INTRODUÇÃO
Como país exportador de carne de frango à União Europeia, o Brasil deve sujeitar-se às exigências daquele bloco, principalmente as relacionadas ao bem estar animal no período de pré-abate e abate. É o caso dos parâmetros elétricos que constam no regulamento CE 1099/2009 (EUROPE, 2009). A não utilização destes parâmetros implica na necessária apresentação de método que atenda requisitos de equivalência.
Embora o regulamento EC 1099/2009 possibilite variada combinação entre frequências e corrente, ele caracteriza-se pelo uso de elevada corrente exceto se concomitante com baixa frequência. Sabe-se que a aplicação de parâmetros elétricos desta natureza afeta negativamente a qualidade da carcaça ocasionando lesões hemorrágicas e fraturas nos cortes de valor econômico (Ali et al., 2007), implicando em perdas e impacto econômico negativo. A justificativa da União Europeia para não permitir o uso de eletronarcose com baixa intensidade e elevada frequência baseia-se no suposto comprometimento do bem-estar, uma vez que a ave não estaria devidamente insensibilizada para as etapas posteriores à cuba de insensibilização ou que estaria susceptível ao sofrimento durante o próprio processo de insensibilização. O objetivo deste estudo foi avaliar se a insensibilização baseada em alta frequência (600 Hz) e baixa corrente elétrica (110 V) propicia a passagem de corrente elétrica no cérebro do frango suficiente para assegurar efetiva insensibilização.
MATERIAL E MÉTODOS
Para acessar a corrente elétrica que flui no cérebro durante o processo de insensibilização foram avaliados oito frangos com peso médio igual a 3273 g e erro padrão de 78 g.
Após abatidos individualmente por eletronarcose, dois eletrodos de prata foram introduzidos no cérebro de cada ave através de incisão dorsal na pele na região crânio- -cervical, adentrando o forame magno via fossa atlanto-occipital. Os eletrodos foram posicionados dentro dos limites das meninges, um na porção frontal e outro na caudal do cérebro, mantendo-se distância de 15 mm entre eles. Os cabos dos eletrodos foram colados na superfície da musculatura da região dorsal da cervical, sendo a incisão cirúrgica também colada. O posicionamento dos eletrodos foi conferido através de raio X. O ensaio foi realizado com acesso individual em cada ave morta, a qual foi dependurada em gancho simulando a nória de abatedouro, com a cabeça imersa em água eletrificada.
Todos os frangos foram submetidos individualmente, em duplicata, à sequência de quatro frequências (200, 400, 600 e 1500 Hz) associadas a diferentes voltagens (Tabela 1), utilizando onda quadrada em corrente alternada (com 50% duty cycle). Avaliou-se a tensão na cabeça usando multímetro com resolução de milésimos de volts (mV). Fez- -se também leitura da impedância entre os eletrodos através de ponte LCR à frequência de 1 KHz (Seoane et al., 2004), antes e após a passagem da corrente elétrica para verificar a variação pela possível interação do tecido com a corrente elétrica e também usar estas medidas para calcular a corrente elétrica na área de cérebro compreendida pelos eletrodos através da Lei de Ohm generalizada. Foi realizada a análise da variância para o modelo considerando os efeitos de frango e de tratamento, seguida pelo teste de Tukey. O software SAS (2012) foi utilizado para realização das análises.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O teste F da análise da variância mostrou haver efeito significativo dos tratamentos para a corrente estimada no cérebro, conforme Tabela 1. Os dados foram gerados imediatamente após a morte das aves, considerando que não há diferença significativa nos valores de resistividade do cérebro nesta condição se comparado com aves vivas anestesiadas (Woolley et al., 1986). Observou-se que a frequência 1500 Hz associada à Corrente Elétrica de 213 mA propiciou a passagem da maior corrente elétrica na cabeça, sendo este tratamento diferente dos demais. A frequência de 600 Hz, associada à corrente elétrica de 102 mA possibilitou corrente no cérebro similar ao tratamento controle (200 Hz; 99 mA), o qual segue o regulamento europeu. Já a frequência de 400 Hz associada à corrente elétrica de 158 mA apresentou resultados intermediários em relação aos outros três tratamentos.
O processamento da informação no cérebro, como dor e consciência, depende do nível da atividade elétrica complexa e global dos neurônios. Já a atividade bioelétrica cerebral é regulada pela dinâmica das polarizações e depolarizações dos neurônios no cérebro, a qual ocorre com tensões da ordem de mV, sendo 70mV o potencial de repouso dos neurônios (EFSA, 2004). A hipótese que motivou este trabalho é de que, a submissão da ave a insensibilização com parâmetros elétricos alternativos ao do Regulamento CE 1099/2009 possibilite a passagem de corrente no cérebro alta o suficiente para impedir a manutenção do equilíbrio de gibbs-Donnan nas membranas dos neurônios.
Em determinado nível de tensão elétrica os neurônios conseguem controlar a fluidez da membrana em função de diferentes tipos de neurotransmissores e outras moléculas, como é o caso das bombas de Na+ e K- que respondem à presença de campo elétrico nos meios intra- e extra-celular, visando manter o equilíbrio Gibbs-Donnan (DREIER et al., 2013). Elevação da tensão elétrica pode romper esta funcionalidade. Por exemplo, em humanos, correntes da ordem de 43µA/cm2 parecem ser suficientes para alterar o comportamento dos neurônios (Ruffini et al., 2013). Considerando a dinâmica metabólica, possivelmente uma corrente elétrica elevada como a observada no presente estudo, superior a 420 μA/ cm2, faz com que não se mantenha a dinâmica de depolarização, o que reduziria a capacidade do cérebro de processar informações como a dor.
CONCLUSÃO
A insensibilização elétrica de frangos com corrente aproximada de 100 mA e frequência de 600 Hz, utilizando onda quadrada em corrente alternada (com 50% duty cycle) possibilita a passagem de corrente no cérebro da ave em magnitude maior do que a corrente normalmente utilizada para a atividade neurológica. Presume-se que nesta condição não se mantenha a capacidade de transmissão da dor, condição essencial para a insensibilização das aves.