Introdução
As aflatoxinas são potentes micotoxinas produzidas por fungos do gênero Aspergillus, e Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus são os de maior relevância para a avicultura (Santurio, 2000). O consumo de dietas contendo aflatoxinas pode provocar apatia, anorexia com baixa taxa de crescimento, baixa conversão alimentar, decréscimo no ganho de peso, diminuição na produção e no peso de ovos e aumenta a susceptibilidade aos desafios ambientais e microbiológicos, causando ainda elevação na mortalidade (Leeson et al., 1995; Miazzo et al., 2000; Oguz et al., 2000; Oguz et al., 2003). A aflatoxicose provoca considerável redução nos níveis de proteínas plasmáticas, influenciando a produção de hemoglobina, o mecanismo de coagulação sanguínea e na síntese de importantes sistemas enzimáticos que, associados ao aumento da fragilidade capilar, provoca hemorragias generalizadas (Hygino da Cruz,1996).
A aflatoxina B1 (AFB1) pode contaminar tanto as gemas quanto as claras. Trucksses et al. (1983) encontraram aflatoxinas B1 e M1 e aflatoxicol nos ovos 24 horas após o início do consumo de ração contaminada. Todavia, enquanto o índice postura é afetado somente 8 dias após o início da intoxicação, a eclodibilidade começa a ser afetada 24 horas após o início do consumo. Qureshi et al. (1998) encontraram altas taxas de mortalidade embrionária tardia em ovos provenientes de aves que consumiram rações contendo 5 e 10 mg/kg e concluíram que, quanto maior o tempo de exposição à toxina, maiores os efeitos. O sistema imunitário também é afetado pelas aflatoxinas e, entre os efeitos, destaca-se aplasia do timo e da bursa de Fabricius, redução do número e da atividade de células T, redução de componentes humorais, interferon e imunoglobulinas (Pestka & Bondy, 1990; Pier, 1992).
Estudos com Saccharomyces cerevisiae têm atribuído efeito adsorvente de aflatoxinas ao glucomanano esterificado que é extraído da parede celular da levedura (Aravind et al., 2003). Concentrações de 0,5 e 1,0 g de glucomananos esterificados/kg em dietas com diferentes concentrações de aflatoxinas (0,05 até 5,0 mg/kg de dieta) tem a capacidade de reverter total ou parcialmente os efeitos deletérios das aflatoxinas sobre o desempenho zootécnico, os parâmetros hematológicos e a resposta imune de frangos de corte (Raju & Devegowda, 2000; Aravind et al., 2003).
O objetivo neste estudo foi verificar se a alimentação de matrizes de corte com dietas contendo aflatoxinas e glucomananos esterificados influencia o desempenho da progênie.
Material e Métodos
O experimento foi conduzido no Laboratório de Avicultura (LAVIC) do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no período de dezembro de 2005 a fevereiro de 2006 e foi dividido em dois experimentos.
Para avaliar a progênie de matrizes de corte intoxicadas com aflatoxinas, foram selecionadas do plantel do LAVIC 300 fêmeas e 40 machos de matrizes de corte da linhagem Ross 308 com 60 semanas de idade. As matrizes foram selecionadas segundo o peso corporal e a produção de ovos. As aves foram alojadas em 20 boxes de 7 m2 em uma unidade experimental de 300 m2 e alimentadas e manejadas de acordo com recomendações constantes no manual da linhagem. Da 61a até 68a semana, as aves receberam as dietas experimentais, contendo ou não aflatoxinas. Foram realizados dois ensaios: no primeiro, foi avaliado o desempenho da progênie de matrizes que receberam aflatoxinas e adsorventes na dieta durante 4 semanas. No segundo, foi avaliada a progênie de matrizes que receberam aflatoxinas e adsorventes por 8 semanas. Para o primeiro teste, foram incubados ovos produzidos durante a 64a semana de idade das matrizes e, para o segundo, ovos produzidos durante a 68a semana. Os ovos utilizados para as duas incubações foram desinfetados por via gasosa, armazenados em sala com temperatura inferior a 23°C por no máximo sete dias e, posteriormente, incubados seguindo os padrões normais de incubação. No 18° dia, todos os ovos foram transferidos para um nascedouro. No 21a dia, foram selecionados os pintos de primeira (sem anomalias aparentes): os mesmos foram sexados, vacinados contra doença de Marek, pesados e selecionados conforme peso médio.
As aflatoxinas fornecidas às matrizes de corte foram produzidas pelo Laboratório de Pesquisas Micológicas (LAPEMI), pela fermentação de arroz parboilizado pelo fungo Aspergillus parasiticus, linhagem NRRL 2999. As aflatoxinas produzidas e adicionadas às dietas foram AFB1 (86%), AFB2 (8,5%), AFG1 (3,8%) e AFG2 (1,7%). Como adsorvente de micotoxinas na dieta, foi adicionado glucomanano esterificado, incluído a 0,10%.
Para a avaliação do desempenho no período de 1 a 21 dias de idade, em cada um dos dois ensaios, foram utilizadas 32 aves, totalizando 160 pintos de corte machos da linhagem Ross 308. No estudo dos parâmetros sanguíneos, do peso de fígado e da bursa de Fabrícius, foram utilizadas 12 aves por tratamento ao primeiro dia de idade.
O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado para avaliação de 5 dietas (tratamentos), avaliadas com 4 repetições de 8 machos. As dietas foram formuladas com ou sem aflatoxinas nos níveis de 0,500 e 0,750 mg/kg de ração em combinação ou não a 0,10% de adsorvente dieta sem aflatoxinas e adsorvente. Assim, foram obtidas cinco dietas: dieta sem adição de aflatoxina e adsorvente; dieta com 0,500 mg de aflatoxina/kg, sem adsorvente; 0,500 mg aflatoxinas/kg de dieta com 0,10% de adsorvente; 0,750 mg aflatoxinas/kg, sem adição de adsorvente; 0,750 mg aflatoxinas/kg de dieta com 0,10% de adsorvente.
As aves foram alojadas em baterias, compostas por 20 compartimentos de 0,5 m2 cada, com um comedouro e um bebedouro tipo calha por compartimento. As baterias foram instaladas em sala climatizada, com temperatura e umidade mantidas na zona de conforto para as aves.
Os frangos de corte, em ambos os experimentos, receberam a mesma dieta à base de milho e farelo de soja, comprovadamente isenta de aflatoxinas e adsorventes, durante todo o período experimental. O fornecimento da dieta e da água foi à vontade. O peso corporal, o ganho de peso e a conversão alimentar por ganho de peso dos frangos de corte foram avaliados semanalmente. Os níveis de proteínas plasmáticas totais, albumina sérica e pesos de fígado e Bursa de Fabrícius foram avaliados no primeiro dia. A análise estatística foi realizada pelo programa estatístico SAS (Statistical Analysis System, versão 8.1) e os dados foram submetidos à análise de variância com comparação das médias pelo teste Tukey a 5% de significância.
Resultados e Discussão
O peso corporal da progênie após quatro (Tabela 1; Figura 1) oito semanas (Tabela 2) de adição de aflatoxinas e adsorvente à dieta das matrizes não teve qualquer variação significativa em nenhum dos períodos avaliados. Esses resultados estão de acordo com relatos de Howarth & Wyatt (1976) de que o ganho de peso da progênie, assim como a conversão alimentar, avaliada por duas semanas após a eclosão, não são influenciados significativamente pelo consumo, pelas matrizes de corte, de aflatoxinas no nível de 10 mg/kg de ração. Doerr et al. (1983) alimentaram frangos de corte com dietas contendo aflatoxinas no nível de 0,9 mg/kg de dieta e não notaram diminuição do peso corporal. Esse efeito somente foi observado quando as aves ingeriram a dieta contendo aflatoxina no nível de 2,7 mg/kg.
Fernandes et al. (2004) verificaram que pintos provenientes de matrizes que consumiram aflatoxinas apresentavam peso corporal inferior ao daqueles oriundos de matrizes alimentadas com dieta sem aflatoxinas aos 7 dias de idade. Contudo, essa diferença não foi observada neste estudo.
A conversão alimentar dos pintos de corte não foi influenciada pela inclusão de aflatoxinas e adsorvente na dieta das matrizes. A viabilidade criatória não sofreu qualquer variação significativa provocada pela inclusão de aflatoxinas na dieta das matrizes, fato que confirma relatos de Howarth & Wyatt (1976), que também não observaram efeito da adição de aflatoxinas nos níveis de 5 e 10 mg/kg na dieta de matrizes de corte sobre a mortalidade de frangos.
Tabela 1 - Desempenho de pintos de corte oriundos de matrizes com 64 semanas de idade alimentadas com dietas contendo aflatoxinas e adsorvente
Tabela 2 - Desempenho de pintos de corte oriundos de matrizes com 64 semanas de idade alimentadas com dietas contendo aflatoxinas e adsorvente
Tabela 3 - Parâmetros sanguíneos e peso de órgãos de pintos de corte oriundos de matrizes alimentadas por 4 ou 8 semanas com dietas contendo aflatoxinas e adsorvente
Figura 1 - Comportamento do peso corporal ao primeiro dia de idade de pintos de corte oriundos de matrizes alimentadas por 4 ou 8 semanas com dietas contendo aflatoxinas combinadas ou não com glucomanano esterificado.
Os parâmetros sanguíneos da progênie (Tabela 3) não foram influenciados pelos níveis de aflatoxinas e adsorvente na dieta de matrizes de corte, concordando com resultados obtidos por Huff et al. (1986), que, avaliando três níveis de aflatoxinas (1,25; 2,5 e 5 mg/kg de dieta), verificaram que os níveis sanguíneos de albumina e proteínas de frangos oriundos de matrizes alimentadas com dietas contendo aflatoxinas no nível de 1,25 mg/kg foram similares aos de aves do tratamento controle, sem aflatoxinas.
Os pesos do fígado e da bursa de Fabrícius (Tabela 3) dos pintos de 1 dia de idade não foram significativamente influenciados pelos tratamentos. Da mesma forma, Thaxton et al. (1974) não encontraram diferenças significativas no peso de bursa de Fabrícius quando avaliaram a adição de aflatoxinas no nível de 0,625 mg/kg de dieta. Esses autores observaram, no entanto, redução no peso da bursa de Fabrícius quando alimentaram as aves a dietas contendo aflatoxinas em níveis superiores a 1,25 mg/kg de dieta.
Conclusões
O consumo durante quatro ou oito semanas de dietas contaminadas com aflatoxinas e adsorventes por matrizes de corte não influencia no desempenho da progênie.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela concessão de bolsa ao primeiro, quarto e quinto autores. Ao Laboratório de Avicultura (LAVIC) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pela infraestrutura para a realização do trabalho.
Referências
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