1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da avicultura brasileira moderna foi possível graças a um conjunto de fatores, dentre eles, uma nutrição balanceada, seleção genética de linhagens e da utilização de rigorosos programas sanitários em granjas.
Todavia, no que diz respeito à sanidade, o retardamento da aquisição da microflora intestinal normal, provocado pelo rigoroso programa sanitário, tornou os pintos mais susceptíveis a enfermidades entéricas. As infecções por salmonelas são um dos maiores entraves econômicos, pois afetam o bem estar animal e o nível de produção acarretando anualmente grandes prejuízos à indústria avícola.
Segundo Macari & Maiorka (2000), as técnicas de manejo para a melhoria do desempenho do frango estão na dependência do entendimento do funcionamento dos sistemas orgânicos, pois, através da manutenção da homeostase, o custo energético de mantença pode ser reduzido e aumentar a produção.
As enfermidades entéricas têm sido controladas pelo uso de anti-microbianos como coccidiostáticos, os promotores de crescimento anti-microbianos e medicamentos específicos (FERREIRA & FERREIRA, 2006). Todavia, a crescente preocupação dos consumidores com a possível transmissão da resistência antibiótica a patógenos causadores de doenças humana tem levado a Comunidade Européia a restringir o uso da maioria dos promotores de crescimento anti-microbianos e de medicamentos. Sendo assim, se faz necessário o desenvolvimento de produtos ou formas de controle alternativos que possam prevenir de forma eficaz as enfermidades entéricas ou minimizar os efeitos adversos das mesmas sobre o bem estar animal e sobre a produção.
Uma das medidas importantes a serem tomadas, principalmente no que se refere às salmonelas, é manter a integridade do trato gastrintestinal das aves. Vários métodos têm sido testados a fim de combater ou controlar a colonização do trato intestinal por salmonelas. Um deles, e que vem mostrando-se eficaz durante anos, é o método da Exclusão Competitiva (EC) ou Conceito de "Nurmi". Ele consiste na administração intestinal de microbiota intestinal de aves adultas em aves recém eclodidas, no intuito de excluir a presença de microrganismos indesejáveis devido à aceleração da colonização intestinal por microrganismos benéficos (NURMI & RANTALA, 1973).
Segundo Spencer & Garcia (1995), em aves de exploração comercial, a microbiota normal é adquirida durante as primeiras seis semanas de vida e a proteção das aves jovens contra a colonização por salmonelas parece ser resultado direto da colonização do epitélio intestinal por uma flora bacteriana protetora. De acordo com Oliveira & Berchieri Jr. & Barrow (2000), o tratamento com microbiota intestinal de aves adultas mostrou-se eficiente no controle da transmissão por contato do paratifo aviário em pintos. Dado similar também foi observado por Sterzo et al. (2005), os quais, utilizando uma suspensão de cultura fecal de aves adultas, registraram inibição da colonização do trato gastrintestinal de pintos de um dia por Salmonella Enteritidis.
O objetivo do presente estudo é avaliar o efeito do tratamento pelo método de Exclusão Competitiva (EC) antes ou após a infecção experimental por Salmonella Enteritidis em pintos de corte, machos e fêmeas, durante a primeira semana de vida.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Aves e Tratamentos
O presente experimento foi realizado entre os meses de junho e julho de 2006 nos laboratórios de Ornitopatologia e Histologia/Embriologia da FCAV – UNESP – Jaboticabal.
Foram utilizados 128 pintos recém-eclodidos (64 machos e 64 fêmeas) de linhagem de corte (Cobb ® 500), provenientes de matrizes com 32 semanas de idade. Inicialmente as aves foram separadas pelo sexo e em seguida foram realizados suabes do mecônio das caixas, para confirmar ausência de Salmonella.
Para cada sexo, as aves foram separadas em 4 outros tratamentos com 4 repetições de 16 aves:
• NI: pintos não infectados com Salmonella Enteritidis (Controle);
• I: pintos infectados com Salmonella Enteritidis;
• IEC: pintos infectados com Salmonella Enteritidis e tratados com exclusão competitiva (EC) 24 h após infecção;
• ECI: pintos tratados com EC e infectados com Salmonella Enteritidis 24 h após tratamento
Todas as aves foram acondicionadas em caixas de madeira teladas, previamente desinfetadas, em sala climatizada à 33oC. Elas foram alimentadas com água e ração (22% PB, 2.900 Kcal EM/Kg, isenta de antimicrobianos e anticoccidianos) "ad libitum". A cama composta de maravalha foi autoclavada antes do uso.
Os animais foram pesados e sacrificados por meio de deslocamento cervical, com 1, 3, 5 e 7 dias pós-infecção, sendo utilizados 4 pintos por grupo, um de cada repetição, considerando-se cada ave uma parcela, e durante a necropsia foi coletado e pesado o fígado e a bursa de Fabrício, foram efetuadas também as coletas de conteúdo cecal, para análise microbiológica.
Bactéria, Inoculação e Contagem de Colônias
Foi utilizado um mutante espontâneo de Salmonella enterica serovar Enteritidis, resistente ao ácido nalidíxico e a espectinomicina (SE NalrSpecr), mantido pelo laboratório de Ornitopatologia da FCAV-Unesp de Jaboticabal.
A cultura e o inóculo foram preparados seguindo a metodologia adotada por Oliveira & Berchieri Jr. & Barrow (2000), como se segue: a cultura foi preparada em caldo nutriente e incubada sob agitação (100 movimentos/minuto) a 37°C durante 24 horas. O inóculo foi preparado a partir desta cultura (1,2 x 109 células viáveis por mL de cultivo), diluindo-se 1ml de cultura (1:1000) em caldo nutriente. Foi realizada administração esofágica de 100 Vl de SE NalrSpecr por ave, utilizando-se uma cânula.
Para contagem de Salmonella seguiu o modelo empregado por Barrow & Tucker & Simpson (1987), como descrito a seguir: colheu-se o conteúdo cecal, que foi diluído a 1:10 em solução salina tamponada (PBS pH 7,4). Em seguida, 0,1ml desta suspensão foi submetida a 5 diluições decimais seriadas (até 1:106). Foi plaqueado 0,1ml de cada uma das diluições em ágar verde brilhante contendo ácido nalidíxico (100μg/ml) e espectinomicina (100μg/ml). A contagem das colônias foi realizada após 24 horas de incubação a 37°C e os dados foram expressos como número de unidades formadoras de colônia (UFC) por grama de conteúdo cecal. Estes valores foram transformados em log10 para análise e interpretação dos resultados. Contagens (log10) inferiores a 2 UFC de SE foram indicativas de ausência da bactéria.
Exclusão Competitiva (EC)
Foi efetuada seguindo a metodologia adotada por Oliveira & Berchieri Jr. & Barrow (2000). Uma suspensão de cultura fecal foi obtida misturando-se fezes frescas de aves adultas saudáveis com caldo nutriente (1:10 Peso/Volume). A mistura foi mantida em estufa a 37°C por 24 horas, para crescimento da microbiota intestinal. Em seguida, 0,1 ml da parte líquida foi inoculada endoesofagicamente, de forma similar à descrita no item anterior.
Delineamento experimental
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado (DIC) disposto em um arranjo fatorial 2 x 4, onde 2 é o número de sexos (machos e fêmeas) e 4 o número de tratamentos (NI: Não infectado, I: Infectado por SE, IEC: Infectado por SE e tratado com EC e ECI: tratado com EC e infectado por SE).
Analise estatística
Os dados referentes à microbiologia, pesos corporal, do fígado e da bursa de Fabrício foram submetidos, a cada dia pós-infecção, à análise de variância (ANOVA), sendo cada ave considerada como uma parcela. A comparação de médias foi realizada pelo teste de Tukey com nível de significância de 5%.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Número (Log 10) de UFC de Salmonella Enteritidis (SE) por grama de conteúdo cecal (UFC de SE)
Na tabela 1 estão os dados referentes ao número (Log 10) de UFC de Salmonella Enteritidis por grama de conteúdo cecal (UFC de SE).
Não houve efeito do sexo em nenhuma das idades analisadas. Todavia, os efeitos dos tratamentos foram significativos (p<0,05) no 1º, 3º, 5º e 7º dias pós-infecção. Nestas idades, as aves dos tratamentos NI e ECI apresentaram contagens de UFC de SE similares entre si e significativamente inferiores (p<0,05) aos dos tratamentos I e IEC, os quais não diferiram entre si quanto às contagens. Estes dados mostraram que o tratamento com EC após a infecção (IEC) não eliminou a bactéria do intestino dos pintos, em nenhum dos sexos, mas que a utilização da EC antes da infecção foi eficiente na eliminação da infecção, concordando com os achados de Sterzo et al (2005), os quais também registraram efeito inibitório da EC sobre a infecção por SE.
Os dados do presente estudo reforçam os dados de Lev & Briggs (1956), Mead & Adams (1975) e Corrier & Hollister & Nisbet (1994), os quais comprovaram a importância do tratamento precoce da ave, já que o trato digestório das mesmas é praticamente estéril na eclosão, e a microbiota intestinal é naturalmente estabelecida quarenta e oito horas após o início da alimentação. Nossos dados, entretanto, diferem dos obtidos por Ziprin & Corrier & Deloach Jr. (1993) para aves que foram desafiadas oralmente com Salmonella Typhimurium (mesmo sorogrupo da Salmonella Enteritidis) no primeiro dia de vida e tratadas com EC após 72 horas, pois as mesmas apresentaram capacidade protetora contra este sorotipo.
Tabela 1. Efeitos dos sexos e tratamentos sobre o número (Log 10) de UFC de Salmonella Enteritidis (SE) por grama de conteúdo cecal, em pintos de corte, nos primeiros dias pós-infecção (1, 3 , 5 e 7 dias).
Foi registrada interação significativa (p<0,05) entre sexo e tratamento no 7º dia pós-infecção (Tabs. 1 e 2), mostrando que apesar do tratamento com EC após a infecção (IEC) não ter eliminado a bactéria do intestino dos pintos, em nenhum dos sexos, ele promoveu um aumento do número de colônias nos machos e uma redução da mesma nas fêmeas em relação aos pintos infectados. Além disso, no tratamento I, os pintos machos apresentaram valores de UFC de SE significativamente (p<0,05) inferiores aos das fêmeas, enquanto que no tratamento IEC os machos apresentam os maiores (p<0,05) valores de UFC de SE. Estes dados mostraram que machos e fêmeas podem responder de forma distinta ao tratamento com EC após infecção e que este tratamento reduz a infecção nas fêmeas.
Os pintos, de ambos os sexos, não apresentaram mortalidade até o 7º dia em nenhum dos tratamentos, indicando que os tratamentos não afetaram a capacidade criatória das aves.
Tabela 2. Interação entre os sexos e tratamentos sobre o número (Log 10) de UFC de Salmonella Enteritidis (SE) por grama de conteúdo cecal, em pintos de corte, nos primeiros dias pós-infecção (1, 3 , 5 e 7 dias).
Peso Corporal
Na tabela 4 estão contidos os dados referentes ao peso do fígado (PF). Não houve influência significativa dos sexos e/ou dos tratamentos (T) sobre este parâmetro em nenhum dos dias pós-infecção analisados. Também não houve interação entre sexos e tratamentos.
Contudo, alterações macroscópicas não foram observadas durante a necropsia das aves em nenhum dos dias pós-infecção analisados. Sendo assim, nossos dados sugerem que a infecção por Salmonella Enteritidis e tratamento com EC antes ou após a infecção não alteraram o peso e anatomia do órgão, provavelmente em função do curto período pelo qual as aves foram expostas ao agente patogênico no presente estudo.
Tabela 4. Efeitos dos sexos e tratamentos sobre o Peso do fígado (g) de pintos de corte nos primeiros dias pósinfecção (1, 3 , 5 e 7 dias).
Peso da Bursa de Fabrício
Os dados sobre o peso da bursa de Fabrício constam na tabela 5. Os dados mostraram que o sexo não influenciou significativamente (p>0,05) o peso do órgão em nenhuma das idades analisadas. Foi registrado efeito significativo dos tratamentos (p<0,05), mas apenas no 7º dia pós-infecção, idade na qual os pintos do tratamento I e IEC apresentaram menor peso de bursa do que os pintos dos tratamentos I e ECI, que não diferiram entre si quanto a este parâmetro. Não foi registrada interação significativa entre sexos e tratamentos para peso de bursa.
Estes dados mostram que infecção com SE resultou em redução do peso órgão, sugerindo uma atrofia, ou falta de desenvolvimento do mesmo, e que EC após infecção não inibe o efeito da SE sobre a bursa. Alteração no desenvolvimento da bursa tem sido registrada em casos de infecções virais como no caso da doença de Gumboro (MONTASSIER, 2000). A redução no peso das mesmas em pintos infectados sugere que infecção bacteriana exerce sobre estes órgãos efeitos similares aos de infecções virais, ou seja, depressão do sistema imune. De acordo com os dados do presente estudo o tratamento com EC antes da infecção por SE inibe o efeito da infecção de SE sobre o órgão, contrariamente ao observado para o peso do fígado, o que indica uma maior sensibilidade da bursa do que do fígado à infecção por SE, apesar deste último ser um dos mais importantes órgãos de eleição para a pesquisa de Salmonella segundo Berchieri Jr (2000).
Tabela 5. Efeitos dos sexos e tratamentos sobre o Peso da Bursa de Fabrício (g) de pintos de corte nos primeiros dias pós-infecção (1, 3 , 5 e 7 dias).
REFERÊNCIAS
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