A avicultura latino-americana está de volta a Buenos Aires para celebrar seu XXII Congresso. E digo de volta, pois o Iº Congresso Latino-Americano de Avicultura foi realizado em Buenos Aires, em 1970. Acho que será útil para as novas gerações de avicultores terem um registro de todos esses congressos.
Tabela I
Tomei a liberdade de inserir na Tabela I quanto era a produção dos países latino-americanos tanto de carnes de aves e de ovos por ocasião de cada Congresso e no Gráfico I o percentual que a região representava em relação à produção mundial em cada um daqueles anos.
Gráfico I
O gráfico I deixa patente que estamos ganhando algum terreno em termos de produção de ovos e muito terreno em relação à produção de carnes de aves. No Gráfico II podemos observar que no período de 1970 a 2009 a produção de carnes de aves da América Latina cresceu 3,07 vezes mais que a mundial e em ovos cresceu 1,73 vezes mais.
Gráfico II
Quais são os países latino-americanos? Assim que comecei a escrever este artigo, achei que esta seria a parte mais fácil do trabalho. Entretanto, não o é. Não há uma definição exata da região e dos países que a integram nas diferentes entidades internacionais que consultei. A maioria dos bancos de dados classifica América Latina e Caribe em um conjunto de 32 países. Outros como sendo integrada por 22 países e nela incluindo a Guiana Francesa. A ausência de um critério oficial autoriza-me a criar o meu. Considerei que a América Latina é integrada por 21 países, incluindo dentre eles Belize. Esta antiga colônia britânica tinha o nome de Honduras Britânica quando de sua independência em 1964, mas 46% da população têm no espanhol seu primeiro idioma e a maioria da população fala este idioma. Quanto à Guiana Francesa, embora latina, trata-se de um Departamento Ultramarino4 da França.
A Tabela II dá alguns dados básicos sobre esses 21 países latino-americanos
Comparando a composição das carnes de aves por espécies, verificamos que frango respondeu em 2009 por 97% da produção da América Latina, enquanto a nivel mundial foi de 87%; em perus os porcentuais foram de respectivamente 3% e 6%. Nossa produção de patos, gansos, galhina d´angola (pintada) e outras aves é pouco expressiva.
Gráfico III
Gráfico IV
Este artigo deve circular por ocasião do Congresso e seguramente os avicultores de diferentes países poderão encontrar diferenças entre os seus dados nacionais e aqueles que estarão sendo veiculados nas tabelas IV e V, que foram elaboradas a partir de dados da FAOSTAT, principalmente. Não estarão vocês sós, e a título exemplificativo apresento na tabela III a produção brasileira de carnes de aves e ovos. Comparando com os dados da FAOSTAT há diferenças que num primeiro momento parecem significativas. As razões se prendem ao fato de que a FAO usa habitualmente dados estatísticos de agências governamentais e estes nem sempre têm a abrangência dos mantidos por entidades privadas. Além disso, como a FAO recebe dos governos correções de seus dados nacionais, na medida em que estes são atualizados, leva até uns quatro ou cinco anos para que os dados tenham menores índices de desvio.
Não tenho o menor pejo em defender a FAO e os dados da FAOSTAT. Sem eles navegaríamos às cegas e se seus dados mais recentes e prognósticos possam não ter a precisão de um GPS, prefiro usá-los como mapa geral de navegação do que sair sem saber onde estou e qual a direção geral do lugar onde quero chegar. Estou seguro que as diferentes associações latino-americanas possuem dados nacionais mais precisos. Entretanto, não os temos consolidados em uma de nossas entidades supranacionais, além de pecarmos muito na América Latina por ainda achar que "o segredo é a alma do negócio", deixando, portanto de fornecer dados com medo que eles municiem ao concorrente. Nosso país não está entre as exceções dos militantes do "segredo", mormente nos últimos dois anos, e isto nesses dias que Peter Drucker chamou de "a era da competição baseada no conhecimento". Posturas neo-obscurantistas nascem da ignorância, às vezes de origem bem intencionada, e se estendem até a má intenção.
Tabela III
Se os dados mais recentes da FAOSTAT podem ser imprecisos então porque usá-los? Porque é a única base de dados que cobre mais de 200 países e territórios, permitindo comparações e a verificação de tendências. É que esse espírito, mas do que pela precisão à casa da centena que foram usados. Na Tabela IV, encontramse dados dos anos 1970 e 2009 sobre a produção de carnes de aves, sobre o número de cabeças abatidas, índice de crescimento nesse período e finalmente a evolução do peso médio do frango abatido. Em adendo ao evidenciado no Gráfico II, que a América Latina é um dos motores do crescimento da avicultura mundial, os detalhes por país demonstram o dinamismo de países como Colômbia e Costa Rica, com crescimento > a 3000%, cinco países a índices superiores a 2000%, sete países expandindo suas aviculturas a mais de 1000% de expansão e com somente Cuba apresentando declínio, explicável em função da priorização pela avicultura de postura.
Tabela IV
Os dados revelam também a melhoria significativa no rendimento de carne por ave abatida na América Latina. A título exemplificativo, o Gráfico V traduz as melhorias que a avicultura de corte brasileira experimentou ao longo dos anos, com redução do número de dias necessários a que o frango alcance o peso comercial desejado, a progressiva redução do índice de conversão ração/kg peso vivo para uma ave que ganha anualmente em peso médio. Ou seja, estamos fazendo cada vez mais carne de frango, com menos aves, usando menos grãos e em menos tempo. Sem contar, que até os cegos bem intencionados reconhecem o papel da avicultura na viabilização da pequena propriedade rural unifamiliar e da redução de êxodo rural. Nosso Oscar da sustentabilidade virá quando a busca de melhorias contínuas nos índices de produtividade de água da atividade se universalizar e a ela for atribuída a mesma importância que damos ao índice de conversão de rações.
Gráfico V
A tabela V aporta os dados relativos à produção de ovos, índices de crescimento, produção per capita e evolução dos números de poedeiras no período, 1970 e 2009.
Tabela V
Já a tabela VI promete provocar controvérsias, pois surge o Paraguai como o 4º no mundo em consumo per capita de ovos em 2007, uma posição à frente do México que sempre julguei ser o maior consumidor per capita do Hemisfério Americano. Busquei em várias fontes dados mais atualizados do consumo per capita, mas não os encontrei. Entretanto, observem na Tabela V que o Paraguai possui a segunda produção per capita de ovos da América Latina.
Quem são então os três países que consumiram em 2007 mais ovos que Paraguai e México? Brunei Darussalam, Dinamarca e Japão, conforme podemos constatar no Gráfico VI.
Gráfico VI
O Brasil que é hoje o quarto maior consumidor de carnes do mundo (consumo total de 18.596.000 tm em 2010 e 19.147.000 tm estimadas para 2011), superado apenas pela China, Estados Unidos e CEE-27, e que teve em 2010 um consumo per capita de 100,9 kg (cf. Gráfico VII), não tem uma tradição de elevado consumo per capita de ovos. Em 2007, ocupávamos o 65º lugar no mundo em consumo de ovos, com 7,48 kg, ou seja, algo em torno de 120 ovos per capita ano. É muito pouco para essa que é uma das mais completas fontes de proteínas animais e sem dúvida a mais acessível mesmo às camadas mais pobres da nossa população. Não nos esqueçamos que no 7,02 % da população do Brasil em 2009 ainda vivia com menos de US$ 2 por dia e que o governo estima em 16,2 milhões o número de brasileiros em extrema miséria. Ou seja, o Brasil tem quase o equivalente ao total da população chilena vivendo em condições de total penúria.
Gráfico VII
Tabela VI
Agora vamos deixar os números um pouco de lado para voltar ao nosso Congresso latino-americano que se aproxima. O primeiro desses Congressos que participei foi o do Brasil em 1983. Era tempo em que nos preocupávamos principalmente com mortalidade, eclosão e naturalmente com conversão, o que de certa maneira não mudou até hoje. Eu estava diretor de exportação da Perdigão e naturalmente, com justificado egoísmo, me preocupava com os poucos mercados que tínhamos abertos para o Brasil naquela época (Oriente Médio, Itália e Ilhas Canárias, Singapura, Hong Kong e Angola), onde frango inteiro era o rei e o pessoal de produção considerava partes de frango como subproduto. Ou seja, só cortavam os frangos inteiros que perdiam o grau A por terem um membro quebrado ou faltante ou rompimento da pele de peito. O nugget não tinha sido inventado e pensar em fatiabilidade de músculos de aves era tão inimaginável quanto político só interessado no bem do país. E eu era jovem, mais burro que hoje e, como costumo dizer, tinha cabelos e ilusões.
Ao longo desses Congressos fomos vendo reis perderem majestade e se hoje comparamos quem são as principais empresas do setor avícola em todos os países com as que o eram no início dos anos 80, chegamos à conclusão que o "sic transit gloria mundi"13 deveria estar na parede das salas de todos os dirigentes de empresas avícolas. Somos um dos setores com um dos mais elevados índices de mortalidade de empresas. Temos baixas margens, dependemos de preços de grãos que não controlamos e raramente conduzimos nossas empresas por "fatos e dados", preferindo o "estou certo que", "estou convencido que", "tenho certeza que" e outras mais que ladrilham o caminho ao cemitério corporativo.
Além disso, adoramos produzir, somos competentíssimos da porteira da granja ou do portão do abatedouro para dentro e somos péssimos daí para fora, onde enfrentamos Sua Excelência o Mercado. Damos pouco valor à área comercial e às estratégias de mercado. Recordo-me que quando estava diretor de comércio internacional da Sadia volta é meia alguém me pedia a vaga para um filho que se formava. Diziam-me que servia qualquer coisa, até vendedor. E eu que nunca passei de um vendedor, apesar dos muitos títulos "sic transit gloria mundi", ficava admirado ao constatar a percepção que as pessoas fazem dessa profissão.
Tomamos o máximo cuidado ao selecionar um veterinário para cuidar dos nossos plantéis que responde com sua cabeça se a mortalidade sair dos parâmetros históricos. Idem para os colegas de nutrição, incubatórios ou dos abatedouros. Quanto ao pessoal de vendas, com a mesma ligeireza com que são recrutados e raramente treinados, mui raramente perdem o posto diante de quedas sucessivas de preços ou de participação de mercado. É como se a área comercial pouco tivesse a ver com o mercado.
Na última corporação onde comandei uma força de vendas, eu tinha um item de controle diário para as vendas por gerências, onde era comparada a quantidade por produto e preços orçados e praticados, com um terceiro campo mostrando os percentuais faltantes para cumprir o orçamento de vendas do mês. Com fatos e dados verificava distorções para agir na correção dos desvios. No princípio quando discutia um tema de desvio com um(a) gerente este(a) diziam que se devia "ao mercado", álibi que deixaram de usar depois que repeti "ad nauseam" que nós fazíamos parte do mercado e como tal não éramos sujeitos passivos, mas elementos de mudança.
Não estou aqui culpando os vendedores, mas chamando atenção para o pouco valor que como regra geral, e há notáveis exceções, o segmento avícola trata as áreas de mercado de suas empresas. Pensem comigo: quantos eventos chegaram a teu conhecimento nos últimos 360 dias sobre saúde animal, nutrição, manejo, etc? Foram mais de 20? OK, agora a pergunta que não quer calar: quantos eventos foram realizados no mesmo período para tratar de técnicas comerciais e de mercado? Quantos cursos universitários e de pósgraduação existem para os diferentes ramos das ciências avícolas? Há algum que seja para comercialização e mercado avícola?
Nossa atividade tem margens baixas, riscos altos e não permite grandes erros. O bom é que raramente uma boa empresa avícola fecha, mas quantas vocês conhecem que mudaram de dono nessa atividade que como tantas outras tende à alta concentração?
Deixei a mensagem aos empresários e à academia e agora vamos ver o que há de diferente no mundo das carnes quando nos preparamos para participar do XII Congresso Latino-americano de Avicultura, que se realiza nessa adorável Buenos Aires que visito com freqüência, mas não tanto quanto gostaria. Por algum acaso desapareceram aquelas preocupações que nos orientavam na VIIIª edição de Camboriú? Absolutamente não. Seguiremos buscando no amparo das ciências avícolas as melhorias contínuas que nos trouxeram até aqui e que nos levarão ao futuro, futuro esse que ouso quantificar na tabela VII, já veiculada em outros artigos que escrevi este ano.
Tabela VII
A única novidade desta versão da tabela é que foi atualizado com base nos dados preliminares de 2009 e 2010 e com os prognósticos de 2011. Novamente, peço clemência, pois o objetivo dessas projeções não é acertar o número na casa do milhar, da centena de milhares ou que não tenham qualquer desvio. O objetivo é mostrar uma tendência e chamar a atenção para os desafios que são lançados para nós todos, profissionais da avicultura. Se eu estiver certo ou se não estiver muito errado nós teremos que aumentar a produção de carnes de aves em 123% nos próximos 40 anos, ou seja, agregar 120 milhões de toneladas as 100 milhões de toneladas que produziremos este ano a nível mundial.
Em 2020 teremos também superado a carne suína como a mais produzida no mundo e nessas próximas quatro décadas lideraremos o crescimento da produção das carnes das principais espécies, todas que deverão superar o crescimento demográfico mundial. Ou seja, o mundo comerá mais carnes.
Nossa liderança não nascerá do "preço mais baixo", argumento que muitos usam numa simplificação extremada dos muitos fatores que explicam o crescimento da avicultura de carnes em 11130,6% entre 1960 e 2010. Não se preocupem, pois esses fatores não serão discutidos aqui, mas talvez em outro artigo. Nossa liderança será fruto, sobretudo da maior eficiência da avicultura de corte e de postura no uso dos recursos naturais, finitos e escasseando cada vez mais, necessários para transformar proteínas vegetais em proteínas animais.
Gastamos menos água, terra arável e fotossíntese que as demais espécies. E seguiremos esse caminho de maior eficiência no uso de recursos naturais. Devemos em 2020 estar com um índice de conversão de 1,4 kg e em 2030 em torno de 1,2 kg. Estarei participando como conferencista de um evento em Buenos Aires no dia 6 de setembro, num desses seminários pré-show que as companhias organizam aproveitando as grandes afluências de avicultores e embora desconheça o formato desse seminário acho que será um bom momento para que indaguemos quão realista é este meu prognóstico.
Num mundo em que os vetores de demanda se deslocarão para a África, Ásia e regiões da América Latina, a eficiência do uso dos recursos naturais será a chave mestra da porta para o futuro. E não será nem quem dispõe de mais recursos naturais, mas sim quem souber melhor utilizá-los. Se nos quarenta anos passados a equação se resolvia com a incorporação de novas terras aráveis e com gasto impensado e não monitorado de água, essa solução não estará mais como solução, mas como problema.
Esses dois recursos naturais, água e terra arável, são limitados e finitos e indisponíveis em muitas das regiões de demanda futura nas quantidades necessárias para sustentar a migração das dietas de base vegetal para um maior percentual consumo de produtos de origem animal. Não podemos pedir aos asiáticos que continuem comendo arroz, macarrão e lentilhas porque não há recursos naturais no mundo para que eles, com renda crescente, incorporem mais carne em suas dietas. Isso acontecerá e nos cumprirá com ciência e tecnologia responder a esse desafio.
Comecem não mais guardando silêncio obsequioso quando os ativistas, majoritariamente oriundos de países ricos, propugnam formas de produção românticas e adequadas para a realidade do século XVIII quando a população mundial não atingia 800 milhões. Não permitam que limitem ciência e tecnologia necessárias para a 2ª Revolução Verde que nos fará alimentar um mundo de 9,075 bilhões de pessoas.
E a minha despedida é com um alerta. Não aceitarei críticas se for surpreendido em Buenos Aires comendo uma coleção de "cortes bovinos" e usando Malbec até para escovar os dentes. Adoro a avicultura e luto por ela, mas não são todos os dias que tenho a oportunidade de fazer uma clínica de "bifes de chorizo".