O Brasil e sua realidade pecuária
As projeções da Assessoria de Gestão Estratégica do MAPA (1) mostram que o setor de carnes deve apresentar intenso dinamismo nos próximos anos. Entre as carnes, as que se projetam com maiores taxas de crescimento no período 2009/2010 a 2019/2020 são a carne de frango, que deve crescer anualmente a 3,64%, a bovina, com crescimento projetado de 2,15% ao ano e a suína com crescimento projetado de 2,0% ao ano.
Esses dados mostram a importância que o setor pecuário tem para o Brasil como gerador de renda, empregos e divisas. Portanto, o país, cada vez mais, irá necessitar de profissionais capacitados para atuar nessas produções.
Atualmente, o exercício das ciências zootécnicas não se limita mais a produzir pautando-se por produção e produtividade. Outro fator faz parte do cotidiano pecuário que é sua relação com o ambiente. Índices zootécnicos como ganho de peso, conversão alimentar, peso ao abate e taxa de desfrute, continuam a ser importantes, mas novos índices adquirem cada vez mais importância como: quantidade de resíduos gerados, concentração dos gases emitidos, eficiência hídrica, entre outros.
O país deverá manter a liderança de principal exportador de carnes, bovina e de frango, bem como manter sua posição nas exportações de carne suína. Em 2019/2020 as relações exportação do Brasil/comércio mundial, devem representar: carne bovina, 42,7% do comércio mundial; carne suína, 16,0% do comércio mundial; carne de frango, 70,0% do mercado mundial (1). Os países importadores da carne brasileira têm poucas exigências ambientais aos nossos produtos. Atualmente, a maior exigência está relacionada à carne bovina produzida na região amazônica.
No futuro, além das barreiras sanitárias, poderemos ter que se adequar as barreiras ambientais.
AGE/MAPA destaca que apesar do Brasil apresentar nos próximos anos forte aumento das exportações, o mercado interno será um forte fator de crescimento. Do aumento previsto na produção de carne de frango, 65,3% da produção serão destinados ao mercado interno; da carne bovina, 77,0% e da carne suína, 80,0% serão destinados ao mercado interno.
A grande capacidade de consumo de nosso mercado interno está nas Classes C e D, calcula-se que essas duas Classes representam 100 milhões de brasileiros. As pessoas que compõem essas Classes tiveram ganhos de renda significativos ao longo dos últimos anos, isso conduz a uma mudança nos hábitos alimentares, principalmente no maior consumo de proteína animal. O consumo desses consumidores se baseia no preço, ou seja, valores como ambiente, trabalho escravo e infantil e segurança dos alimentos não são decisivos no momento da compra.
Considerando a realidade pecuária e social e as projeções para os próximos anos a pergunta que deve ser feita é: estamos socialmente e tecnicamente aptos para produzir com conservação ambiental?
A resposta está nos fatos: o histórico conflito ambiental nas regiões suinícolas do Sul do país; termos de ajustamento de conduta para a bovinocultura de corte na região amazônica; aqüicultura no Nordeste; etc. Conflitos entre as atividades pecuárias e o meio ambiente não são comuns ao Brasil, eles também acontecem nos países europeus e norte-americanos.
Certamente, esses países possuem uma condição ambiental da pecuária melhor que a brasileira, não por disporem de mais recursos financeiros, mas por terem legislações ambientais mais restritivas, fiscalização melhor estruturada e aparelhada, ações da extensão rural com foco no manejo ambiental e ações intensas e constantes que promovem a capacitação ambiental dos atores.
No Brasil, grande parte de nossos pecuaristas não possuem ensino médio completo. No caso das cadeias produtivas de suínos, frangos e bovinos de leite, que grande parte da produção tem origem na agricultura familiar, o nível de escolaridade desses produtores é muito baixo. Muitos não têm a habilidade de ler e escrever de forma plena.
Paralelo a essa realidade do meio rural, as graduações nas ciências agropecuárias ainda formam profissionais com uma visão produtivista e reducionista, sem a capacidade de compreender os sistemas produtivos e todas suas nuances. Disciplinas como: avaliação de impacto ambiental das atividades pecuárias, sistemas de tratamento de resíduos animais, manejo dos recursos naturais e de unidades hidrográficas, legislação ambiental, economia ambiental; estão ausentes das grades curriculares.
Por fim, os líderes dos setores pecuários e rural também não têm conhecimento sobre o manejo ambiental de suas atividades o que muitas vezes conduz para posições ideológicas e pouco técnicas.
A avaliação de impacto ambiental insere um elevado grau de conhecimento da atividade a ser avaliada e de suas relações com o meio ambiente.
Os conhecimentos necessários são:
- Conhecimento dos recursos naturais e como estes se relacionam com a produção animal;
- Conhecimento dos conceitos fundamentais das Ciências Ambientais, destacando os de Bacias Hidrográficas e Planejamento Territorial;
- Conhecimento quantitativo e qualitativo dos resíduos gerados pelas criações;
- Conhecimento da Legislação Ambiental relacionada as atividades zootécnicas;
- Conhecimento de outras atividades agropecuárias que podem interagir, facilitando o manejo ambiental;
- Conhecimento das várias tecnologias de aproveitamento e tratamento de resíduos;
- Conhecimento da economia de produção e ambiental;
- Conhecimento das aspirações ambientais e de consumo da sociedade beneficiária de seu trabalho.
O país, as agroindústrias, empresas de insumos, cooperativas e associações de produtores precisam investir, intensamente, na capacitação ambiental de técnicos e produtores. Somente dessa forma poderemos realizar avaliações de impacto baseadas no conhecimento. Isso irá melhorar a condição ambiental de nossa pecuária e diminuir os conflitos existentes
Impacto ambiental das produções animais
Os atores das cadeias pecuárias têm a percepção que os impactos ambientais são sempre negativos, mas esses também podem ser positivos. Uma área de pastagem que foi degradada pelo intenso uso sem reposição de nutrientes ao solo pode ser recuperada. Essa recuperação caracteriza um impacto ambiental positivo. Portanto, os profissionais agropecuários têm a função de promover impactos positivos e não somente de corrigir os impactos negativos. A correção sempre significará maiores custos.
A percepção de negatividade se dá ao fato de a avaliação de impacto ambiental (AIA) sempre ocorrer no momento do licenciamento da atividade. A pecuária nacional ainda não internalizou a avaliação de impacto como uma rotina da produção, só realizando essa por uma obrigação legal.
A principal função de uma avaliação de impacto é propiciar a tomada de decisão a partir da análise de cenários, ou seja, comparar a situação presente com a que ocorrerá a partir da implantação do empreendimento, analisar se os benefícios e potenciais prejuízos ambientais, sociais e econômicos justificam a atividade.
A avaliação de impacto tem um caráter preventivo e não corretivo. Outro erro de interpretação diz respeito ao que avaliar. É senso comum que a AIA deve avaliar o impacto da atividade na quantidade e qualidade dos recursos naturais renováveis e não-renováveis. Mas a AIA não se limita somente as questões ambientais, devendo compreender também as sociais e econômicas.
Na Figura 1 observam-se os potenciais impactos que as produções pecuárias podem causar.
A legislação brasileira, por meio da Resolução CONAMA 01 de 23 de janeiro de 1986, define impacto ambiental como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II - as atividades sociais e econômicas;
III - a biota;
IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V - a qualidade dos recursos ambientais.
De acordo com a Resolução, percebe-se que realizar a AIA não é um processo simples e essa não pode ser realizada somente por um profissional, mas sim por um grupo de profissionais que possuam conhecimentos em ciências agrárias, econômicas, sociais e exatas.
As AIA e os processos de licenciamento ambiental das atividades estão sendo feitos por somente um profissional que se limita a demonstrar para a agência ambiental que o empreendimento não irá causar impacto ambiental, pois os resíduos irão ser aproveitados e tratados de forma correta.
Mesmo com essa abordagem, a atividade poderá adquirir a licença, mas ser fonte de poluição. Tomando-se como exemplo a suinocultura, as leis estaduais de licenciamento da atividade permitem que os dejetos sejam utilizados como fertilizante, assim se o produtor atestar que ele dispõe de área agrícola suficiente para receber a quantidade de dejetos gerados, ele obterá a licença. Ressalta-se que todas as legislações estaduais exigem o uso do conceito de balanço de nutrientes para que a relação área/quantidade de dejetos seja calculada.
Após a obtenção da licença não existe uma fiscalização a fim de avaliar se o produtor está cumprindo com o acordado. Essa realidade ainda é agravada, pois grande parte dos produtores desconhece o conceito de balanço de nutrientes. Como resultado, aplica-se dejeto em excesso, isso faz com que a atividade se torne uma fonte de poluição difusa, comprometendo a qualidade das águas, solo e ar.
Zootecnia de Conservação
As ciências zootécnicas estão numa encruzilhada ou se continua produzindo proteína animal da forma atual com a certeza que o passivo ambiental será grande, o que poderá inviabilizar as produções em determinadas regiões devido à escassez de recursos naturais, ou inserimos o manejo ambiental no cotidiano das produções.
A decisão está em nossas mãos. Estamos frente a uma oportunidade. Podemos mostrar que a pecuária nacional pode ser grande, não só pelos seus índices produtivos, mas também pelo seu padrão ambiental.
A Zootecnia esteve baseada em três pilares: melhoramento, nutrição e manejo de animais. Uma Zootecnia de futuro não pode se limitar a essas três dimensões. Devemos implementar a dimensão ambiental, além da social e econômica, somente deste modo é que iremos na direção da sustentabilidade pecuária.
Assim, pode-se pensar em uma Zootecnia de Conservação.
Tecnicamente, existe uma diferença entre preservar e conservar o ambiente.
A busca pelo significado destas palavras em qualquer dicionário da língua portuguesa nos faz concluir que realmente as palavras são sinônimas. Segundo o Novo Dicionário Aurélio, preservação significa: "livrar de algum mal,...,conservar...". E conservação significa: "ato ou efeito de conservar(-se)." Mas o significado destas, considerando os conceitos das ciências ambientais, nos conduz a outra conclusão.
De acordo com o Dicionário Brasileiro de Ciências Ambientais, o significado de preservação é: "ação de proteger, contra a modificação e qualquer forma de dano ou modificação, um ecossistema, área geográfica, etc." O significado de conservação é: "utilização racional de um recurso natural qualquer, garantindo-se, entretanto, sua renovação ou sua auto-sustentação, difere da preservação por permitir o uso e o manejo da área."
A partir destas definições fica a pergunta. A Zootecnia deve preservar ou conservar o meio ambiente?
A resposta correta seria: ela deve fazer ambas, preservação e conservação.
Será preservacionista, por exemplo, quando mantiver a área de mata ciliar nas propriedades atravessadas por cursos de água, isto possibilita a preservação da água dos rios em quantidade e qualidade. Será conservacionista quando utilizar a água de poços para a dessedentação dos animais de forma racional, ou seja, respeitando o tempo que a natureza leva para repor esta água, assim, a água estará disponível no longo prazo e os animais não sofrerão com a escassez deste recurso, assim como os seres humanos.
Conclui-se que a Zootecnia deve desempenhar dois papéis fundamentais, o da preservação e o da conservação, o primeiro possibilitará a perpetuação desta como ciência no longo prazo, bem como da convivência pacífica com a sociedade. O segundo contribuirá para, que no futuro, não discutamos mais os problemas ambientais, pois os recursos naturais por ela utilizado, hoje, estarão sendo conservados, ou seja, se manterão em um padrão de quantidade e qualidade que os tornarão disponíveis para toda a sociedade.
Devemos educar os alunos, capacitar os profissionais e tomadores de decisão e assistir os produtores em Zootecnia de Conservação.
O Brasil pode deixar sua marca no século XXI como o maior produtor mundial de proteína animal, mas também podemos ser lembrados como o país que iniciou uma nova forma de relação entre a pecuária e o ambiente. A decisão é nossa e deve ser tomada neste momento.
Referências
1] MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Projeções do Agronegócio: Brasil 2009/2010 a 2019/2020. Disponível em: http//www.agricultura.gov.br. Acesso em: 15 mar. 2010.
Figura 1- Potenciais impactos que as produções animais podem causar nas dimensões ambientais, sociais e econômicas.