Introdução
A soja é um dos insumos de maior importância para a avicultura do Brasil e de outros países devido a alta concentração em aminoácidos, especialmente lisina, e um considerável valor energético do grão. Os preços do farelo de soja e do óleo degomado de soja, são normalmente maiores do que da soja integral, o que oportuniza o emprego deste último. Contudo, a utilização da soja "in natura" em dietas de aves tem como problema a presença de compostos que deprimem o desenvolvimento dos animais, tais como inibidores de tripsina, inibidores de proteases, alcalóides, saponinas, hemaglutininas, taninos e glicosídios. Os
inibidores de tripsina são considerados os principais componentes antinutricionais da soja, destacando-se os inibidores Kunitz e Bowman-Birk (Yen et al., 1977; citados por Herkelman et al., 1992). Desta forma, o uso da soja integral na alimentação de aves tem sido limitado pela necessidade de tratamento térmico para inativação dos compostos antinutricionais. Quando o processamento térmico da soja é inadequado, seja por super ou subaquecimento dos grãos, a qualidade da
proteína e a disponibilidade de energia são afetados. Os principais tipos de processamento da soja são: tostagem por tambor rotativo; tostagem por vapor úmido; tostagem por vapor seco; tostagem por "jet sploder"; micronização; extrusão úmida ou seca e microondas. A correlação entre tipo de processamento e desempenho animal é baixa, já que é possível muitas combinações entre tempo de processamento, temperatura e umidade, visando melhorar a qualidade do grão de soja e reduzir os custos de processamento, principalmente quanto a nergia (Larbier & Leclercq, 1992). É necessária a caracterização nutricional dos produtos gerados a partir do processamento da soja. Um aspecto importante é que normalmente os estudos comparativos entre farelo de soja e sojas inativadas por outros processos, são realizados utilizando-se partidas de sojas diferentes. No presente estudo todos os produtos estudados, o farelo de soja e as sojas processadas, foram produzidos a partir de uma única partida de soja crua. O objetivo deste trabalho foi caracterizar a soja integral processada com diferentes processos, através da determinação da composição química, aminoácidos totais e a energia metabolizável aparente corrigida para nitrogênio (EMAc) em frangos de corte.
Foram utilizados quatro processos para a desativação da soja, descritos a seguir:
a) Farelo de soja - Extração por solvente Os grãos passam por uma máquina de limpeza e seguem para uma balança de fluxo que regula a produção automaticamente. Após a pesagem, seguese com a quebra do grão de seis a oito partes em um moinho quebrador, de rolos estriados. O produto quebrado é direcionado para um sistema de separação de cascas, sendo que as cascas são ensacadas e a polpa é acondicionada por aquecimento à vapor direto e indireto em um condicionador vertical. Seguindo o processo, a polpa é laminada por meio de laminadores de rolos lisos. A massa laminada é posteriormente expandida através de um expander que prensa a massa, sendo que o vapor que é diretamente injetado no interior do canhão provoca sua expansão quando da saída de ambos pelo cone de descarga entrando em contato com a pressão ambiente. Em seguida, esta massa expandida é secada e resfriada antes de entrar na extração propriamente dita. No extrator, a massa recebe banho de solvente em fluxo contracorrente, sendo que o solvente retira gradativamente o óleo da massa e fica cada vez mais concentrado. A miscela (óleo + solvente) é direcionada à destilaria para recuperar o solvente que retorna ao processo por meio de condensadores e decantadores. O óleo então é hidratado para ser degomado. A seguir o óleo é secado e enviado aos tanques de estocagem para posterior expedição à granel. A massa (lex) que retém aproximadamente 30% de solvente é direcionada para um dessolventizador-tostador. Neste equipamento, na primeira etapa, a massa é aquecida por vapor indireto em todos os pisos e no último por vapor direto para retirar o solvente remanescente na massa. Na segunda etapa, a massa recebe aquecimento por vapor indireto nos pisos, tostando o produto e eliminando as enzimas prejudiciais a uma melhor conversão alimentar. O solvente eliminado é recuperado por meio de condensadores e decantadores, retornando ao processo. A massa após a tostagem é secada e resfriada, resultando no farelo de soja pronto para consumo.
b) Soja desativadas em reator (Soja 1 e Soja 3). Os grãos de soja são direcionados para um reator, onde sofrem aquecimento por vapor e sob pressão o tempo necessário para inibição dos fatores antinutricionais presentes na soja sendo em seguida resfriado e pronto para o consumo. O processo de desativação foi semelhante entre as soja 1 e 3, somente foram utilizados equipamentos diferentes.
c) Soja desativada com aquecimento por perdas dielétricas (Soja 2). O processo inicia com a umidificação dos grãos de soja. Em seguida é direcionado por meio de uma esteira para uma câmara com microondas. Os grãos de soja são então desativados por aquecimento através de perdas dielétricas no tempo necessário para inibição dos fatores antinutricionais presentes na soja. Na mesma esteira os grãos passam por uma corrente de ar frio que resfria o produto, finalizando o processo.
d) Soja extrusada à seco (Soja 4). O processo ocorre com o produto sendo inicialmente moído. Em seguida é acondicionado por meio de uma rosca com resistência elétrica. Os grãos de soja são então direcionados para um extrusora, que consiste de um canhão com helicóides e cones dispostos de tal forma a provocar um
aquecimento por atrito e pressão o tempo necessário para inibição dos fatores antinutricionais presentes na soja. Após a extrusão o produto é então resfriado por meio de um tambor rotativo, ficando pronto para o consumo.
Avaliação química e "in vivo" das sojas processadas. Os processamentos realizados na soja foram realizados sob a coordenação da Cooperalfa, sendo então encaminhadas partidas dos produtos à Embrapa Suínos e Aves para as determinações laboratoriais e realização de um experimento de metabolismo com frangos de corte. Na Embrapa Suínos e Aves foram coletadas amostras do farelo de soja e das sojas processadas para determinar a composição química, física (Tabela 1) e teores de aminoácidos (Tabela 2). Além disso, foi coletada uma amostra da soja integral crua, antes dos processamentos, para determinar matéria seca, proteína
bruta, atividade ureática e solubilidade da proteína em KOH (Tabela 1).
Tabela 1. Composição química, atividade ureática, solubilidade da proteína em KOH, tamanho de partículas e da EMAc com seus respectivos desvios padrões da média, dos ingredientes estudados.
1,3 Soja desativada por reator; 2 Soja desativada com aquecimento por perdas dielétricas; 4 Soja desativada por extrusão à seco; ND= Não determinado. Médias na linha seguidas de letras diferentes são diferentes (P<0,05) pelo teste de Tukey.
Tabela 2. Teores de aminoácidos do farelo de soja, soja 1, soja 2, soja 3 e soja 4.
1,3 Soja desativada por reator; 2 Sojas desativadas com aquecimento por perdas dielétricas; 4 Soja desativada por extrusão à seco; ND = Não determinado.
Paralelamente, foi realizado o experimento para a determinação da energia metabolizável aparente corrigida para nitrogênio. No experimento foram utilizados 600 pintos de corte criados em baterias com aquecimento elétrico até a idade de 14 dias, quando então foram transferidos para as baterias sem aquecimento em sala de metabolismo. O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com 6 tratamentos (farelo de soja, 4 tipos de soja e uma ração referência) e 10 repetições de 10 aves por unidade experimental formada por cinco machos e cinco de fêmeas. Os tratamentos experimentais foram:
T1 - Dieta referência, à base de milho e farelo de soja comercial;
T2 - 70% da dieta referência e 30% de farelo de soja teste;
T3 - 70% da dieta referência e 30% da soja 1;
T4 - 70% da dieta referência e 30% da soja 2;
T5 - 70% da dieta referência e 30% da soja 3;
T6 - 70% da dieta referência e 30% da soja 4.
A dieta referência, à base de milho e farelo de soja, continha 21% de proteína bruta e 2900 kcal de EMAc/kg de ração, além de minerais, vitaminas e aditivos. As rações foram fornecidas à vontade por um período de nove dias (15 a 23 dias), sendo quatro de adaptação e cinco de coleta total de excreta de cada unidade experimental. Foi utilizado o método de coleta total de excretas segundo Hill & Anderson (1958). As excretas foram coletadas diariamente, em intervalos de 12 horas durante cinco dias. Foram usadas bandejas cobertas com plásticos, colocados sob cada compartimento das baterias, de modo a individualizar as excretas e evitar perdas. A excreta recolhida foi colocada em sacos plásticos, pesada e armazenada em congelador até o final do período de coleta, quando então foram descongeladas, reunidas por repetição, homogeneizadas e retiradas alíquotas de 400 a 500 g, colocando-as em estufas ventiladas, a temperatura de 55°C por 48 horas. Foram registradas as quantidades das rações testes e referência ingeridas por unidade experimental e determinados os valores de matéria seca, energia bruta e nitrogênio das dietas e das excretas. Nas sojas e farelo de soja teste foi determinada a matéria seca. Os valores de energia metabolizável dos 4 tipos de soja e do farelo de soja teste foram obtidos utilizando a fórmula de Matterson et al. (1965) e ajustadas com base na retenção de nitrogênio. Os dados da EMAc foram submetidos à análise de variância utilizando-se o programa SAS Institute Inc. (1995). Havendo diferenças significativas (P<0,05) foi aplicado o teste de médias Tukey.
Resultados e Discussão
Os resultados apresentados na Tabela 1 mostram que não houve grandes variações na composição química considerando os quatro tipos de processamento da soja em grão. Porém, com relação ao farelo de soja, como era esperado, verificou-se um aumento da proteína bruta e diminuição da energia bruta e extrato etéreo, resultante da extração do óleo. Todos os processos aplicados à soja foram efetivos na desativação dos fatores antinutricionais, visto que a atividade ureática verificada foi abaixo de 0,15 para o farelo e 0,2 para as sojas integrais processadas, índices estes preconizados pelo Compêndio Brasileiro de Alimentação Animal. Porém, houve uma excessiva desnaturação da proteína tanto no farelo de soja como nas sojas integrais processadas, com exceção da soja 4, em que foi utilizado o processo de extrusão à seco, considerando a solubilidade da proteína em KOH de 80%, descrita no Compêndio (2005).O farelo de soja, em função da extração do óleo, apresentou um nível menor de extrato etéreo e uma menor EMAc. Já quando são comparadas as soja integrais processadas, verificou-se que a soja 4 teve a melhor digestibilidade da energia, apresentando a maior EMAc, provavelmente devido ao processamento e à menor granulometria do produto, comparado aos outros tipos de soja. Considerando-se a composição em aminoácidos (Tabela 2), observa-se que o farelo de soja apresentou o melhor perfil, visto que ao retirar-se parte do óleo houve uma maior concentração destes nutrientes. Já entre as sojas integrais processadas verifica-se que o perfil em aminoácidos foi semelhante.
Considerações Finais
Conclui-se que o processamento com extrusão à seco foi o melhor processo para a soja integral, resultando em um produto de maior qualidade quando comparado as outras sojas integrais processadas. A elaboração do farelo de soja também resultou em um processo de boa qualidade, porém com a solubilidade da proteína em KOH um pouco abaixo da desejado.
5. Referências Bibliográficas
COMPÊNDIO brasileiro de alimentação animal. São Paulo: Sindirações, 2005. 204p.
HERKELMAN, K. L.; CROMWELL, G. L.; PFEIFFER, T. W; KNABE, D. A. Apparent digestibility of amino acids in raw and heated conventional and low trypsin inhibitor soybeans for pigs. Journal of Animal Science, Champaign, v. 70, p. 818-826, 1992.
HILL, F.W.; ANDERSON, D.L. Comparation of metabolizable energy and productive energy determination with growing chicks. Journal of Nutrition, 64:587-603,1958.
LARBIER, M.; LECLERCQ, B. Nutrition and feeding of poultry.
In: LARBIER, M.; LECLERCQ, B. Raw materials employed in poultry production. Loughborough: Nottingham University Press. 1992. Cap. 10, p. 223-265.
MATTERSON L. D.; POTTER, L.M.; STUTZ, M.W. The metabolizable energy of feed ingredients for chickens. Connecticut: University of Connecticut. Agricultural Experiment Station, 1965. P. 3-1. (Research Report , 7).
SAS INSTITUTE INC. SAS User''''s guide: statistics. Cary, 1995. 955p.