Nos últimos anos, a demanda dos consumidores por uma produção animal sustentável e alimentos seguros colocaram mais pressão na forma clássica de aplicação dos antibióticos promotores de crescimento (APC). Seguindo a tendência geral dos países Europeus, da América do Norte e de grande parte do Sudeste Asiático, os países da América do Sul como o Brasil, Argentina, Chile e Colômbia começaram a discutir de forma mais incisiva a produção de animais livres de APC. Hoje, a indústria animal vem buscando alternativas viáveis para a substituição de APC, sempre trabalhando na tríade manejo, biosseguridade e uso de produtos alternativos. Em âmbito global, a indústria avícola está cada vez mais confiante nos probióticos pelas suas funções benéficas no ecossistema intestinal e cada vez mais produtos probióticos estão entrando na indústria de rações com diversas alegações benéficas. No entanto, certas percepções equivocadas sobre o uso de probióticos têm prevalecido. Assim, este artigo pretende abordar questões técnicas em torno dos probióticos na avicultura.
Os probióticos à base de Bacillus subtilis mostraram ser uma alternativa eficiente ao uso de antibióticos na alimentação de aves, a fim de garantir um desempenho sustentável. No entanto, escolher cepas de desempenho consistente é muitas vezes um desafio. Por meio de uma metodologia de análise completa, uma nova cepa Bacillus subtilis foi desenvolvida com dupla ação: estimulando o desempenho zootécnico em condições normais, bem como sob o desafio de enterite necrótica por Clostritium perfringens.
Os critérios de seleção são numerosos, incluindo principalmente: 1) segurança para o hospedeiro, o que significa não causar citotoxicidade ou hemólise; 2) estabilidade no processamento de rações e condições gastrointestinais; 3) benefício a saúde intestinal pela melhoria da função de barreira e de imunidade intestinal; 4) capacidade de melhorar o desempenho das aves, especialmente sob condições desafiadoras; 5) ausência de genes deresistência a antibióticos; e 6) não ser muito difícil para os usuários finais realizarem avaliações de qualidade.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e Organização Mundial da Saúde (WHO), probióticos são definidos como “microrganismos vivos que, quando administrados em quantidade correta, conferem um benefício à saúde do hospedeiro” (FAO, WHO 2001; FAO 2016). Entre uma grande variedade de probióticos, algumas cepas são mais prevalentes, como aquelas dos gêneros Lactobacillus, Enterococcus, Bifidobacterium, Lactococcus, Streptococcus, Pediococcus e Bacillus; bem como espécies de leveduras. Podem ser classificados como bacterianos ou não bacterianos (leveduras); formadores de esporos (Bacillus) ou não formadores de esporos (Lactobacillus, Bifidobacterium); multiespécies ou espécies únicas; alóctones (não presentes no TGI como leveduras) ou autóctones (como Lactobacillus).
O probiótico ideal deve ser não patogênico, hospedeiro específico, capaz de sobreviver a condições gastrintestinais como acidez, sais biliares e enzimas digestivas, capaz de modular a microbiota gastrintestinal e/ou parâmetros de saúde intestinal como a integridade da barreira intestinal, a resposta imune, o status inflamatório e a prevenção ao desenvolvimento de bactérias patogênicas, além de sobreviver ao processamento e armazenamento. Dentre as características de um probiótico ideal, podemos destacar ainda a capacidade de resistir às condições industriais de produção de ração. Por exemplo, espécies de Bacillus são capazes de formar endósporos, proporcionando caraterísticas de termoestabilidade, estabilidade gástrica, resistência a sais biliares, ao estresse químico e físico. Assim, tornando-os muito atrativos para a indústria de produção animal.
Seleção dos probióticos
Para selecionar a cepa ideal para um probiótico, mais de 800 cepas da extensa coleção de bactérias e fungos da Novozymes (empresa de biotecnologia) foram testadas. Cepas de Bacillus subtilis, Bacillus licheniformis, Bacillus amyloliquefaciens e Bacillus pumilus listadas como seguras de acordo com a Generally Recognized as Safe (GRAS) e pela Association of American Feed Control Officials (AAFCO)foram independentemente isoladas e incluídas no processo de seleção.Os critérios para a seleção foram:
- Ausência de beta-hemólise avaliada conforme recomendado pela European Safety Food Authority (EFSA) em meio TSA (tryptic soy agar) + 5% de sangue de ovelha (EFSA, 2011).
- Ensaio de difusão radial para atividade relevante ao desempenho em diferentes patógenos.
- Conformidade com a diretriz da EFSA para resistência a antibióticos (EFSA, 2012).
- Ainda, testes de termoestabilidade, estabilidade gástrica e germinação precisa foram realizados para aprimorar essa etapa da triagem.
Das 800 cepas inicialmente incluídas na seleção, 32% eram não-hemolíticas e cerca de 10% das cepas foram positivas no ensaio de difusão radial. No geral, apenas 26 isolados preenchiam os critérios listados acima. Depois de testar a suscetibilidade aos antibióticos de acordo com a diretriz da EFSA e ação não inflamatória em células Caco, apenas seis cepas preencheram os critérios propostos. Essas cepas, foram então testadas in vivo em condições normais e desafiadas e, no final, apenas uma cepa, Bacillus subtilis 29784, foi selecionada para testes adicionais.
Para estudar a filogenia das cepas testadas, foi realizada uma análise comparativa das sequências do gene gyrB. Isto foi feito essencialmente para os Bacillus subtilis e cepas de Bacillus relacionadas, utilizando sequências parciais do gene gyrB de cerca de 1200 nucleotídeos (Wang et al., 2007). A análise mostrou que o Bacillus subtilis 29784 é diferente de todos os tipos de cepas de Bacillus subtilis já conhecidos; apresentando diferenças consideráveis com relação as subespécies Bacillus subtilis subsp. Spizizenii e Bacillus subtilis subsp. Inaquosorum (próximas na escala filogenética). O Bacillus subtilis 29784 foi então classificado como uma nova subespécie de Bacillus subtilis (Figura 1). O produto X do mercado mostrou estreita relação com uma cepa tradicional de Bacillus subtilis subs subtilis, porém com diferença de 10% na estrutura gênica comparado com o Bacillus subtilis 29784.
Figura 1 Árvore filogenética mostrando a relação de Bacillus subtilis 29784 para cepas de referência da espécie Bacillus e produto do mercado
Três estudos de desempenho foram conduzidos em três instalações de pesquisa diferentes, a fim de testar diferentes condições experimentais e diferentes cepas probióticos em frangos de corte. O delineamento experimental foi semelhante para todos os estudos, com três tratamentos (1- Controle, 2 - Produto X e 3 - B. subtilis 29784). As dietas foram similares entre os estudos, com formulação a base de farelo de soja e de milho, se diferenciando pela presença ou ausência de proteína animal e fitase. Os níveis de nutrientes da dieta foram calculados para atender às exigências dos animais, de acordo com as recomendações da linhagem. O desempenho animal foi analisado no dia 35 de vida das aves.
Os resultados dos três estudos (Tabela 1) foram analisados de forma independente. O Bacillus subtilis 29784 melhorou significativamente o desempenho em todos os 3 estudos, com melhora média de 3,8% no ganho de peso (GDP) e 3,2% na conversão alimentar (CA). O produto do mercado (Probiótico X) melhorou significativamente o GDP e/ou a CA em apenas um estudo (melhoria média nos 3 estudos: 1,7% para o GDP e -2,2% para a CA).
Tabela 1.Desempenho dos frangos de corte aos 35 dias
Além disso, a cepa 29784 também foi testada em condições desafiadoras, usando um modelo de desafio de enterite necrótica bem estabelecido. O desafio foi prejudicial, aumentando a mortalidade e reduzindo o desempenho. Os resultados mostraram que a adição de Bacillus subtilis 29784 recuperou o desempenho animal (ganho de peso e conversão alimentar), com resultados estatisticamente similares aos dos animais não desafiados e dos animais suplementados com APC (Rhayat et al., 2017).
Uma série de testes experimentais e a campo vem mostrando a consistência do Bacillus subtillis 29784 em diferentes situações. Dentre estas avaliações, observamos de maneira eficaz e consistente a possibilidade da cepa de Bacillus subtilis 29784 em substituir o uso de enramicina em dietas de frangos de corte alimentados com dietas contendo diferentes níveis de energia metabolizável aparente (EMA). Resumidamente, o Bacillus subtilis 29784 melhorou o peso final, a conversão alimentar e o índice de eficiência produtiva (IEP) dos frangos de corte quando comparado com uso de enramicina 10 ppm (Quinteiro-Filho et al., 2018)
Discussão
O Bacillus subtilis pertence a uma espécie bacteriana que abrange uma diversidade gênica bastante extensa, que é percebida quando realizada análises comparativas de sequenciamento do genoma (Earl et al., 2012). A especificidade das cepas é crucial quando se trata da eficácia do probiótico, e o processo de seleção deve ser extremamente rigoroso para obter um probiótico seguro e funcional. Nossos estudos aprofundados sobre a interação hospedeiro-microrganismo demonstraram melhorias na saúde geral do intestino, tais como na integridade da barreira intestinal, na função imunológica e na redução da inflamação no intestino delgado de aves. A consistência observada a partir de ensaios in vivo com Bacillus subtilis 29784 sugerem que esta cepa se comporta mais naturalmente no sistema intestinal de frangos de corte, sendo mais eficiente do que cepas já conhecidas e utilizadas na avicultura.