Introdução
Os anticorpos de gema de ovo (IgY) têm sido aplicados com sucesso no desenho de sistemas de diagnóstico e de produtos para a prevenção e tratamento de diferentes doenças, tanto humanas como veterinárias (Chacana et al., 2004, Schade & Chacana, 2007). Por exemplo, a Tecnologia IgY tem sido aplicada com sucesso em ensaios para o controle de diarreias neonatais, cáries dentais humanas, úlcera gástrica causada por Helicobacter pylori, doenças dos peixes, inibição do desenvolvimento de Salmonella enterica, etc (Schade et al., 2005).
A Salmonella entérica compreende uma grande diversidade de sorovariedades (mais de 2000), que segundo o esquema de Kauffmann-White se classificam por seus antígenos somáticos e flagelares. Segundo este esquema, as diferentes sorovariedades se classificam em grupos e subgrupos, com base na existência de antígenos comuns (Grimont & Weill, 2007). Por exemplo, Lee et al. (2002) realizaram um estudo de reações cruzadas entre IgY produzida contra Salmonella Enteritidis (SE) (fórmula antigênica: 9,12:g:m) e S. Typhimurium (ST) (fórmula antigênica 4,12:i:1,2). Após hiperimunizar diferentes galinhas poedeiras com ambas as bactérias inativadas, estes pesquisadores elaboraram ovo em pó hiperimune mediante liofilização da fração hidrosolúvel da gema de ovo. Mediante testes de ELISA específicos para ambas as sorovariedades, foi demonstrado que os anticorpos produzidos contra SE apresentavam reação cruzada contra ST em 55,3% e, em forma inversa, as IgY produzidas contra ST reagiam contra SE em 42,4%. Além disso, os autores demonstraram que a incubação de SE e ST junto com os anticorpos diminuiu significativamente o desenvolvimento destes micro-organismos em meios de cultivo líquidos. Este trabalho demonstra que, a pesar de que SE e ST não apresentam alta identidade antigênica, segundo o esquema de Kauffmann e White, compartilham outros antígenos e epitopos próprios da espécie e que anticorpos dirigidos contra eles têm a capacidade de neutralizar em forma cruzada as distintas sorovariedades. Por outro lado, Terzolo et al. (1998) demonstraram a capacidade dos anticorpos da gema de ovo para aglutinar a Salmonella e sua potencialidade para serem utilizados como alternativa aos anticorpos produzidos em mamíferos para a sorotipificação. Com base nisto, o objetivo deste trabalho foi a avaliação da capacidade de aglutinação de ovo em pó produzido contra SE para aglutinar diferentes sorovariedades de S. enterica.
Materiais & Métodos
Ovo em pó
Foi utilizado ovo em pó completo (gema e clara), elaborado a partir de ovos de galinhas poedeiras hiperimunizadas (ovo em pó hiperimune) com uma bacterina contra a linhagem regional Salmonella Enteritidis INTA 86/360 fagotipo 4 (Sandoval et al., 1989). Além disso, foi utilizado ovo em pó elaborado a partir de ovos de galinhas não hiperimunizadas (ovo em pó controle).
Linhagens de Salmonella
Foram utilizadas diferentes linhagens de Salmonella enterica isoladas a partir de diferentes casos veterinários. As sorovariedades incluídas foram: S. Braenderup, S. Typhimurium, S. Gallinarum, S. Infantis, S. Agona, S. Newport e S. Muenster.
Preparação dos antígenos para aglutinação
As distintas linhagens de salmonellas foram semeadas sobre ágar XLDT4 e após sua incubação a 37ºC, durante 24 h, o crescimento foi utilizado para inocular caldo infusão Cérebro Coração, que foi incubado nas mesmas condições anteriores. O caldo foi inativado com 0,05% de formalina (v/v) e finalmente se ajustou a concentração bacteriana a 108 bactérias/mL segundo a turbidez da escala nefelométrica de Mc. Farland. Os antígenos foram tingidos utilizando 0,01% (v/v) de cristal violeta.
Determinação do título de anticorpos
O título de anticorpos aglutinantes do ovo em pó contra cada um dos antígenos foi determinado mediante microaglutinação em placa de 96 cavidades com fundo em "U". Foram feitas diluições seriadas com base log2,tanto do ovo em pó hiperimune como do ovo em pó controle. O título foi determinado como a inversa da maior diluição com capacidade aglutinante.
Resultados & Discussão
Na Tabela 1 aparecem os títulos de anticorpos aglutinantes presentes no ovo em pó controle e hiperimune contra SE. Em todos os casos, os títulos aglutinantes do ovo em pó controle não foram maiores a 40. A existência de anticorpos aglutinantes no ovo obtido a partir de galinhas não hiperimunizadas pode ser causada tanto por reações inespecíficas, como por anticorpos dirigidos contra outros micro-organismos que apresentem epitopos em comum com a Salmonella spp. Os títulos de anticorpos aglutinantes obtidos no ovo em pó anti-SE variaram segundo as distintas sorovariedades. Os maiores títulos fora obtidos quando o ovo em pó se enfrentou com as distintas linhagens de S. Enteritidis ensaiadas. O ovo em pó teve a capacidade de aglutinar até mesmo as sorovariedades que não apresentam antígenos em comum com SE, segundo o esquema de Kauffmann- White (Grimont & Weill, 2007). Por exemplo, o título contra S. Muenster, S. Branderup e S. Newport foi de 640.
Tabela 1. Títulos de aglutinação de ovo em pó controle e hiperimune anti-Salmonella Enteritidis contra diferentes sorovariedades de Salmonella. O título se indica como a recíproca da maior diluição com capacidade aglutinante.
Conclusões
O ovo em pó produzido a partir de galinhas hiperimunizadas com Salmonella Enteritidis tem capacidade aglutinante, tanto contra as linhagens de Salmonella incluídas na vacina, como contra outras sorovariedades de Salmonella que não compartilham antígenos comuns.
Bibliografia
Chacana PA, Terzolo HR, Gutierrez Calzado E, Schade R. 2004. Tecnología IgY o aplicaciones de los anticuerpos de yema de huevo de gallina. Revista de Medicina Veterinaria 85(5):179-189.
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Lee EN, Sunwoo HH, Menninen K, Sim JS. 2002. In vitro studies of chicken egg yolk antibody (IgY) against Salmonella Enteritidis and Salmonella Typhimurium. Poultry Science 81(5):632-641.
Sandoval VE, Terzolo HR, Moreira AR, Micheo GL, Eiguer T, Caffer MI, Fronchowsky B. 1989. Paratifosis aviaria causada por
Salmonella serovar. Enteritidis en Argentina. Revista Argentina de Producción Animal 9(4):295-308.
Schade R & Chacana PA. 2007. Egg yolk compounds - Livetin fractions. In: Huopalahti R, Lopez-Fandino R, Anton M, Schade R. (Eds.). Bioactive Egg Compounds. Springer, Germany. 298 pags. I.S.B.N.: 978-3-540-37883-9.
Schade R, Gutierrez Calzado E, Sarmiento R, Chacana PA, Porankiewicz-Asplund J, Terzolo, HR. 2005. Chicken egg yolk antibodies (IgY-technology): A review of progress in production and use in research and in human and veterinary medicine. ATLA 33(2):129-154.
Terzolo HR, Sandoval VE, Caffer MI, Terragno R, Alcain A. 1998. Aglutinación de inmunoglobulinas de yema de huevo de gallina (IgY) contra Salmonella enterica serovariedad Enteritidis. Rev. Arg. Microbiol. 30 (2):84-92.