A ocorrência das doenças imunossupressoras exerce efeito devastador nos resultados zootécnicos dos lotes de aves comerciais pois, no moderno sistema de produção, em que os animais são criados em alta densidade populacional, as aves dependem constantemente da integridade do sistema imune para defender-se dos diversos agentes infecciosos presentes no ambiente.
Dentre as doenças infecciosas imunossupressoras das aves, como Marek, Reticuloendoteliose, Leucose Linfoide, Anemia Infecciosa das Galinhas, Reovirose e Criptosporidiose, talvez a Doença Infecciosa da Bursa (DIB), ou mais conhecida como Doença de Gumboro, seja a enfermidade que mais tenha recrutado recursos técnicos e econômicos da indústria avícola para seu controle e prevenção. Isso decorre do fato da DIB atingir diretamente um importante órgão linfoide primário – a bursa de Fabrícius – e, portanto, comprometer significativamente a importante resposta imune mediada pelos linfócitos B, por meio da produção de anticorpos.
As aves afetadas com o vírus de Gumboro sofrem imunossupressão, respondem deficientemente às vacinações, e ficam mais suscetíveis a todo tipo de doença infecciosa. Isso repercute em prejuízos econômicos significativos para a indústria avícola, como perda em desempenho zootécnico, elevação da mortalidade e aumento de condenações no frigorífico. Portanto, medidas preventivas como a vacinação são essenciais.
Mas qual é a melhor estratégia de controle?
Há bastante tempo sabe-se que os anticorpos maternais exercem efeito neutralizante sobre a cepa vacinal, limitando a eficácia das vacinas convencionais. Além disso, o nível de imunidade passiva varia consideravelmente de uma ave a outra em um mesmo lote, dificultando a escolha do produto e do momento ideal para a imunização das aves. Por um lado, essa imunidade materna desempenha importante papel de proteção às aves nas primeiras semanas de vida, e por outro, dificulta a imunização ativa pelas vacinas convencionais.
Em função das tecnologias disponíveis atualmente em equipamentos de vacinação in ovo e mesmo em vacinas (complexo antígeno-anticorpo ou recombinantes) para o controle do Gumboro, cada vez mais as indústrias produtoras têm buscado concentrar a vacinação das aves no incubatório, deixando as vacinações de campo apenas para casos eventuais, em que é necessária dose de reforço.
A tecnologia da vacina do tipo imuno-complexo (Figura 1), produzida pela mixagem, em proporções bem definidas, da estirpe vacinal com anticorpos específicos contra a doença de Gumboro produzidos em aves livres de patógenos específicos (SPF), representou um grande avanço no controle dessa doença, pois permitiu a vacinação no incubatório tanto por via in ovo quanto subcutânea.
Figura 1 – Ilustração da vacina de imuno-complexo com a estirpe vacinal arranjada em antígeno anticorpo. Fonte: Zoetis.
Mas qual é o mecanismo de ação das vacinas do tipo imuno-complexo?
O funcionamento das vacinas de imuno-complexo foi descrito por pesquisadores da Zoetis em associação com professores do Departamento de Imunologia de Lelystad, na Holanda. Após a injeção dos ovos, o embrião inala e ingere o líquido amniótico contendo a cepa vacinal com complexo antígeno-anticorpo, que atinge pulmões e intestino. Posteriormente, a vacina é transportada pelos macrófagos por meio dos sistemas circulatório e linfático até os órgãos linfoides. Neste momento, importantes mecanismos imunológicos começam a trabalhar envolvendo dois tipos celulares distintos do sistema imune inato – os macrófagos e as células dendríticas foliculares. Ao encontrar estas células, o complexo antígeno-anticorpo adere aos receptores presentes em sua superfície. Nos macrófagos, o complexo antígeno-anticorpo é internalizado, onde inicia um ciclo de replicação contínua, permitindo que o vírus vacinal possa evadir-se da imediata neutralização por anticorpos maternais. Já nas células dendríticas foliculares, o complexo antígeno-anticorpo permanece protegido e ligado na superfície por meio de uma ligação iônica (figuras 2 e 3). A imunidade ativa irá se desenvolver no momento em que ocorrer a queda natural dos anticorpos maternais. Então, o vírus vacinal emerge dos macrófagos e escapa dos receptores das células dendríticas, e não pode mais ser impedido de infectar a bursa de Fabricius, onde inicia rápida replicação nos folículos linfoides. Dessa forma, essa tecnologia pode ser considerada uma ferramenta inteligente que trabalha no momento certo e sinergicamente à proteção materna.
Figura 2 – Fotomicrografia eletrônica do imuno-complexo armazenado na célula folicular dendrítica.
Figura 3 – Ilustração das células foliculares dendríticas presentes no baço e na bursa de Fabricius atuando como reservatório do imuno-complexo. Fonte: Zoetis Saúde Animal.
Outro aspecto importante dentro das vantagens das vacinas de imuno-complexo é o fato da imunidade ser induzida por um vírus vivo. Dessa forma, além da vacina imunizar a ave, ela também “imuniza o ambiente” e produz um efeito conhecido como “esfriamento do galpão”, após a vacinação de sucessivos lotes (Figura 4). Este efeito somente é possível em vacinas com vírus vivo, pois o vírus de campo vai sendo substituído pela cepa vacinal.
Figura 4 – Ilustração representando o “esfriamento do galpão’ após sucessivas vacinações com vacinas baseadas em vírus vivo. Fonte: adaptado de Muniz & Diniz (2014)
O controle efetivo das doenças imunossupressoras, como a doença de Gumboro, envolve o uso inteligente da imunidade materna nas primeiras semanas de vida da ave e a eficaz e adequada imunização ativa para uma proteção completa do lote. A prevenção da doença de Gumboro é passo importante para a preservação da integridade imune, com o objetivo de evitar imunossupressão, mortalidade e prejuízos econômicos em aves comerciais. As vacinas de imuno-complexo representam um grande avanço na prevenção da doença de Gumboro, já que aliam praticidade, segurança e eficácia.
*Eduardo Muniz é gerente de serviços técnicos e Gleidson Salles, assistente técnico para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na área de aves, da Zoetis