INTRODUÇÃO
A avicultura no Brasil vem se destacando no cenário mundial, em 2017 o país ocupou o 2° lugar em produção de frangos de corte, totalizando 13,1 milhões de toneladas produzidas e 1° lugar mundial em exportação com 4,32 milhões de toneladas. Em relação a 2016, houve um aumento na produção nacional de 1,7%, sendo o sul e centro-oeste as regiões de destaque (Embrapa, 2018). Segundo Oliveira & Nããs (2012), a eficiência desta cadeia produtiva está vinculada a vários fatores, como o melhoramento genético de linhagens e insumos, investimentos em tecnologias para automatização do sistema produtivo, controle das condições sanitárias através das boas práticas de fabricação, aperfeiçoamento dos trabalhadores quanto ao manejo das aves, além do sistema de integração.
Porém, esse processo produtivo ainda enfrenta alguns entraves como as condenações de carcaças, sendo grandes fontes de prejuízos às indústrias avícolas (GIOTTO, 2008). Segundo a Portaria n° 210 (MAPA, 1998), as condenações post mortem ocorrem em decorrência de abcessos e lesões supuradas, aerossaculite, processos inflamatórios (artrite, dermatite, salpingite, e colibacilose), tumores, aspecto repugnante, caquexia, contaminação, contusão e fraturas, dermatoses, escaldagem excessiva, evisceração retardada, sangria inadequada, magreza, septicemia, síndrome ascite e doenças especiais (MAPA, 1998). De acordo com Abreu & Abreu (2002), Rosa et al. (2012) e Groff et al. (2015), diversos fatores contribuem para a perda de qualidade das carcaças como a genética, manejo da criação, nutrição, manejo e transporte das aves, abate e processamento das carcaças. Portanto, este trabalho objetivou avaliar as principais causas de condenações totais e parciais pelo serviço de inspeção federal durante a inspeção post mortem de carcaças de frangos de corte e possíveis impactos da implantação de abate religioso em um frigorífico goiano no período de setembro a dezembro de 2018.
MATERIAIS E MÉTODOS
Esse trabalho foi realizado a partir de levantamentos de dados gerados pelo Serviço de Inspeção Federal em um frigorífico localizado na região sul do Estado de Goiás, Brasil que abate em média cerca de 180 mil aves/dia. Nesse período de análise, entre setembro a dezembro de 2018, houve a implantação do novo método de abate religioso voltado para o mercado Arábia Saudita. O frigorífico abate em média 180 mil aves por dia voltadas para o mercado externo. São produzidos diariamente frangos inteiros nas faixas de peso 900g, 1000g, 1100g, 1200g, 1300g e 1400g, além dos cortes para bandejas de 1 kg e saquinhos de 2,5 kg de asas, coxas e sobrecoxas, filé de peito, meio peito, recorte de peito para matéria-prima, miúdos como moela e coração, pés e CMS. 88,9% da produção é destinada ao mercado interno e 11,1% ao mercado externo.
Foi realizado o acompanhamento da inspeção das carcaças, sendo realizado por agentes do SIF devidamente treinados e divididos por linhas. A linha A realiza o exame interno através da visualização da cavidade torácica abdominal, verificando a possibilidade de doenças como aerossaculite total/parcial, contaminação, Síndrome Ascítica, colibacilose, nefrite, salpingite, septicemia, evisceração retardada ou outras causas que diferem das citadas. Já a linha B inspeciona a integridade das vísceras, analisando possível presença de hepatite, pericardite, salpingite, contaminação, isquemia/congestão, coligranulomatose e outras causas, observando cor, tamanho, consistência. Por fim, a linha C realiza o exame externo visualizando as superfícies externas (pele e articulações) e inspeciona possíveis fraturas/contusões, dermatose, miopatia, contaminação, abscesso, artrite e outras causas que não se enquadram nas doenças (Figura 1). Todas as linhas devem respeitar o tempo mínimo de 2 (dois) segundos por ave para devida inspeção.
FIGURA 1: Ábacos para marcação de condenas na inspeção post-mortem divididos por linhas A, B e C, respectivamente, no setor de evisceração
Há também um ponto de pré-inspeção no setor de escaldagem e depenagem em que condena totalmente carcaças que podem apresentar doenças como caquexia, aspecto repugnante, má sangria, escaldagem excessiva, papo cheio e ascite (Figura 2).
FIGURA 2: Ábaco para marcação de condenas na pré-inspeção no setor de depenagem/escaldagem
Acompanhou-se também a realização do desvio das carcaças com anomalias para a linha do Departamento de Inspeção Federal, sendo dependurados de acordo com as respectivas doenças. Quando desviados pela linha A, são dependurados pelo pescoço; linha B dá o destino sem desvio e na linha C são dependuradas pela coxa, exceto artrite sendo pela asa. Para a análise da quantidade de condenas, foram realizadas coletas dos dados a partir de registros de condenações totais e parciais de carcaças de frangos de corte abatidos no período de setembro a dezembro de 2018, fornecidos pelo serviço de Inspeção Federal e lançados no sistema da produção denominado SAP, sendo essas carcaças acometidas por alguma anomalia e o destino dado segundo o anexo IX do Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de Carne de Aves Portaria n° 210 de 10 de Novembro de 1998.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No decorrer do período de setembro a dezembro de 2018 o frigorífico abateu uma média de 6.500.000,00 milhões de frangos, dos quais 2,04% (132.600 aves) foram condenados totalmente e 23,28% (1.513.200 aves) foram condenados parcialmente seguindo critérios determinados pelo Serviço de Inspeção Federal. O Gráfico 1 apresenta o percentual de condenações totais e parciais mensais de acordo com os respectivos números de aves abatidas, durante o período do presente trabalho.
GRÁFICO 1: Quantificação mensal em percentual das condenações parciais e totais no período de Setembro a Dezembro de 2018
Das causas principais de condenações totais se destacam como de maiores incidências má evisceração, outras causas que incluem perdas de frangos nas máquinas e durante o processo e escaldagem excessiva, perfazendo 0,39; 0,36 e 0,32 %, respectivamente, em relação ao total de aves abatidas no período de Setembro a Outubro de 2018 (Gráfico 2).
GRÁFICO 2: Quantificação e percentual das condenações totais no período de Setembro a Dezembro de 2018.
Em relação às causas principais de condenações parciais as que apresentaram maiores índices no período analisado foram contusão e fratura, contaminação, má evisceração e artrite, representando 10,04; 5,93 e 1,49%, respectivamente, em relação ao total de aves abatidas perfazendo 80,3% do total de condenas parciais (Gráfico 3).
GRÁFICO 3: Quantificação em percentual das condenações parciais no período de Setembro a Dezembro de 2018
Após a realização de uma análise mensal estratificada das condenas mais incidentes, observou-se que, entre os meses houve diferença significativa no percentual de condenações totais destas afecções, conforme representado no gráfico 4.
GRÁFICO 4: Quantificação em percentual das condenações totais mais incidentes no período de Setembro a Dezembro de 2018
O Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de Carne de Aves Portaria n° 210 de 10 de Novembro de 1998, anexo IX, descreve os critérios de avaliação das aves, aspectos das doenças e seus respectivos destinos, podendo as carcaças serem condenadas na inspeção post mortem por abscessos, aerossaculite parcial ou total, aspecto repugnante, caquexia, celulite, contaminação, contusão e fratura, dermatoses, escaldagem excessiva, evisceração retardada, septicemia, síndrome ascítica, neoplasias e outras causas podendo se encaixar a má evisceração. Além disso, as causas de condenações podem ser denominadas como patológicas sendo aquelas provenientes de lesões ocasionadas por alguma enfermidade e não patológicas em decorrência de falhas durante o carregamento, pela apanha, transporte, pendura, máquinas e equipamentos de abate representando grande perda de carcaça no abatedouro (OLIVO, 2006). Sendo assim, as condenações de maiores incidências a serem descritas posteriormente se enquadram em nãopatológicas.
Má Evisceração
No período do levantamento, as condenações totais ocasionadas por má evisceração foram as mais prevalentes perfazendo 19,6% do total, fato evidenciado de forma mais acentuada nos meses de Novembro e Dezembro. Estas condenas são resultados de falhas decorrentes de quebra de parte dos equipamentos responsáveis pela retirada das vísceras, fazendo com que as mesmas se perdessem no processo e ou permanecessem dentro das carcaças. Portanto, sendo condenadas pelos agentes, pois de acordo com o Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de Carne de Aves Portaria n° 210 de 10 de Novembro de 1998, anexo V “Inspeção Post Mortem: 5.2 A identificação de cada carcaça e vísceras desviadas da linha de abate para a inspeção final deverá ser mantida até o exame final do veterinário do SIF estar completado.” Sendo assim as carcaças que não apresentem vísceras para serem inspecionadas são descartadas totalmente. Além disso, a falta de padronização de lotes dificulta a gabaritagem dos equipamentos para devida evisceração as aves, podendo ocasionar essa condenação.
Outras Causas
A segunda maior condenação total das carcaças foi em decorrência a outras causas perfazendo um total de 17,4% e incluíam perdas nas máquinas durante o processo, caindo nas calhas sendo assim descartadas. As máquinas de maior incidência de perda das aves foram no transferidor, que realiza a troca de linha do cortador de pé para a área da linha de evisceração; a máquina evisceradora e a máquina responsável pela retirada de papo e traqueia.
Além disso, ocorreram perdas decorrentes de aves desuniformes, visto que as nóreas são gabaritadas de acordo com o peso do frango e consequentemente os que apresentam peso inferior não conseguem se prender na mesma, ocorrendo a queda. A desuniformidade das aves também é um fator relevante corroborando com Silva & Pinto (2009), que afirma que as oscilações no peso dos frangos comprometem a regulagem de máquinas durante o processo de abate.
Escaldagem Excessiva
Em terceiro lugar de maior causa de condenação total destacou-se a escaldagem excessiva, representando 15,7% do total. Na análise, observouse que as mesmas foram mais prevalentes a partir de outubro com decréscimo a partir dos outros meses. A escaldagem excessiva decorre, especialmente, de paradas na linha de abate, causadas por queda de energia, fazendo com que as aves ficam submersas no tanque de escaldagem por tempo prolongado (MASCHIO & RASZL, 2012).
Esse fato deveu-se ao novo método de abate religioso e assim a instalação de um novo equipamento para a sangria das aves no mês de outubro, passando por adaptações. Desta forma, ocorreram diversas paradas no processo e devido a linha ser contínua, quando ocorria as mesmas, as aves permaneciam dentro dos tanques por um longo período, sendo julgadas posteriormente pelo agente de inspeção segundo o Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de Carne de Aves Portaria n° 210 de 10 de Novembro de 1998, anexo IX portaria n°210 em que diz que “as lesões mecânicas extensas, incluindo as devidas por escaldagem excessiva, determinam a condenação total das carcaças e vísceras”.
No mês de Novembro e Dezembro houve uma redução no índice, devido a diminuição de falhas técnicas do equipamento e adaptação ao processo. Já na análise mensal estratificada das condenações parciais entre Setembro a Dezembro observou-se que, houve diferença significativa no percentual entre os meses, conforme representado no gráfico 5.
GRÁFICO5: Quantificação em percentual das condenações parciais mais incidentes no período de Setembro a Dezembro de 2018
Contusão e Fratura
Como maior condena destacou-se contusão e fratura representando aproximadamente 43% das condenações parciais, tendo uma maior incidência nos meses de Outubro e Novembro. Este resultado foi decorrente do novo método de abate implantado no frigorífico no mês de Outubro, em que as aves são sangradas sem insensibilização o que promove maior movimentação das aves e consequentemente hematomas e fraturas. Houve então, uma queda no mês de dezembro devido à adaptação do processo, regulagem de máquinas e experiência adquirida pelos sangradores, métodos esses implantados por uma gestão dem acompanhamento desenvolvida. Outros autores também apontam essa alteração como o principal fator que leva a condenação de carcaças sendo responsável por 65,26% (LIMA et al., 2014) e 54,38% (PASCHOAL et al., 2012) do total de condenações parciais.
Além disso, há a hipótese de erro de manejo no processo de pré-carregamento como afirma o estudo de Allain et al. (2009), em que a ocorrência de contusões e fraturas podem estar relacionadas com o momento da apanha ou durante os transportes.
Contaminação
A segunda maior condenação total das carcaças foi contaminação impactando em 22,7% e teve como principal fator tempo de jejum inadequado ocasionando papo e reto cheios. Ao passarem pelo processo de evisceração nas máquinas, quando as vísceras são tracionadas para fora da ave ocorre à queda do conteúdo gástrico ou fecal na carcaça. Pode ocorrer também o rompimento da vesícula biliar ocasionando a contaminação biliar, porém, a incidência é menor em relação às outras e ocorre em média de 0,5% segundo acompanhamento do operador do setor.
Um dos principais fatores que levam a essa ocorrência seria o período de jejum inadequado visto que, o tempo necessário varia entre 8 a 12 horas segundo Northcutt et al. (1997) e no entanto é influenciado pela logística da empresa, distância até o abatedouro e o tempo de espera na plataforma. Portanto, para um menor índice de contaminação no abatedouro é fundamental que o intestino e o papo estejam vazios no momento da apanha (MENDES, 2001).
A desuniformidade das aves também é um fator relevante para este problema sendo que segundo Silva & Pinto (2009), as oscilações no peso dos frangos compromete a regulagem de máquinas durante o processo de abate, o que implica na condenação de carcaças por contaminação.
Má Evisceração
A condenação de terceiro maior impacto motivou-se pela má evisceração, representando 6,4% do total de condenações parciais. Na análise, observou-se que as mesmas se mantiveram ao decorrer dos meses sendo resultados de falhas decorrentes de quebra de parte dos equipamentos responsáveis pela retirada das vísceras, fazendo com que as mesmas ficassem dependuradas no dorso da carcaça. Desta forma, a critério do S.I.F é feito o aproveitamento parcial das mesmas visto que há presença das vísceras correspondentes às carcaças possibilitando a inspeção, como preconiza o anexo n° 5.2 da Portaria n° 210 de 10 de Novembro de 1998 .
CONCLUSÃO
Através do presente trabalho, pode-se concluir que a implantação do novo método de abate religioso trouxe impactos no aumento da incidência de condenações. De todas as condenações totais a mais relevante foi a má evisceração e das parciais, contusões e fraturas em decorrência, respectivamente, de partes da evisceradora estarem danificadas e do novo método de sangria. Sendo assim, torna-se evidente a importância de se realizar medidas para minimizar essas perdas tais como a regulagem da máquina de contenção na sangria e uma boa performance dos sangradores, que foram essenciais para reduzir as contusões e fraturas e adaptação ao processo, além de exigir o cuidado durante o manejo de apanha, carregamento, transporte e pendura. A troca de tesouras e manutenção de colheres na máquina evisceradora é crucial para um bom desempenho nas carcaças. Uma boa gestão no acompanhamento diário e verificação de quais condenas apresentam o maior índice é essencial para observar a evolução das condenações.
Além disso, pôde-se perceber a importância da atuação do médico veterinário e dos agentes de inspeção do serviço de inspeção federal dentro dos frigoríficos, pois, eles avaliam as anomalias e fornecem dados para que a produção possa atuar nas causas de origem, garantindo segurança alimentar ao consumidor e minimização das perdas econômicas.
Publicado originalmente na revista eletrônica Nutri.Time, 2022.
Vol. 19, No 05, set/out de 2022
ISSN: 1983-9006
www.nutritime.com.br