RESUMO:
A preocupação ambiental e o manejo dos resíduos produzidos nas propriedades rurais, tem despertado um grande interesse por parte dos produtores e principalmente pelo mercado consumidor. A avicultura de corte gera uma grande quantidade de resíduos sólidos e consome uma grande quantidade de energia elétrica para manter o sistema de alimentação, ventilação e/ou aquecimento das aves. Sendo assim estudos visando a sustentabilidade energética da atividade tem sido desenvolvidos. O objetivo deste estudo foi avaliar a produção de biogás e conhecer a distribuição da produção de biogás no tempo, através da biodigestão anaeróbia utilizando cama reutilizadas (1 a 4 vezes) de frangos de corte criados em diferentes épocas. Foram utilizados 24 biodigestores tipo batelada, distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado sendo 4 níveis de reutilizações de cama e 6 repetições. Em cada abastecimento, o substrato foi preparado misturando-se cama de frango, água e inóculo, com teor de sólidos totais (ST) próximo a 8,0%. O inóculo utilizado para o abastecimento foi preparado para obtenção do teor de ST próximos a 15%. A temperatura ambiente influenciou a produção de biogás em biodigestores anaeróbios abastecidos com cama de frangos de corte. Houve aumento significativo na produção de biogás com o aumento na reutilização da cama. Os potenciais médios de produção de biogás apresentados foram 0,1972, 0,2102, 0,2043 e 0,2366 m3/kg de excreta nas camas de 1º, 2º, 3º e 4º lote respectivamente, conduzidos na mesma época. Verifica-se que há um aumento na produção de biogás com a reutilização da cama de frango de corte.
PALAVRAS-CHAVE: biodigestor batelada, digestão anaeróbia, excretas, metano, reutilização
INTRODUÇÃO
Pensar na preservação do meio ambiente, na diminuição dos impactos ambientais, não é mais um desejo, e sim, uma necessidade primordial a cada ano que se passa. Na produção de frangos de corte, não basta apenas pensar no melhoramento genético, nutrição e manejo das aves, é necessário procurar alternativas para a qualidade da cama do frangos de corte e o destino deste subproduto. Cama é todo o material distribuído sobre o piso de galpões para servir de leito às aves (PAGANINI, 2004), sendo uma mistura de excreta, penas das aves, ração e o material utilizado sobre o piso. Vários materiais são utilizados como cama: maravalha, casca de amendoim, casca de arroz, casca de café, capim seco, sabugo de milho picado, entre vários outros materiais (GRIMES, 2004). Considerando-se a produção média de cama de 1,91 kg por frango de corte na matéria natural (MN) (FUKAYAMA, 2008), e a produção de frangos de corte no Brasil em 2008 de 5,47 bilhões (ANUALPEC, 2008), estima-se que a produção de cama tenha sido aproximadamente 10,45 bilhões de kg de cama de frango (MN).
A cama de frango foi fornecida para ruminantes por muito tempo, porém, devido aos problemas sanitários ocorridos na Europa em 2001, como a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), o Ministério da Agricultura publicou uma Instrução Normativa (BRASIL, 2001) proibindo, entre outros, a comercialização da cama de frango com a finalidade de alimentação para ruminantes. Tal proibição se deve aos riscos de haver contaminação da cama com restos de ração que por ventura tenha proteína de ruminantes em sua composição. Devido à dificuldade de fiscalização em todo o território brasileiro para a diferenciação se as aves foram alimentadas com proteína especificamente vegetal ou animal, a instrução proíbe o uso de toda e qualquer cama, independente da sua origem. Com esta proibição, o destino para cama de frango tornou-se restrito, sendo necessário maiores pesquisas com objetivo de estudar alternativas para o aproveitamento deste resíduo. A utilização da cama de frangos de corte para produção de biogás, tornou-se uma alternativa para o destino eficiente deste subproduto.
Uma vez que o biogás é constituído basicamente de 60 a 70% de metano (CH4) e 30 a 40% de dióxido de carbono (CO2), além de traços de O2, N2, H2S, etc., podendo ser utilizado como energia para iluminação da propriedade, para o aquecimento dos pintinhos, entre outras finalidades. KOSARIC e VELIKONJA (1995) citaram que 1 m3 de biogás pode ser aplicado para iluminação por lâmpada de 60 W por cerca de sete horas, ou gerar 1,25 kW de eletricidade, ou 4 cocção de três refeições para uma família de quatro pessoas, ou funcionar um motor de 2 HP por uma hora ou funcionar um refrigerador de 300 L por três horas. Segundo LUCAS JR. (1987), o metano tem um poder calorífico de 9.100 kcal/m3 a 15,5oC e 1 atm, sua inflamabilidade ocorre em misturas de 5 a 15% com o ar. Já o biogás, devido a presença de outros gases que não o metano, possui um poder calorífico que varia de 4.800 a 6.900 kcal/m3. Em termos de equivalente energético; 1,33 a 1,87 e 1,5 a 2,1 m3 de biogás são equivalentes a 1L de gasolina e óleo diesel, respectivamente. Os ensaios de biodigestão anaeróbia utilizando cama de frangos foram desenvolvidos com o objetivo de avaliar o potencial para produção de biogás, bem como conhecer a distribuição da produção no tempo.
MATERIAL E MÉTODOS
O potencial energético das camas de frangos reutilizadas foi avaliado pelo processo de biodigestão anaeróbia em ensaio com operação batelada, pois para o dimensionamento de biodigestores é importante que juntamente com os dados de necessidade de biogás para ser queimado, se disponha do potencial da biomassa utilizada para gerar biogás, bem como a distribuição da produção no tempo. Para cada lote de aves foi realizado um ensaio de biodigestão anaeróbia com as camas de frangos produzidas, totalizando 8 ensaios, sendo 4 ensaios (camas de 1 a 4º reutilização) avaliados em diferentes épocas do ano e 4 ensaios (camas de 1 a 4º reutilização) avaliados na mesma época. Os ensaios de biodigestão anaeróbia foram realizados no Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Campus de Jaboticabal / UNESP.
Foram utilizados 24 biodigestores em batelada, distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado sendo 4 reutilizações de cama e 6 repetições. Os biodigestores possuem com capacidade útil de 60 litros de substrato em fermentação, fazendo parte de uma bateria de mini-biodigestores, descrita por ORTOLANI et al. (1986). O inóculo, composto por cama de frango, foi previamente preparado em 4 biodigestores com capacidade de 60,0 kg, utilizando-se de 20,0 kg de biofertilizante de estrume de bovinos coletado em biodigestor contínuo modelo indiano, 4,5 kg de cama de frango e 35,5 kg de água para completar a capacidade de cada biodigestor. Após a biodigestão anaeróbia utilizando cama de 1° lote de frango, o inóculo utilizado foi sempre o efluente (saída) da biodigestão anaeróbia anterior, com teor de sólidos totais próximos a 15%, como recomendado por SANTOS (2001). 5 Em cada abastecimento o substrato foi preparado para obtenção do teor de sólidos totais próximo a 8,0%, segundo modelo proposto por LUCAS JR., (1994), misturando-se cama de frango, água e inóculo. Os dados foram submetidos à análise de variância pelo procedimento GLM do SAS program version 9.1. (2003) e as médias comparadas pelo Teste de Tukey a um nível de significância de 5%. RESULTADOS E DISCUSSÃO O potencial médio de produção de biogás durante 46 dias e por dia em biodigestores abastecidos com cama de frango de diferentes reutilizações de cama encontra-se na Tabela 1 e 2.
TABELA 1. Potencial médio de produção de biogás, corrigido para 20°C e 1 atm, em biodigestores batelada abastecidos com camas de frango reutilizadas em diferentes épocas.
Quanto a produção média de biogás, para as variáveis m3/kg de substrato e m3/kg de excreta, apresentaram valores médios superiores (P<0,05) nos biodigestores abastecidos com o maior número de vezes de reutilização da cama, sendo os potenciais médios 0,0165, 0,0184, 0,0190 e 0,0206 m3/kg de substrato e 0,1972, 0,2102, 0,2043 e 0,2366 m3/kg de excreta nas camas de 1º, 2º, 3º e 4º lote respectivamente, conduzidos na mesma época. Com isso, isolando o efeito da temperatura ambiente entre os tratamentos, houve aumento nos potenciais de produção de biogás devido ao aumento na quantidade de excreta nas camas reutilizadas. Os valores de produção 0,3254, 0,3416, 0,3260 e 0,4177 m3 de biogás/kg ST e 0,4006, 0,4102, 0,3999 e 0,5200 m3 de biogás/kg SV adicionados estão superiores aos obtidos por LUCAS JR et al. (1993) – 0,25 a 0,29 m3 de biogás/kg ST adicionados e SANTOS (1997) – 0,17 a 0,27 m3 de biogás/kg ST adicionados e WEBB & HAWKES (1985) – 0,25 a 0,37 m3 de biogás/kg SV adicionados. Porém está próximo aos obtidos por JAMILA (1990) citado por SANTOS (2001) – 0,20 a 0,40m3 de biogás/kg ST adicionados. Isso se deve provavelmente ao material utilizado e o número de vezes que foi utilizado a cama de frango. Os resultados da análise de variância demonstraram que também houve diferença significativa na produção de biogás entre as épocas estudadas (Tabela 2).
Observando a biodigestão anaeróbia do 2º lote de criação das aves desenvolvida nos meses com menores temperaturas do ano de 2007 (junho a agosto), houve menor produção de biogás em comparação ao 1º lote de criação 7 (março a maio). Porém quando se compara a biodigestão dos 4 lotes testados na mesma época (igual temperatura ambiente entre todos os lotes), verifica-se que há uma linearidade crescente na produção de biogás com a reutilização da cama de frango de corte. Os valores indicam a influência do período nos potenciais de produção de biogás encontrados neste experimento e são semelhantes aos estudos de ORTOLANI et al. (1986) que encontraram diferença altamente significativa para as médias dos potenciais de produção de biogás entre três ensaios que foram realizados no período chuvoso, seco e intermediário.
A temperatura é um dos fatores mais importantes que afetam a atividade microbiana na digestão anaeróbia. A produção de metano é fortemente dependente da temperatura, pois interfere na velocidade das reações químicas e bioquímicas (GERARDI, 2003). Por meio da visualização do comportamento das curvas de volume de biogás dos tratamentos é possível planejar um sistema que atenda determinada demanda de energia. A antecipação dos picos de produção de biogás dos tratamentos (1° e 4° reutilizações) podem ser claramente observados no Figura 1, e pode-se observar também na Tabela 1 que o tempo de retenção hidráulica foi 49 e 46 dias, respectivamente, inferior aos demais tratamentos (2° e 3° reutilizações) com TRH de ambos em 62 dias. Este fato provavelmente foi devido a baixa temperatura ambiente durante as fases de biodigestão anaeróbia dos tratamentos de 2° e 3° reutilizações, diminuindo a velocidade de produção de biogás e prolongando o tempo de produção.
FIGURA 1. Volume de biogás (m3) por dia de produção para diferentes reutilizações.
Para planejar a produção de biogás para geração de energia, deve-se considerar as áreas com produções de biogás mais expressivas nos desenhos das curvas para que não falte energia 8 quando a demanda por esta for alta. Como por exemplo, se for utilizado para aquecimento de pintinhos, dependendo da região de criação, deve-se preocupar principalmente na fase inicial de vida destas aves. Segundo FURLAN e MACARI (2002), o pinto de 1 dia de idade necessita de temperatura ambiente de 35ºC, devido a sua reserva energética para termogênese ser reduzida no início de vida. Com o desenvolvimento do frango de corte e a conseqüênte maturação do sistema termorregulador, a zona de conforto térmico é reduzida de 33ºC para 24ºC, com 4 semanas de idade e, para 21ºC com 6 semanas de idade.
Nesse sentido, visando o atendimento das necessidades energéticas para aquecimento das aves, dependendo da temperatura ambiente, os produtores devem se preocupar com a geração de energia principalmente nos primeiros dias até 14 a 21 dias de idades das aves, para evitar o estresse calórico, o qual influenciará no desempenho da ave. Portanto, na prática, utilizando a produção de biogás através da biodigestão anaeróbia de cama de frango, deve-se fazer um planejamento adequado, levando em consideração a fase de maior produção de biogás (com alta concentração de metano) para geração de energia.
Observa-se na Figura 1, que a biodigestão anaeróbia de cama de frangos de corte de 4º lote de criação, obteve o pico de produção de biogás durante o 9º ao 25º dia de biodigestão. Uma observação importante na Figura 1 deve ser apontada em relação ao primeiro pico de produção de biogás no ínicio da biodigestão (aproximadamente no 5º dia, para o 4º lote), o qual não deve ser confundido com o segundo pico de produção (aproximadamente no 17º dia, para o 4º lote), pois no início da biodigestão anaeróbia, observa-se uma maior concentração (%) de CO2, e este diminui durante o processo de biodigestão, devido ao estágio que envolve as bactérias fermentativas, compreendendo microrganismos anaeróbios e facultativos.
O inverso acontece com a produção de metano CH4, como observado na Tabela 3. De acordo com RUIZ et al. (1992), neste primeiro estágio, materiais orgânicos complexos (carboidratos, proteínas e lipídios) são hidrolizados e fermentados em ácidos graxos, álcool, dióxido de carbono, hidrogênio, amônia e sulfetos. Em seguida, as bactérias acetogênicas consomem os produtos primários e produzem hidrogênio, dióxido de carbono e ácido acético (1º pico na Figura 1). Dois grupos distintos de bactérias metanogênicas participam do próximo estágio (2º pico na Figura 1), o primeiro grupo reduz o dióxido de carbono a metano e o segundo descarboxiliza o ácido acético produzindo metano e dióxido de carbono, confirmando os resultados obtidos, onde se observa na Tabela 3, uma tendência no aumento da produção de metano com o passar da semana. 9
TABELA 3. Produção semanal de CO2 e de CH4 (%) para diferentes reutilizações de cama de frango, produzidos em épocas iguais.
CONCLUSÕES
A temperatura ambiente influenciou a produção de biogás em biodigestores anaeróbios abastecidos com cama de frangos de corte. Houve aumento significativo na produção de biogás com o aumento na reutilização da cama. Os potenciais médios de produção de biogás apresentados foram 0,1972, 0,2102, 0,2043 e 0,2366 m3/kg de excreta nas camas de 1º, 2º, 3º e 4º lote respectivamente, conduzidos na mesma época.
REFERÊNCIAS
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