas hiperimunizadas com SE diminuiu consideravelmente a excreção de SE, após o desafio experimental. Isto de deve à presença de anticorpos específicos anti-SE no ovo em pó hiperimune. Os resultados obtidos resultam um incentivo para a utilização de ovo em pó hiperimune como aditivo alimentar. Desta forma, se conseguiria diminuir a excreção de SE e, consequentemente, a poluição ambiental, reduzindo o ciclo de reinfecção na granja e as possibilidades de contaminação dos produtos e subprodutos alimentares destinados ao consumo humano. Portanto, baseados nestes resultados, serão realizados novos ensaios em frangos para grelhados durante os 7 dias prévios ao abate, para determinar se a adição de ovo em pó hiperimune resulta efetiva para a diminuição da excreção de SE durante este período.
Bibliografia
Chacana PA, Terzolo HR, Gutierrez Calzado E, Schade R. 2004. Tecnología IgY o aplicaciones de los anticuerpos de yema de huevo de gallina. Rev. Med. Vet. 85:179-189.
Cogan TA & Humphrey TJ. 2003. The rise and fall of Salmonella Enteritidis in the UK. J. Appl. Microbiol. 94:114-119.
Edens FW, Parkhurst CR, Casas IA, Dobrogosz WJ. 1997. Principles of ex ovo competitive exclusion and in ovo administration of Lactobacillus reuteri. Poult. Sci. 76:179-196.
Guard-Petter J. 2001. The chicken, the egg and Salmonella Enteritidis. Environ. Microbiol. 3:421-430.
Hasenstein JR, Zhang G, Lamont SJ. 2006. Analyses of five gallinacin genes and the Salmonella enterica serovar Enteritidis response in poultry. Infec. Immun. 74:3375-3380
Kramer J, Visscher AH, Wagenaar JA, Boonstra-Blom AG, Jeurissen SHM. 2001. Characterization of the innate and adaptive immunity to Salmonella Enteritidis PT1 infection in four broiler lines. Vet. Immunol. Immunopathol. 79:219-233.
Lee EN, Sunwoo HH, Menninen K, Sim JS. 2002. In vitro studies of chicken egg yolk antibody (IgY) against Salmonella Enteritidis and Salmonella Typhimurium. Poult. Sci. 81:632-41.
Rahimi S, Shiraz ZM, Salehi TZ, Torshizi, MAK, Grimes JL. 2007. Prevention of Salmonella infection in poultry by specific egg-derived antibody. Int. J. Poult. Sci. 6:230-235.
SAGPyA (Secretaría de Agricultura, Ganadería, Pesca y Alimentación). 2009. Área avícola- Dirección de Animales Menores y Granja-. www.sagpya.gov.ar/SAGPyA/ganadería/aves
Sandoval VE, Terzolo HR, Moreira AR, Micheo GL, Eiguer T, Caffer MI, Fronchowsky B. 1989. Paratifosis aviaria causada por Salmonella serovar. Enteritidis en Argentina. Rev. Arg. Prod. Animal 9:295-308.
Suárez MC & Mantilla JR. 2000. Presencia de Salmonella serovariedad Enteritidis en productos de origen avícola y su repercusión en salud pública. IATREIA 13:237-245.
Tapia, M. D. 1985. A quantitative thin layer chromatography method for the analysis of aflatoxins, ocratoxin A, zearelenone, T-2 toxin andsterigmatocystin in foodstuff. Rev. Arg. Microbiol. 17:183-186.
Terzolo HR. 2006. Salmonelosis de las aves: Tifosis y Paratifosis. INTA, Estación Experimental Agropecuaria de Balcarce, Departamento de Producción Animal. Boletín Interno 1-11
Terzolo, H. R.; Sandoval, V. E.; Caffer, M. I.; Terragno, R.; Alcain, A. 1998. Aglutinación de inmunoglobulinas de yema de huevo de gallina (IgY) contra Salmonella enterica serovariedad Enteritidis. Rev. Arg. Microbiol. 30 (2): 84-92.