1. Introdução
A produção avícola tem apresentado crescimento atribuído a avanços nas áreas da genética, sanidade, manejo e nutrição. Dentre estes fatores, a nutrição é o de maior interesse de estudos pois é o que mais impacta nos custos de produção, aliado ao fato de que as recomendações nutricionais dos manuais das linhagens e tabelas institucionais muitas vezes não são aplicáveis ou necessitam ser atualizadas (Lesson e Summers, 2005).
Dentre os componentes da ração das aves, a energia e a proteína representam aproximadamente 85% do custo da elaboração das rações (Gunawardana et al., 2008). Além da importância econômica, a energia e proteína são componentes diretamente relacionados com os índices de desempenho, qualidade do ovo, conformação corporal, deposição de gordura abdominal entre outros. No caso da energia, ela representa a maior proporção no custo econômico de uma ração, por isso é importante determinar a exigência das aves para este quesito com o intuito de formular uma ração que atinja o requerimento nutricional (Ning et al., 2014).
O nível de energia metabolizável (EM) na dieta apresenta um papel determinante no consumo de ração, sendo o principal fator limitante pois regula o consumo de alimento para atingir as exigências energéticas a fim de manter a produção, qualidade do ovo e processos fisiológicos (Leeson e Summers, 2001). Além disso, as exigências energéticas das aves não são constantes, variando conforme o peso corporal, fase de produção, tamanho de ovo, massa de ovos, linhagem e temperatura ambiente (Coon, 2002; Rostagno et al., 2011).
As proteínas têm uma ampla funcionalidade fisiológica. Além da importância estrutural, formam hormônios e enzimas, favorecem o transporte e armazenamento das gorduras e minerais, são agentes tamponantes e auxiliam a manutenção da pressão osmótica, transporte de oxigênio, formação do ovo e são uma fonte secundária de energia (Bertechini, 2006). Múltiplos fatores podem influenciar no consumo e requerimentos de proteína das poedeiras como o tamanho e linhagem da ave, temperatura ambiente, produção e massa de ovos, instalações, espaço por ave, equipamentos, densidade, consumo de água, estado sanitário e teor de energia na dieta, razões pela qual o teor de proteína buta (PB) na dieta deve ser ajustado, levando em consideração o nível de EM usado, visto que este tem influência direta no consumo de ração (Leeson e Sumers, 2001).
Órgãos do trato gastrointestinal (TGI) mal desenvolvidos pode reduzir a ingestão de alimentos, resultando em diminuição do peso corporal das aves, e por consequência redução na produção e tamanho dos ovos. Efeitos de maior peso corporal das aves e redução da capacidade do TGI podem se contrapor, influenciando diretamente no desempenho e peso dos ovos dependendo das condições de manejo das aves (Jiménes-Moreno et al., 2013). Quando o TGI das aves não está bem desenvolvido, as galinhas podem não ser capazes de consumir energia suficiente durante a fase de postura (Pérez-Bonilla et al., 2012)
O objetivo do presente trabalho foi avaliar o efeito da redução dietética dos níveis de EM e PB para poedeiras semipesadas de 50 a 66 semanas de idade, sobre o desempenho zootécnico, qualidade dos ovos, rendimento de órgãos e gordura abdominal.
2. Materiais e Métodos
O experimento foi conduzido no setor de Avicultura do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal – CETEA da UDESC, sob protocolo 15.5.14.
Ao início do período experimental as aves foram pesadas e submetidas a um período de adaptação às dietas de 14 dias. As poedeiras foram alocadas em gaiolas com dimensões de 1,0 x 0,5 m, dotadas de comedouro tipo calha frontal e dois bebedouros niple/gaiola, com fornecimento de ração e água ad libitum. O programa de luz utilizado durante o período experimental foi de 16 h de luz e 8 h de escuro.
Foram utilizadas 300 poedeiras da linhagem Hy-Line Brown com 50 semanas de idade, distribuídas em um delineamento inteiramente casualizado, em arranjo fatorial 2 x 3 (EM x PB), totalizando seis tratamentos com cinco repetições de 10 aves/gaiola (unidade experimental). Os tratamentos consistiram em dois níveis de EM (2.800 e 2.650 kcal/kg) e três níveis de PB (17,0; 16,0 e 15,0%) na dieta. As rações experimentais (Tabela 1) foram formuladas de acordo as exigências e a composição dos alimentos segundo as recomendações de (Rostagno et al., 2011), diferindo somente nos níveis de EM e PB.
O período experimental compreendeu quatro períodos de 28 dias, sendo o desempenho das aves avaliado através do peso das aves (kg), ganho de peso (kg), consumo de ração (g/ave/dia), produção de ovos (% ovos/ave/dia), conversão alimentar (kg/kg) e massa de ovos (g/ave/dia).
A qualidade dos ovos foi avaliada pelo peso do ovo (PO, g), gravidade específica (GE, g/cm3), unidade Haugh (UH), índices de gema (IG, %), albúmen (IA, %) e casca (IC, %). Para o peso do ovo e gravidade específica foram usados seis ovos íntegros por unidade experimental, durante os três últimos dias de cada período experimental. Para unidade Haugh e porcentagens dos componentes do ovo foram usados três ovos de cada repetição nos últimos dois dias de cada período experimental.
Ao final do experimento, duas aves de cada unidade experimental foram sacrificadas após jejum de 12 h, sendo previamente insensibilizadas por deslocamento cervical para realizar coletas de pesagem de órgãos (fígado, coração, baço) e da gordura abdominal (GA) em balança de precisão de 0,01 g, sendo expressos pelo índice da relação do peso do órgão e peso vivo da ave.
Tabela 1 – Composição calculada das rações experimentais com diferentes níveis de energia metabolizável (kcal/kg) e proteína bruta (%) para poedeiras semipesadas de 50 a 66 semanas de idade.
Os dados foram submetidos a análise estatística, através do software estatístico SAS 9.0 (2009) e os resultados analisados através da ANOVA, levando em consideração os efeitos independentes dos níveis de EM e PB e a interação entre ambos. Para os níveis de EM foi utilizado o teste F e para os níveis de PB foi usado o teste de Dunnett, comparando os níveis abaixo da exigência (16 e 15%) com o controle (17%).
3. Resultados
Ocorreu diferença (P< 0,05) entre os níveis de energia de 2.800 e 2.650 kcal/kg sobre o peso final das aves (PF), ganho de peso (GP) e conversão alimentar (CA). O peso inicial (PI), produção de ovos (PO), consumo de ração (CR) e massa de ovos (MO) não foram alterados (P> 0,05) pelos níveis energéticos da dieta (Tabela 2).
O PF foi maior (P< 0,003) nas aves submetidas ao nível de EM de 2.800 kcal/kg, resultando em maior (P< 0,001) GP destas aves quando comparadas às alimentadas com 2.650 kcal/kg de EM na dieta. Segundo Araújo e Peixoto. (2005) e Harms et al. (2000), aves alimentadas com níveis crescentes de EM nas dietas apresentam uma resposta linear crescente no peso corporal e no GP. Como não foi observado efeito dos níveis energéticos sobre o consumo de ração, as aves ingeriram teoricamente mais energia nas dietas com 2.800 kcal/kg, o que se refletiu no GP e PF.
Aumento no nível energético das dietas ocasiona redução no CR (Leeson e Summers, 2001) devido a capacidade da poedeira em ajustar o consumo com o objetivo de atingir suas exigências energéticas (Gunawardana et al., 2008, 2009; Jiang et al., 2013). Entretanto, observa-se que linhagens modernas possuem capacidade limitada em regular o CR para garantir a adequada ingestão de nutrientes decorrente das características de baixo consumo com melhor eficiência alimentar destas aves (Depersio et al., 2015).
Assim, a diferença de 150 kcal/kg de EM entre as dietas ofertadas às aves neste experimento não foi suficiente para alterar o CR
Tabela 2 – Desempenho (peso inicial PI; peso final PF; ganho de peso GP; produção de ovo PO; consumo de ração CR; conversão alimentar CA e massa de ovos (MO) de poedeiras semipesadas submetidas a diferentes níveis de energia metabolizável (EM) e proteína bruta (PB) na ração de 50 a 66 semanas de idade. Medias na coluna, seguida de letras desiguais diferem entre si pelo teste F (5%). *Medias na coluna (seguida de asterisco) diferem ao controle (17,0% PB), pelo teste de Dunnett (5%)
A CA foi menor (P< 0,005) nas aves alimentadas com 2.800 kcal/kg. A conversão é obtiva através da relação entre CR e PO e embora não tenha ocorrido diferença no CR neste experimento, este resultado provavelmente tenha relação com o PO, que foi superior nas aves alimentadas com 2.800 kcal/kg de EM na dieta.
Em relação à PB, o nível de 17,0% foi superior (P< 0,001) em relação a 16,0 e 15,0% para PO e MO. Embora o CR não tenha apresentado diferença (P≥0,05), a ingestão diária das aves em gramas de PB foi diferente entre os três níveis, onde as aves submetidas à 17,0% consumiram 19,8 g/dia de PB, enquanto aves alimentadas com 16,0 e 15,0% PB consumiram 18,1 e 17,0 g/dia de PB, respectivamente. Possivelmente, esse menor consumo diário de PB reduziu a produção de ovos para as dietas com níveis de 16,0 e 15,0%. Estes dados são semelhantes aos encontrados por Gunawardana et al. (2008) que observaram uma redução no PO de 71,7 para 65,2% quando o consumo de proteína reduziu de 17,1 para 13,8 g/ave/dia. O aumento no nível de PB na dieta e um maior consumo de PB acarretam efeitos positivos na PO, visto que na formação do ovo, múltiplos hormônios estão envolvidos e uma das principais funções dos aminoácidos é a formação de hormônios (Liu et al., 2004; Wu et al., 2005). Segundo Namroud et al. (2008), o nível de PB usado na dieta e a disponibilidade de aminoácidos tem efeito direto na concentração plasmática de hormônios.
Não foram observados efeitos (P> 0,05) do nível de PB sobre PF, GP, CR e CA. Estes resultados corroboram com aqueles obtidos por Gunawardana et al. (2008) testando três níveis de PB em dietas para poedeiras (17,38; 16,06 e 14,89%), em que não encontraram efeito sobre o peso das aves. Ainda, Gunawardana et al. (2009) utilizando dois níveis de PB em dietas na fase de postura (16,1 e 15,5%) também obtiveram CR (95,9 e 97,5 g) e CA (1,92 e 1,92) semelhantes. Silva et al. (2006) também não encontrou diferença no desempenho de poedeiras reduzindo de 16,5% para 14,0% de PB.
Na qualidade de ovos (Tabela 3) não foram observados (P> 0,05) efeitos do nível de EM sobre UH, GE, índices de G, A e C. Entretanto, aves que receberam 2.800 kcal/kg de EM na dieta apresentaram o maior (P< 0,003) PO. Sobre esta diferença obtida no PO, é possível que a qualidade do ovo possa ser alterada por múltiplos aspectos, dentre eles a nutrição (Costa et al., 2009). Fato que na dieta das poedeiras, é rotina a utilização de óleo e gorduras para elevar o nível de energia (Bertechini, 2006), sendo que o óleo de soja contém 52,6% de ácido linoleico na sua composição (Rostagno et al., 2011). Visto que o ácido linoleico é um fator determinante para aumentar peso de ovo (Balnave, 1970, 1971), a diferença no PO encontrada neste experimento em relação ao nível de EM pode ser justificado devido à maior inclusão de óleo de soja usado nas rações com 2.800 kcal/kg, aliado ao fato que o óleo eleva o nível sanguíneo de estradiol (Grobas et al., 1999), hormônio que está altamente correlacionado ao PO (Whitehead, 1995).
Tabela 3 – Qualidade de ovos (POv: peso de ovo, g; UH: Unidade haugh; GE: gravidade específica, g/cm3; G: gema,%; A: Albúmen,%; C: casca,%) de poedeiras semipesadas submetidas a diferentes níveis de energia metabolizável (EM) e proteína bruta (PB) na ração de 50 a 66 semanas de idade. Medias na coluna, seguida de letras desiguais diferem entre si pelo teste F (5%). *Medias na coluna (seguida de asterisco) diferem ao controle (17,0% PB) pelo teste de Dunnett (5%)
Os níveis de 17,0; 16,0 e 15,0% de PB tiveram efeito (P< 0,05) sobre a qualidade de ovos, especificamente sobre o IA e IG (Tabela 2). Com a redução dos níveis de PB na dieta, diminuiu o IA, cujos resultados encontrados neste experimento foram 66,8; 66,1 e 66,0%, para aves alimentadas com 17,0; 16,0 e 15,0% de PB na ração, respectivamente. Sabe-se que o albúmen é formado principalmente por água e proteínas e conforme, Muramatsu et al. (1987), aves alimentadas com níveis ótimos de PB apresentam melhores taxas de síntese de proteína no oviduto, órgão responsável pela formação das proteínas do albúmen. O IG dos ovos de aves alimentadas com 17,0% (23,8%) e 16% (24,3%) de PB na ração, foram semelhantes (P> 0,05), entretanto diferindo (P< 0,005) dos ovos das aves que receberam 15,0% (24,5%). O efeito do nível de PB sobre o IA e o efeito não significativo sobre índice de IC e PO podem justificar este aumento.
Os níveis de EM tiveram efeito significativo (P< 0,05) no índice de GA (Tabela 3), onde aves alimentadas com 2.800 kcal/kg na ração apresentaram maior deposição de GA em comparação as aves alimentadas com 2.650 kcal/kg. Este resultado pode ser explicado pelo aumento do ganho de peso das aves encontrados neste experimento. A aferição da GA é importante devido à correlação que existe entre a GA e a gordura corporal total (Becker et al., 1979). Quando são usados níveis de energia superiores na ração aos requeridos pelas aves, a deposição de gordura aumenta, isto devido à limitação que as aves apresentam para metabolizar os excessos de energia (Summers E Leeson, 1979). Estas afirmações e os resultados encontrados neste experimento, assemelhamse aos encontrados por Jiang et al. (2013), que testando três níveis de EM nas dietas (2.750; 3.030 e 3.195 kcal/kg), observaram maior deposição de GA a medida que aumentou o nível de EM na ração. Não foram observados efeitos (P> 0,05) dos níveis de EM sobre o rendimento dos demais órgãos avaliados.
O interesse do efeito da dieta sobre a anatomia e fisiologia dos órgãos das aves aumentou nos últimos anos (Bunchasak & Silapasorn, 2005; Namroud et al., 2008). Embora, exista pouca informação disponível sobre o efeito dos níveis de PB na dieta sobre os órgãos reprodutivos e digestórios de poedeiras na fase de postura, no presente trabalho, os níveis utilizados nas dietas não tiveram efeito significativo sobre o peso dos órgãos (Tabela 4). Também não ocorreu interação (P> 0,05) entre os níveis de EM e PB em nenhuma das variáveis avaliadas neste experimento. Costa et al. (2004) também não encontrou interação no desempenho e qualidade de ovos testando 3 níveis de EM (2.700; 2.800 e 2.900) e três níveis de PB (15,50; 16,50 e 17,5%).
Tabela 4 – Peso relativo de órgãos e gordura abdominal de poedeiras semipesadas submetidas a diferentes níveis de energia metabolizável (EM) e proteína bruta (PB) na ração de 50 a 66 semanas de idade. *Não ocorreu diferença estatística em nenhum dos parâmetros avaliados (P> 0,05).
4. Conclusão
É possível reduzir o nível de EM de 2.800 para 2.650 kcal/kg sem afetar a produtividade das aves mantendo o nível de 17,0% de PB da dieta.
Publicado oiginalmente em Archives of Veterinary Science. Acesso disponível em: https://revistas.ufpr.br/veterinary