Introdução
A bronquite infecciosa das galinhas (BIG) é uma doença infecciosa causada pelo coronavírus aviário (vírus da bronquite infecciosa – VBI) que está amplamente disseminada entre as criações avícolas comerciais na maior parte do mundo. Há atualmente no Brasil, uma predominância de infecções causadas por estirpes do VBI classificadas no genótipo variante (BR-I), que revelam diferenças marcantes de antigenicidade com relação à estirpe vacinal Massachusetts, rotineiramente usada em nosso país. Isso resulta em uma baixa imunidade-cruzada e consequentemente em um menor nível de proteção contra isolados de campo do genótipo BR-I (MONTASSIER, 2010).
Em se tratando de Brasil, o controle da BIG é baseado principalmente no uso de vacina viva atenuada, sendo somente permitido a utilização de estirpes do sorotipo Mass na composição destas vacinas. Vacinas de formuladas com sorotipo do VBI heterólogo ao que está causando infecção a campo, muitas vezes podem não conferir imunidade adequada para outros órgãos em adição ao trato respiratório. Ainda neste contexto, sabe-se que os mecanismos essenciais de proteção contra a infecção do trato respiratório pelo VBI em galinhas têm sido definidos como a capacidade do sistema imune conferir resistência à traqueia contra a infecção por este vírus, reduzindo a replicação viral e impedindo principalmente que ocorram lesões mais severas na traqueia e a completa ciliostase no epitélio desse mesmo órgão, bem como impedindo a disseminação do VBI a partir da porta entrada para outros órgãos e tecidos do organismo hospedeiro. No entanto, com o repentino crescimento da indústria avícola no Brasil, a partir da década de 1990, diversas estirpes do VBI vieram a se adaptar trazendo grandes problemas sanitários. Estas estirpes muitas vezes se manifestam de maneira diferente das comumente associadas com a BIG em nosso país (FERNANDO et al., 2013).
No Brasil, pouco se tem investigado sobre as respostas imunes e a patogenicidade induzidas por estirpes variantes isoladas de campo do VBI, bem como o estado de proteção induzido pelas vacinas comericiais contra essas mesmas estirpes (MONTASSIER, 2010). Dessa forma, o propósito deste trabalho, foi avaliar o estado de proteção das aves induzido pela vacina inativada formulada com uma estirpe variante do VBI pertencente ao genótipo BR-I (IBVPR-05) administrada após a vacina atenuada comercial formulada com a estirpe Massachusetts, por meio dos estudos das alterações histopatológicas na traqueia e nos rins, e da carga viral presente nesses órgãos.
Material e Métodos
Foi utilizada uma estirpe variante de campo do VBI (IBVPR-05), isolada e caracterizada geneticamente por Montassier (2010), para a produção da vacina experimental inativada com adjuvante a base de água em óleo. A mesma estirpe variante foi utilizada para a realização da infecção experimental (desafio) nas aves. Para formulação da vacina foi utilizado como reagente para inativação viral a beta-propiolactona (BPL), seguindo a metodologia utilizada por McDougall (1969). Após comprovada inativação viral, foi incorporada à mistura o adjuvante a base de água em óleo na proporção 70 % do adjuvante mais 30 % do vírus inativado conforme as recomendações do fabricante.
Foram utilizadas 26 aves SPF da linhagem de postura “White Leghorn”, distribuídas em três grupos: grupo A com dez animais (aves vacinadas com um dia de idade com vacina atenuada comercial e revacinadas com 14 dias de idade com vacina inativada experimental homóloga); grupo B com dez (aves não vacinadas); grupo C (controle). Todas as aves foram alojadas separadamente em grupos em isoladores, com água e comida à vontade durante todo o experimento. Aos 35 dias de idade as aves do primeiro (Grupo A) e segundo grupos (Grupo B) foram desafiadas via óculo-nasal com a estirpe variante de campo do VBI (IBVPR-05) (104 DIE50). O terceiro grupo (Grupo C) foi mantido como controle negativo da infecção, já que não foi submetido à vacinação nem ao desafio.
Três aves de cada tratamento experimental (Grupo A e B) foram sacrificadas aos 3, 7 e 11 dias pós-infecção (d.p.i.); já no grupo controle (grupo C) apenas duas aves foram sacrificadas em cada intervalo, para colheita de material, sendo colhidas amostras de traqueia e rins. Parte das amostras de traquéia e rins foram destinadas à histopatologia seguindo seus procedimentos padrões de fixação, desidratação, diafanização e coloração com hematoxilina-eosina (HE); e o restante das amostras teciduais foram submetidas ao congelamento rápido em nitrogênio líquido e armazenadas a –70°C até o momento de serem processadas pela técnica de extração de RNA para avaliação da quantificação da carga viral, seguindo os procedimentos descritos por Okino et al. (2013).
Resultados e Discussão
No presente estudo, todas as aves vacinadas, por via óculo-nasal, no 1º dia de idade com vacina atenuada contendo a estirpe Mass e aos 14 dias de idade, por via intramuscular, com a vacina inativada com adjuvante oleoso contendo a estirpe IBVPR-05, foram resistentes ao desafio homólogo com a mesma estirpe virulenta, com base na ausência de lesões microscópicas na traqueia e rins e na menor carga viral, presente nestes mesmos órgãos.
As lesões microscópicas observadas nos rins das aves do grupo de aves não vacinadas e desafiadas, provocadas pelo desafio com a estirpe IBVPR-05 foram semelhantes aos descritos em estudos anteriores para esta e outras estirpes nefropatogênicas do VBI (FERNANDO et al., 2013). Ainda neste mesmo grupo, as aves apresentaram, aos 3 dpi, lesões renais abundantes com difusa a moderada infiltração linfo-histiocítica entre os túbulos renais, e ao lado dos túbulos distais e ductos coletores. Nesse sentido, verifica-se que alterações histopatológicas renais semelhantes a estas foram encontradas por Ladman et al. (2002) ao investigarem a patogenia produzida por estirpe nefropatogênica do VBI.
Ademais, deve-se ressaltar que a imunidade induzida pela combinação da administração da vacina atenuada Mass, ao 1º dia de idade, com a vacina inativada com adjuvante oleoso preparada com a estirpe IBVPR05, ao 14º dia idade, foi eficiente em conferir proteção às aves desafiadas com essa mesma estirpe virulenta, enquanto que estudos anteriores demonstraram que aves vacinadas apenas com vacina atenuada comercial (estirpe H120) e desafiadas com a estirpe heteróloga IBVPR-05 (nefropatogênica) não revelaram proteção, especialmente nos tecidos renais. O fato é que essas aves previamente imunizadas com a estirpe H120 e depois desafiadas apresentaram alterações histopatológicas significativas nos rins (FERNANDO et al., 2013).
Isso demonstra que a imunização com vacina comercial formulada com a estirpe atenuada H120 (Massachusetts) não é capaz de induzir proteção cruzada contra a estirpe variante brasileira IBVPR-05 e possivelmente contra outras variantes pertencentes a esse mesmo genótipo / sorotipo. Na verdade a estirpe IBVPR-05 previamente classificada em outro genótipo do VBI isto é, o genótipo BR-I deve pertencer a um um sorotipo diferente, tal como foi demonstrada em análises de atividade vírus-neutralizante de outras estirpes classificadas como genótipo BR-I (CHACÓN et al., 2011). Assim, e como acontece com muitos outros diferentes sorotipos do VBI, pouca ou nenhuma proteção cruzada é induzida após a vacinação com determinadas estirpes de referência que são heterólogas a novos sorotipos variantes existentes circulando no campo.
Ao comparar às alterações histopatológicas na traqueia do grupo A (aves vacinadas e desafiadas) e B (aves não vacinadas e desafiadas) foi observada diferença marcante no status da proteção. Assim, os danos causados pela estirpe variante brasileiras IBVPR-05 foram maiores para as aves do grupo não vacinado, que mostraram infiltração moderada de células inflamatórias e degeneração/necrose epitelial. Alterações semelhantes foram encontradas por Okino et al. (2013) em aves não vacinadas e desafiadas com estirpe M41, embora a presença de lesões significativas na traqueia tenha sido maior nos resultados discutidos nesse último estudo, quando comparados com nossa pesquisa. Em contrapartida, Fernando et al. (2013) observaram menores escores de lesões histopatológicas na traqueia, tanto em aves vacinadas com estirpe comercial (M41) quanto em aves não vacinadas frente ao desafio com estirpe variante brasileira IBVPR-05. Isto provavelmente se deve ao fato de a estirpe IBVPR-05 ter maior tropismo pelo tecido renal do que pelas células do trato respiratório.
Os resultados de RT-qPCR mostraram que as cargas virais foram mais elevadas no rim do que na traqueia, para ambos os grupos experimentais de aves; vacinadas e não vacinadas. Tal achado reforça o caráter nefropatogênico desse isolado. Os resultados de RT-qPCR também mostraram que houve diferença significativa no número médio de cópias do gene S1 que foi detectado nas amostras traqueais do grupo não vacinado nas quais foram detectados valores superiores àqueles encontrados nas amostras traqueais das aves do grupo vacinado (p<0,05). Da mesma forma, a carga viral média detectada nos rins a partir de aves do grupo não vacinado foi superior, e mostrou uma diferença significativa em comparação com a observada no grupo vacinado (p<0,05). Estes resultados foram semelhantes aos encontrados por Fernando et al. (2013) tanto em aves apenas vacinadas com estirpe comercial heteróloga H120, quando em aves não vacinadas após desafio com a estirpe IBVPR-05.
Ladman et al. (2002) demonstrou que aves vacinadas com vacina atenuada heteróloga, mesmo quando após terem recebido doses vacinais de reforço, apresentaram maiores índices de re-isolamento viral presente no tecido renal, ao serem comparadas com aves vacinadas com vacina viva heteróloga mais vacina inativada homóloga frente ao desafio por uma estirpe nefropatogênica.
A maior carga viral presente nos rins pode estar relacionada com o desenvolvimento de lesões renais. Nesse contexto, sabe-se que a glicoproteína S1 do VBI é em grande parte responsável pelo tropismo de tecidos de uma estirpe do VBI. Dessa forma, as alterações nos genes da glicoproteina S1 da estirpe variante IBVPR-05, resultam em alterações significativas dessa mesma proteína e proporcionou uma acentuada predileção para a infecção de células epiteliais que não pertencem ao trato respiratório, possivelmente através de um mecanismo de fuga no hospedeiro, o que, no caso desta variante, aumentou o tropismo para as células epiteliais do rim, e isto levou ao desenvolvimento de nefrite nos animais não vacinados.
A possibilidade de utilizar uma vacina viva formulada com estirpe homóloga a uma das variantes do genótipo / sorotipo BR-I, tal como a estirpe IBVPR-05, para controlar a BIG em planteis comerciais de aves não é possível atualmente, pois um vírus atenuado e estavelmente seguro não está disponível. Portanto, o uso de vacinas inativadas contra o VBI em galinhas torna-se uma opção para a imunoprofilaxia de estirpes nefropatogênicas (IBVPR-05), oferecendo imunidade sistêmica para prevenir ou reduzir a doença renal. A propósito, outros estudos também demonstraram proteção renal conferida pela imunização com vacina inativada homóloga contra o VBI, bem como a melhoria da produção de ovos com casca de maior qualidade. Além disso, com base em resultados de re-isolamento do vírus após o desafio, as galinhas que receberam vacina inativada com estirpe homóloga revelaram uma maior proteção ao desafio com a mesma estirpe do VBI do que aves que receberam a vacina inativada contendo estirpes heterólogas (LADMAN et al., 2002). Neste contexto, exalta-se a importância de selecionar uma estirpe com um elevado grau de semelhança com o antígeno do vírus desafio para inclusão na vacina inativada, aumentando assim, o potencial de proteção imune da vacina.
Conclusões
A combinação da vacina atenuada comercial contendo a estirpe Massachusetts (H120) com a vacina inativada contendo a variante brasileira do VBI (IBVPR-05) induziu efetivo estado de proteção das aves vacinadas e desafiadas com essa estirpe variante do VBI, ficando caracterizada assim, a importância e a eficácia do esquema vacinal aqui adotado.
Referências Bibliográficas
FERNANDO, F. S.; MONTASSIER, M. F. S.; SILVA; K. R.; OKINO, C. H.; OLIVEIRA; E. S.; FERNANDES; C. C.; BANDARRA, M. B.; GONÇALVES, M. C. M.; BORZI, M. M.; SANTOS, R. M.; VASCONCELOS, R. O.; ALESSI, A. C.; MONTASSIER, H. J. Nephritis Associated with a S1 Variant Brazilian Isolate of Infectious Bronchitis Virus and Vaccine Protection Test in Experimentally Infected Chickens. International Journal Of Poultry Science, Asia, v. 11, n. 12, p.639-646, 2013.
LADMAN, B. S.; POPE, C. R.; ZIEGLER, A. S.; SWIECZKOWSKI, T.; CALLAHAN, J. M.; DAVISON, S.; GELB, J. JR. Protection of Chickens after Live and Inactivated Virus Vaccination against Challenge with Nephropathogenic Infectious Bronchitis Virus PA/Wolgemuth/98. Avian Diseases. v. 46, n. 4, p. 938-944, 2002.
MCDOUGALL, J. S. Avian infectious bronchitis: the protection afforded by an inactivated virus vaccine. Veterinary Record. v. 85, n. 14, p. 378-381, 1969.
MONTASSIER, H. J. Molecular epidemiology and evolution of avian infectious bronchitis virus. Revista Brasileira de Ciência Avícola, v. 12, n. 2, p. 87-96, 2010
OKINO, C. H.; ALESSI, A. C.; MONTASSIER, M. F. S.; ROSA, A. J. M.; WANG, X.; MONTASSIER, H. J. Humoral and Cell-Mediated Immune Responses to Different Doses of Attenuated Vaccine Against Avian Infectious Bronchitis Virus. Viral Immunology. v. 26, n. 2, p. 1-9, 2013.
***O trabalho foi originalmente apresentado durante o XIII Congresso da APA – Produção e Comercialização de Ovos, “Ovo todos os dias: só faz bem!”, em Ribeirão Preto, entre os dias 17 e 19 de março.