1Professor do Departamento de Ciências Animais, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró-RN.
2Aluno(a) do Curso de Zootecnia, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró-RN.
3Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte, Natal-RN.
INTRODUÇÃO
A diversificação dos sistemas de produção avícola em pequenas e médias propriedades da região nordeste do Brasil, em especial, a criação semi intensiva de aves caipiras, tem revelado aprimoramento nos índices de produtividade e lucratividade, em virtude do fornecimento de carne e ovos com qualidade sensorial diferenciados, associando ainda valores de bem-estar animal aos aspectos cultural, ambiental e econômico (Hellmeister Filho, 2002). Neste contexto, a constante adaptação de tecnologias usadas em granjas industriais aos sistemas de produção caipira tem propiciado maior viabilidade na exploração zootécnica de plantéis regionalizados, como exemplo, o desempenho produtivo de aves da linhagem Isa Label aclimatadas aos biomas do agreste e do semi-árido nordestino (Oliveira, 2005).
Ao considerar que a alimentação representa a maior parte do custo de produção avícola, em particular, nos planos nutricionais tradicionais das distintas regiões brasileiras, onde se utilizam cereais e oleaginosas para apropriada expressão fenotípica dos plantéis (Nascimento et al., 2009), torna-se evidente a necessidade de pesquisas em avaliação de alimentos alternativos para aves caipiras. Assim, a constante investigação científica acerca das matérias primas alimentar pode elucidar o potencial regional de substituição, mesmo que parcial, do milho e da soja, devido à insuficiente produção ou oscilante disponibilidade de seus derivados agroindustriais no nordeste, alicerçado ainda pela recorrente competição destes ingredientes entre humanos e animais (Ramos et al., 2006; Ramos et al., 2007).
A região nordeste possui diferenciada riqueza vegetativa para a alimentação animal, entretanto, certos inconvenientes no uso de plantas forrageiras referem-se à fração fibrosa e fatores antinutricionais, os quais prejudicam a digestibilidade das proteínas e a utilização metabólica de aminoácidos, reduzem absorção de minerais e vitaminas, e aumentam as necessidades energéticas (Costa et al., 2007). Neste contexto, uma das leguminosas de cultivo adaptado ao semi-árido e usada para aves caipiras é a Leucena, cujo terço aéreo da planta apresenta bom poder pigmentante (carotenóides), satisfatório valor protéico e energético, porém, apresenta limitação de inclusão dietética devido aos níveis de lignocelulose da fibra e uma substância fitotóxica denominada mimosina (Oliveira et al, 2000; Arruda et al, 2010b).
Desta maneira, o uso de alimentos não convencionais representa uma das principais ações fomentadoras do sistema de produção de aves caipiras, embora a extensão do conhecimento ainda seja escassa mediante a diversidade regional. Portanto, objetivou-se com este estudo, avaliar a digestibilidade aparente dos nutrientes e a energia metabolizável do feno de leucena, com uso de dietas simplificadas para aves da linhagem Isa Label, durante dois períodos distintos da fase de crescimento.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Setor de Avicultura da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), no primeiro semestre de 2009. A temperatura e umidade relativa do ar no interior dos galpões, durante o período experimental, foram mensuradas com uso de termohigrometro digital, e situaram-se em 27°C e 67%, respectivamente, caracterizando ambiente limite ao estresse calórico para aves (Lana et al., 2000).
O alojamento dos pintainhos Isa Label de 1 dia de idade, vacinados contra marek e bouba aviária, realizou-se em galpões com cobertura de telha francesa, piso de concreto e muretas laterais em alvenaria, com tela de arame até altura do pé-direito do telhado, providas de cortinas laterais. Nesta fase inicial, utilizou-se ração convencional, comedouros e bebedouros tipo infantil, cama de maravalha sobre piso de concreto, círculos de proteção e campânulas a gás para aquecimento na primeira semana de vida. Após a sexta semana de vida, as aves foram selecionadas com base no peso vivo de modo uniforme para experimento.
As rações foram formuladas com base nas recomendações de Oliveira (2005), adaptadas às exigências nutricionais para aves de crescimento lento ou semi-pesadas sugeridas por Rostagno (2005). Na Tabela 1 são apresentados os tratamentos que consistiram de uma ração controle (RCO) e outra ração com feno de leucena (FLE), a qual conteve um nível de substituição de 20% (kg/kg) do milho e do farelo de soja pela leguminosa em estudo, ambas suplementadas com vitaminas e minerais. As rações foram elaboradas observando as exigências das aves em dois períodos de crescimento, a fase de cria (FC) de 8 a 10 semanas e a fase de recria (FR) de 16 a 18 semanas de idade. As análises químicoenergéticas dos alimentos e das rações realizaram-se no Laboratório de Nutrição Animal da UFERSA, seguindo as técnicas descritas por Silva & Queiroz (2002).
O ensaio foi realizado com 48 aves dispostas em sistema de baterias, alojadas aos pares em gaiolas de digestibilidade metálicas com dimensões de 40 x 40 x 22 cm, providas de bebedouro semi-automático do tipo nipple, comedouro tipo calha e bandejas adaptadas a fim de facilitar o processo de coleta das excretas. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2x2 (rações x idades) com 12 repetições e duas aves por unidade experimental, sendo a seleção das aves baseada na uniformidade em peso vivo. O método utilizado foi o de coleta total de excretas, a cada 24 horas, com alimentação ad libitum. O período de adaptação foi de sete dias seguido de jejum para o início do período de coleta de excretas por mais sete dias. Nos períodos de coleta de excretas durante a fase de crescimento, houve a subdivisão em duas fases, de 56 a 70 dias (FC) e de 84 a 98 dias (FR).
Tabela 1. Composição percentual e químico-energética da ração controle (RCO) e ração com feno de leucena (FLE) para as fases de cria (FC) e recria (FR) de aves caipiras.
Os animais e as rações foram pesados, antes e após cada período de experimental, sendo as sobras de ração e as excretas pesadas, identificadas e congeladas imediatamente a -10°C.
Ao término do período experimental as excretas foram descongeladas à temperatura ambiente e homogeneizadas, em seguida, foram pesadas e amostradas de modo representativo por repetição, destinando-as para realização da pré-secagem em estufa de circulação de ar forçada a 55º C por 72 horas. Após a pré-secagem, as amostras foram moídas em moinho de facas com peneira de 1mm para execução das análises químico-energéticas. Posteriormente, foram determinados os coeficientes de digestibilidade aparente dos nutrientes, mediante técnica matemática convencional, e seqüencialmente, os coeficientes de metabolização da energia das rações e do feno de leucena, seguindo protocolo de avaliação de alimentos para aves conforme descrito por Sakomura & Rostagno (2007). A hipótese experimental deste trabalho foi validada pela análise estatística dos dados, mediante análise de variância e teste de médias, em nível de 5% de probabilidade, através do programa computacional contido no Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas - SAEG (UFV, 2000).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O feno de leucena apresentou teores médios de 89,65% de matéria seca (MS); 7,27% de matéria mineral (MM); 3,50% de extrato etéreo (EE); 49,05% de fibra em detergente neutro (FDN); 26,49% de fibra em detergente ácido (FDA) e 17,50% de proteína bruta (PB) e de 4892,18 EB kcal/kg, sendo esta composição bromatológica similar ao obtido por Arruda et al. (2010). Na Tabela 2 pode-se observar ausência de interação significativa (P> 0,05) para digestibilidade do EE, FDN, FDA, PB e disponibilidade de MM, porém, observam-se interações significativas (P< 0,05) para digestibilidade da MS e EB entre as rações e as fases.
Tabela 2. Digestibilidade aparente (CDA) das rações controle (RCO) e com feno de leucena (FLE) para aves Isa Label nas fases de cria (FC) e de recria (FR).
A redução na disponibilidade de MM e na digestibilidade da PB e do EE da ração FLE pode estar associada ao aumento da fração fibrosa, elevando a taxa de passagem e perdas endógenas (Sakomura & Rostagno, 2007; Leeson & Summers, 2001), aliado a uma provável quelatação indesejável com taninos que indisponibilizam elementos minerais e ação adstringente sobre a atividade proteolítica intestinal (Ramos et al., 2007; Oliveira et al., 2000). A redução na disponibilidade de MM e diminuição na digestibilidade da PB e do EE podem ter sido causadas decisivamente pelo efeito físico da fibra com inclusão do feno de leucena, influenciando a viscosidade da digesta, atividade enzimática e a capacidade de absorção intestinal destes nutrientes (Arruda et al., 2008; Oliveira et al., 2000). Adicionalmente, um provável efeito acumulativo de pigmentos carotenóides nas excretas das aves alimentadas com o feno de leucena (Sucupira, 2008), justificaria também a diferença estatística observada entre as médias de digestibilidade da fração lipídica (EE) entre as rações RCO e FLE.
Na Tabela 2 não se verificam diferenças estatísticas significativas em relação à digestibilidade da fração fibrosa, tanto entre as rações RCO e FLE, sugerindo que apesar do aumento quantitativo de fibra dietética, em termos qualitativos, a lignificação da parede celular da leguminosa fenada não influenciou negativamente a atividade fermentativa microbiana cecal, ao contrário, permite inferir sobre possível efeito compensatório na magnitude da degradação desta fração fibrosa, a qual depende da complexação entre lignina, pectina, celulose e hemicelulose (Van Soest et al., 1991; Van Soest, 1994). Tal argumento pode ser válido para justificar a ausência de diferença estatística entre as médias de digestibilidade da fibra entre as fases FC e FR, ao se considerar as características intrínsecas da eficiência digestiva destas aves relacionadas à maturidade fisiológica do trato digestório (Macari et al., 2002; Leeson & Summers, 2001).
No comparativo entre as rações RCO e FLE, houve redução na digestibilidade da MS e EB, provavelmente, devido às diferenças na composição nutricional das rações propiciadas pela inclusão do feno de leucena, entretanto, quando contrastado com as fases FC e FR, apenas as rações FLE proporcionaram diferenças estatísticas justificáveis pela magnitude da eficiência digestiva relacionada à maturidade fisiológica ou idade das aves. A partir dos coeficientes de digestibilidade aparente de energia bruta das rações, determinaram-se os valores de energia metabolizável aparente (EMA), os quais apresentaram interação significativa (P< 0,05). A média geral de EMA foi 3064,33 kcal/kg (CV=2,02%), determinando-se para FC 2979,51 kcal/kg com RCO e 2694,19 com FLE, enquanto para FR, 3285,83 kcal/kg com RCO e 3267,80 kcal/kg com FLE. Tais resultados podem ser explicados pelas interações nutricionais resultantes da substituição em 20% (kg/kg) da RCO pelo feno de leucena em ambas as fases, devido ao uso da metodologia de Matterson para avaliação energética de alimentos (Sakomura & Rostagno, 2007), ou seja, efeitos interativos entre o alimento fibroso em sua passagem pelo trato digestório pode ter propiciado uma menor eficiência de metabolização da energia das rações (Arruda et al., 2010b).
Tabela 3. Valor energético do feno de Leucena para aves caipiras da linhagem Isa Label em fase de Cria (FC) e de Recria (FR).
Na Tabela 3, são apresentados os valores de energia metabolizável do feno de leucena para as aves nas fases FC e FR, onde nota-se diferença estatística similar àquela obtida para digestibilidade aparente da energia bruta das rações FLE (Tabela 2). Desta maneira, os coeficientes de metabolização de energia do feno de leucena refletem a influência da composição químico-energética desta leguminosa sobre a capacidade das aves no aproveitamento geral de nutrientes (Borges et al., 2003; Sucupira, 2008), interativamente envolve a maturidade e adaptação fisiológica do trato digestório (Leeson & Summers, 2001; Macari et al., 2002) e a magnitude da simbiose microbiana intestinal (Arruda et al., 2010 ab).
Segundo Chubb (1982) e Beelen (2002), a maioria das leguminosas do semi-árido possui diversa amplitude e concentração de substancias antinutricionais, as quais podem influenciar a digestibilidade das frações protéica e energética das dietas, sendo os efeitos adversos resultantes, basicamente, de substâncias tipificadas como inibidoras de enzimas ou indisponibilizadoras de nutrientes. Assim, a fenação se torna um processo importante na alimentação alternativa, já que a desidratação parcial destes alimentos tende a minimizar ou atenuar efeitos fitotóxicos ou antinutricionais (Oliveira et al., 2000; Arruda et al., 2010 ab).
Portanto, sugere-se que o feno leucena possa ser usado na alimentação de aves da linhagem Isa Label, com níveis de inclusão máximos similares aos das dietas simplificadas deste estudo em ambas as fases de crescimento, ou seja, torna-se permissível uma combinação diversa de alimentos regionais, desde que sejam atendidas as necessidades nutricionais e a normalidade fisiológica do trato digestório das aves, almejando uma produtividade compatível com a qualidade dos produtos avícolas caipiras.
CONCLUSÃO
A inclusão de 20% de feno de leucena em dietas simplificadas para aves caipiras não resultou em diminuição significativa na digestibilidade das frações protéica e fibrosa, enquanto a energia foi influenciada em ambas as fases. O valor de energia metabolizável aparente determinado para esta leguminosa foi de 2094,70 kcal/kg para a fase de cria e de 2223,69 kcal/kg para a fase de recria.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo financiamento do projeto, e à Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte pela parceria institucional.
Publicado originalmente na Acta Veterinaria Brasilica, v.4, n.3, p.162-167, 2010.
Acesso disponível em: https://www.bvs-vet.org.br/vetindex/periodicos/acta-veterinaria-brasilica/4-(2010)-3/avaliacao-nutricional-do-feno-de-leucena-com-aves-caipiras/