Antes de tudo, é preciso conhecer!
A relação da produção animal com o meio ambiente e os impactos negativos que esta pode causar aos recursos naturais, sociais, econômicos e culturais é pouca conhecida pela sociedade brasileira. Nos países europeus e norte-americanos o conhecimento desta relação é maior devido aos conflitos existentes terem maior divulgação nos meios de comunicação, as políticas agropecuárias estarem mais bem delineadas, as legislações ambientais serem mais restritivas e as instituições fiscalizadoras melhor equipadas e organizadas.
O caso mais emblemático de conflito ambiental entre produção animal e meio ambiente refere-se à criação de bovinos de corte nos biomas Cerrado e Floresta Amazônica. Semanalmente, notícias sobre esse conflito são veiculadas na mídia falada, escrita e eletrônica nacional e internacional. Lê-se manchetes que afirmam que nossa carne é insustentável o que fomenta campanhas contra o consumo da carne brasileira em outros países. Este fato tem como conseqüência uma discussão nacional sobre o tema o que certamente contribuirá para a mitigação dos problemas.
Mas e as outras cadeias produtivas? Se existisse um ranking dos conflitos, a suinocultura seria potencial candidata a ocupar o segundo lugar. Muitos consumidores assimilam a figura deste animal a algo sujo que produz um resíduo líquido (dejetos) de cheiro muito forte, cor escura e que quando atingi um corpo d água provoca a mortandade de peixes. Exceção a este segundo lugar seriam as regiões com alta concentração de fazendas aquícolas ou avicultura de postura, nas quais essas sociedades teriam uma percepção diferente por vivenciarem outra realidade.
Pode-se afirmar que a avicultura nacional não desperta preocupações ambientais por grande parte da sociedade, sendo que o conhecimento que se tem desta cadeia produtiva é que ela fornece carne a ovos a preços acessíveis ao mercado consumidor interno e que no caso do frango de corte este é um dos principais produtos de exportação do país. Essa realidade não difere muito das realidades observadas ao redor do mundo.
Um indicador que confirma essa idéia é o número de notícias veiculadas sobre o tema produção animal e meio ambiente. Tomando-se como exemplo a seção “clipping” das páginas eletrônicas da avicultura industrial e da suinocultura industrial, no ano de 2008 foram veiculadas 5 notícias sobre as questões ambientais da avicultura e 12 sobre as da suinocultura.
Será que a avicultura não é emissora de gases do efeito estufa, seus resíduos não poluem as águas e os solos, os biodigestores não podem ser utilizados para o tratamento de estercos e camas, as criações não podem comercializar créditos de carbono, as propriedades avícolas não possuem problemas para obter o licenciamento ambiental?
Grande parte da sociedade não sabe responder a essas perguntas, mas o mais preocupante é que grande parte dos atores que atuam na cadeia produtiva de aves de corte e postura, também não sabem.
Os avicultores, empresas de insumo, cooperativas, agroindústrias, associações e governos possuem um baixo conhecimento da relação avicultura/meio ambiente. As razões para existência dessa situação compreendem o baixo nível de instrução formal de grande parte dos avicultores; a grande deficiência de formação ambiental dos profissionais agropecuários, técnicos que atuam nos órgãos de fiscalização, políticos e empresários; a recente sensibilização ambiental do setor; o baixo número de conflitos ambientais entre o setor e a sociedade.
Na Tabela 1, observa-se que em termos de potencial poluidor, as aves de corte e de postura são as que apresentam o maior potencial quando comparadas com outras duas grandes cadeias produtivas. Tomando-se como base os dois elementos que mais demandam preocupação quanto à degradação da qualidade das águas e dos solos, o nitrogênio e o fósforo, os dejetos das aves apresentam esses em elevadas quantidades, ou seja, se esses dejetos não tiveram o seu aproveitamento/tratamento realizados de forma correta, o impacto ambiental será maior, o que significa maiores ameaças a biosseguridade dos plantéis, a saúde humana e ambiental, a rentabilidade dessas produções e a sua capacidade de inserção social. Portanto, os resíduos avícolas demandam uma preocupação constante dos atores da cadeia produtiva a da sociedade.
A idéia não é eleger qual a produção animal brasileira de maior impacto ambiental, a idéia não é “caçar bruxas”. O fato é que qualquer cadeia produtiva animal que queira se perpetuar como geradora de renda, empregos e saldos comerciais positivos deve inserir no seu dia-a-dia o manejo ambiental. Essa inserção não significa somente a utilização de conhecimentos e tecnologias ambientais, mas também a inserção dos custos ambientais nos cálculos do custo de produção da matéria-prima.
Enquanto a regularização ambiental de uma propriedade for entendida como uma externalidade do processo produtivo, poucos serão os avanços ambientais e maiores serão os conflitos entre produtores e órgãos ambientais, produtores e cooperativas/agroindústrias, avicultura e sociedade. Como internalizar esses custos? Existem diversas formas já validadas por outros países, cabe ao país optar por aquele que mais se adapta a sua realidade produtiva, ambiental, social e econômica.
Sinais de evolução ambiental já podem ser identificados. Recentemente na posse do novo presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes este declarou que os produtores de carne precisam ter elevada conscientização ambiental. Cabe a Associação delinear ações que auxiliem na catalisação desse processo, basicamente, ações informativas e educativas.
Antes de qualquer iniciativa, sejam elas de associações, governos ou empresas, algumas perguntas devem ser respondidas
- O manejo nutricional é o ambientalmente mais correto?
- O uso da água nas criações é o correto?
- O armazenamento dos resíduos é o correto?
- O tratamento dos resíduos é realizado de forma correta?
- A utilização dos resíduos como adubo é a correta?
- Produtores, técnicos, empresas de insumos, agroindústrias, etc. sabem o que significa manejo ambiental em criações de aves?
- Nossas leis ambientais e de licenciamento da atividade estão corretas?
- Nosso sistema de fiscalização ambiental está ordenado de forma correta?
- A avicultura nacional está preparada para as barreiras ambientais que poderão ser impostas pelos mercados importadores?
- O que é uma avicultura ambientalmente correta?
- O que é desenvolvimento sustentável?
De todas essas perguntas e mais difícil de responder é a última. A grande maioria dos atores da cadeia avícola não sabem o que significa desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. Infelizmente, esta não é uma realidade só desta cadeia, mas está presente em todas as outras cadeias pecuárias e também na sociedade. Esta afirmação é justificada pelas palavras do cientista Rajendra Pachauri, economista indiano, Prêmio Nobel da Paz de 2007 e presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele afirma que: “o desenvolvimento sustentável é essencial, não tem como não pensar nisso, porém, a maioria das pessoas não sabe o que de fato é sustentabilidade e não sabe como praticá-la”. Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade tornaram-se artigos para venda, poucos se preocupam em alcançá-las, muitos se preocupam em vendê-las.
Se as respostas para maior parte dessas perguntas forem desconhecidas a primeira ação será reponde-las. A implementação de ações sem conhecimento, além de apresentarem baixa eficácia, terão alto custo e significarão elevado desperdício de tempo. Certamente a resposta a todas essas perguntas não dependem de uma instituição, mas sim de várias instituições que se comprometam a disponibilizar, organizar e gerar essas informações.
Conhecer, refletir, delinear, implementar e monitorar são ações obrigatórias para qualquer política ou intervenção ambiental. Não a nada de inovador nessa metodologia, a inovação se dará quando os atores da cadeia produtiva entenderem que mudanças ambientais não ocorrem com base no imediatismo, mas sim no planejamento.
A partir da edição da Instrução Normativa 56 de 04 de dezembro de 2007 do MAPA, que trata dos procedimentos para registro, fiscalização e controle de estabelecimentos avícolas de reprodução e comerciais, grandes avanços serão conseguidos no que diz respeito à disponibilidade de informações e mudança da condição ambiental das produções avícolas. Essas mudanças compreendem requisitos básicos como a posse da licença ambiental até a apresentação de um plano de gerenciamento ambiental da propriedade. A Instrução considera o manejo ambiental da propriedade e não somente o manejo dos resíduos quando determina que o manejo dos insumos ração e água devem ser corretos, estipula o monitoramento da qualidade da água de dessedentação dos animais e os conceitos a serem seguidos para o manejo dos dejetos. O foco na propriedade e não nos resíduos é um conceito fundamental que auxiliará na obtenção da licença ambiental e na gestão ambiental da propriedade.
Depois de conhecer, como fazer?Na Figura 1, observam-se as diretrizes que devem ser consideradas em um plano de gerenciamento e gestão ambiental de uma propriedade avícola. São destacados conceitos de gestão. Como esses conceitos serão implementados em cada unidade produtiva irá depender da realidade em que esta se insere. O diagrama demonstra que implementar, manter e monitorar um plano de gerenciamento não é uma tarefa simples, demandando uma série de conhecimentos de produtores, profissionais agropecuários, empresários e agentes fiscalizadores para que o plano seja conduzido da melhor forma. Por isso a importância de ações informativas e educativas a todos os atores da cadeia produtiva.
Uma ferramenta que auxilia na elaboração do plano são as Boas Práticas de Produção. A Embrapa Suínos e Aves editou as boas práticas para a produção de frangos de corte e aves de postura. Essa publicações podem ser obtidas através da página eletrônica (www.cnpsa.embrapa.br - Circular Técnica 49 – aves de postura e Circular Técnica 51 – frangos de corte). Nas boas práticas estão explicitadas as técnicas, conhecimentos, legislações e conceitos inerentes ao manejo ambiental da avicultura bem como a outros manejos.
Tabela 1- Características dos dejetos de bovinos de leite, suínos, aves de corte e de postura (1.000 kg de Peso Vivo/dia).
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* Texto originalmente publicado na edição 1169/2008, da revista Avicultura Industrial, da Gessulli Agribusiness.