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Particularidades da reprodução de aves silvestres

Publicado: 18 de outubro de 2023
Por: Juliano Vogas Peixoto1. 1Universidade Federal de Lavras-MG, Brasil.
Sumário

O conhecimento sobre a reprodução de aves silvestres está em constante evolução com o avanço de novas pesquisas. O número gigantesco de espécies de aves e a dificuldade de acesso aos seus gametas são aspectos complicadores para o estabelecimento de técnicas de reprodução assistida. Aspectos muitos básicos como métodos de coleta de sêmen e as características seminais da grande maioria das aves silvestres são desconhecidos. Essas informações são fundamentais para entender a biologia reprodutiva e planejar programas de multiplicação com o uso de inseminação artificial. Por isso o levantamento das principais particularidades da reprodução de aves silvestres norteará ações para o aprofundamento de pesquisas já realizadas e estímulo ao desenvolvimento de novas metodologias de coleta de sêmen e avaliação seminal em aves silvestres até o momento não estudadas.

Palavras-chave: coleta de sêmen, características seminais, espermatozoide, reprodução assistida.

Introdução

Dados da IUCN Red List revelaram que 49% das espécies de aves do planeta, ou seja, 5.412 das mais de 9.700 estão com suas populações em declínio e que 1 a cada 8 espécies de aves é considerada ameaçada de extinção (BirdLife International, 2022).
Medidas urgentes de conservação de habitat, combate ao tráfico de aves (BirdLife International, 2022) e pesquisas sobre reprodução assistida para multiplicação da população em cativeiro devem ser desenvolvidas para evitar a extinção.
A reprodução assistida com intuito de melhorar o desempenho reprodutivo em cativeiro é uma excelente ferramenta para aumentar o número de indivíduos que possam ser soltos na natureza, repovoando ambientes naturais de cada espécie. Como a reprodução das fêmeas possuem particularidades que dificultam a manipulação de oócitos, o conhecimento sobre as características seminais de cada espécie é fundamental para o estabelecimento de estratégias reprodutivas como inseminação artificial (Samour, 2004).
Com um número cada vez maior de espécies ameaçadas de extinção é plausível que sejam estimuladas pesquisas sobre manipulação e armazenamento de gametas, som foco especial na criação de criobancos de sêmen como fonte de reservas de material genético para projetos futuros de multiplicação de aves (Blanco et al., 2009).
Este trabalho tem por objetivo apresentar algumas particularidades da reprodução dos quatro principais grupos de aves (psitaciformes, passeriformes, anseriformes e falconiformes), com foco nas metodologias de coleta de sêmen, estrutura do órgão copulador e características dos espermatozoides.

Psitaciformes

Os psitacídeos compõem o grupo de aves de bico torto, penas coloridas, pés zigodáctilos e famosos por imitarem sons humanos. São representados por aves com variados tamanhos desde um papagaiopigmeu (Micropsitta pusio) a uma arara azul (Anodorhynchus hyacinthinus) (BirdLife International, 2023). Já podem ser encontrados na literatura relatos de coleta de sêmen em periquitos australianos, calopsitas, papagaios, ararinha azul, araras, cacatuas, kea entre outros (Samour et al., 1986; Neumann et al., 2013; Dogliero et al., 2015; Fischer et al., 2014; Bublat et al., 2017; Lierz et al., 2013; Dogliero et al., 2016).
Já foram testados os métodos de coleta de sêmen por massagem manual/digital, cooperação e eletroejaculação. O método de massagem modificado a partir do descrito por Burrows e Quinn (1937) se destaca por ser indolor, de fácil execução e não requerer aves treinadas (“imprintadas”) como o método de cooperação ou equipamento especializado como na eletroejaculação.
O método cooperativo é aquele onde a ave treinada ejacula em alguma parte do seu treinador, como mão ou braço. Requer treinamento desde filhote e por isso não é muito utilizado. Há relatos esporádicos de aves como periquitos australianos com movimentos de cópula e ejaculação nas mãos de seus tutores.
O tamanho das aves parece ter relação com o sucesso na coleta de sêmen em psitacídeos. Enquanto periquitos australianos são excelentes doadores de sêmen, a coleta de sêmen em papagaios, araras e cacatuas é muito difícil. Nos periquitos australianos a porção final do ducto deferente se enovela na parede lateral da cloaca formando uma estrutura armazenadora de sêmen, denominada glomera seminal (Samour, 2002). Por isso uma suave compressão com os dedos indicador e polegar é suficiente para que uma gota de sêmen seja exposta e coletada com um tubo de microhematócrito não heparinizado. Anderson et al. (2002) coletaram com sucesso e descreveram o sêmen de outro psitacídeo de pequeno porte, a miopsita (Myiopsitta monachus) sem detalhar a metodologia de massagem digital. Stelzer et al. (2005) usaram uma técnica posicionando os dedos indicador e médio nas laterais da cloaca e o dedo polegar próximo à glândula uropígea. Movimentos rítmicos foram aplicados. Houve sucesso apenas em aves de pequeno porte como aratingas (Aratinga sp.) e blue-naped parrot (Tanygnathus lucionensis), enquanto em psitacídeos maiores não houve ejaculação. Possivelmente psitacídeos de grande porte são menos tolerantes ao estresse da contenção física e manuseio, o que suprime a ejaculação, mesmo que passiva.
Um excelente modelo experimental para pesquisas com reprodução assistida são as calpospitas. Neumann et al. (2013) obtiveram 74.2% de sucesso na coleta de sêmen em calopsitas usando técnica semelhante a de Stelzer et al. (2005), mas com diferença na posição dos dedos: os dedos polegar e indicador em cada lado da cloaca enquanto o dedo médio massageando a região do sinsacro. A duração da massagem foi de 1 a 3 minutos até a ejaculação.
Apesar de agitados e estressados os agapornes também são ótimos modelos para pesquisas envolvendo coleta e manipulação de sêmen. Dogliero et al. (2015) coletaram sêmen de agapornes (Agapornis roseicollis) massageando o dorso do abdômen como dedos polegar mais o indicador ou médio, seguido de uma leve compressão das paredes laterais da cloaca. Foram realizadas coletas dentro e fora da estação de reprodução com taxas de 76 e 60% de sucesso respectivamente, havendo diferenças entre volume e concentração.
O método de massagem já foi testado em psitacídeos de médio e grande porte, no entanto a taxa de sucesso não é grande. DellaVolpe et al. (2011) testaram uma metodologia modificada para coleta de sêmen em papagaio verdadeiro (Amazona aestiva aestiva). Introduziram maior parte do corpo das aves dentro de um cano, deixando à amostra a cauda e membros pélvicos. A massagem foi realizada no dorso e ventre do abdômen caudal com posterior compressão da cloaca. Dezenove ejaculados foram coletados a partir de 330 tentativas em 6 aves.
Um trabalho se destaca com coleta de sêmen em papagaio de grande porte pela interessante taxa de sucesso. Dogliero et al. (2016) coletaram sêmen de 6 papagaios Kea (Nestor notabilis) por meio de massagem digital com taxas de sucesso que variaram entre 8.3 - 58.3% por ave, um resultado interessante para um psitacídeo que pode alcançar 900gr de peso vivo. As aves foram contidas com auxílio de uma toalha. Em seguida a massagem foi realizada com os dedos polegar e indicador ou médio deslizando sobre as laterais do abdômen no sentido crânio caudal próximo aos ossos púbicos, seguidos por compressões rítmicas nas paredes da cloaca com os mesmos dedos da outra mão.
A eletroejaculação também é uma realidade na reprodução assistida de psitacídeos. Para ultrapassar as limitações da coleta de sêmen por massagem em grandes psitacídeos, várias pesquisas têm relatado excelentes taxas de sucesso com o uso de eletroejaculação. Lierz et al. (2013) citam o desenvolvimento de uma nova técnica para coleta de sêmen e inseminação artificial em grandes psitacídeos com resultados animadores de 66,9% de sucesso nas tentativas em 151 espécies diferentes. Destaque para a taxa de sucesso de 93,6% em cacatuas e 96,6% em ecletus.
Fischer et al. (2014) coletaram sêmen de 13 ararinhas azuis (Cyanopsitta spixii) por meio de eletroejacualção com 44,3% de acesso ao material seminal. Utilizaram técnica desenvolvida por Lierz et al. (2013) com intervalo de 48h entre as tentativas. Uma probe de 2,4cm x 0,4cm x 0,4cm de tamanho foi introduzida na cloaca das aves e aplicado um conjunto de 2-6 impulsos elétricos com 2–6 V com duração de 1-2 segundos cada e intervalo de mesmo tempo entre os impulsos. O sêmen foi coletado com tubos capilares calibrados de vidro.
Bublat et al. (2017) coletaram sêmen por eletroejaculação em papagaios, ecletus, araras e cacatuas ao longo de 13 meses com um total de 1944 tentativas e sucesso em 31% delas. Todos os machos em que não houve sucesso viviam separados de fêmeas ou tinham histórico de infertilidade, ou seja, não tinham histórico positivo de reprodução pregressa.
Frediani et al. (2018) obtiveram taxas variáveis de sucesso dentro e fora da estação reprodutiva de Amazona aestiva, Anodorhyncus hyacinthinus e Primolius maracana. Apesar das taxas de sucesso na coleta de sêmen ser menores fora da estação reprodutiva, foi demonstrado que as aves continuam a produzir sêmen, podendo ser utilizadas nesse período como doadores de sêmen para pesquisas e formação de bancos de germoplasma.
Fischer et al. (2020) obtiveram excelente taxa de sucesso (89% das tentativas) na coleta de sêmen em uma espécie extremamente ameaçada de extinção, o papagaio de São Vicente (Amazona guildingii) utilizando eletroejaculação.
Desta forma fica claro que a eletroejaculação é uma metodologia que se tornou uma realidade na reprodução assistida de médios e grandes psitacídeos.

Passeriformes

Os Passeriformes se caracterizam em sua maioria por serem aves pequenas e com temperamento agitado. Compõem a maior ordem das aves e possuem exemplares que se destacam pela diversidade de cores e canto. A maioria possui estação reprodutiva bem definida com mudanças marcantes nos órgãos genitais na fase de atividade e repouso sexual. A grande dificuldade de coleta de sêmen está no pequeno tamanho das aves e manuseio da cloaca (Özkök, 2022). A coleta de sêmen em passeriformes já foi relatada na literatura por meio de massagem digital e pelo método cooperativo com o uso de manequins (Pellatt e Birkhead, 1994).
Para a técnica de massagem as aves devem ser preparadas com o aparo das penas da região pericloacal com o intuito de evitar que o ejaculado se perca em contato com as penas. Com a ave contida em uma mão, a região final do abdômen é estimulada com movimentos firmes e ligeiros com os dedos polegar, indicador e médio. Em seguida uma leve compressão com os dedos é feita ao redor da proeminência cloacal com acesso ao material seminal (Özkök, 2022).
Os passeriformes possuem uma proeminência cloacal que se torna bem evidente na estação reprodutiva (Wolfson, 1952; Salt, 1954). Nas suas paredes laterais um ducto deferente de cada lado enovela sua porção distal formando uma estrutura armazenadora de espermatozoides, conhecida como glomera seminal (Briskie, 1993). Quando presente esta estrutura facilita a coleta de sêmen, pois a compressão delas é suficiente para forçar a saída do sêmen.
No método cooperativo aves “imprintadas” podem ejacular na mão ou braço de seus cuidadores ou em manequins. Pellatt e Birkhead (1994) desenvolveram uma técnica interessante para coleta de sêmen em Zebra Finches (Taeniopygia guttata). Utilizaram um manequim de uma fêmea empalhada e presa no poleiro em posição de cópula. E introduziram uma vagina artificial acoplada no local da cloaca. Vinte e um por cento dos machos (21/35) copularam com a manequim resultando em 71% de sucesso na transferência de sêmen para a cloaca artificial.
A estrutura do espermatozoide dos passeriformes é conservada como em outras espécies de aves, sendo composta de cabeça, peça intermediária e cauda. No entanto, enquanto os espermatozoides de aves não passeriformes possuem acrossoma pequeno e apical, cabeça retilínea e estrutura lisa, os espermatozoides de passeriformes possuem acrossoma longo e cabeça espiralada e peça intermediária muito longa e em formato helicoidal ao longo da maior parte da cauda. O tamanho da cauda também se destaca por ser muitas vezes maior que a cabeça (Humphreys, 1972; Koehler, 1995; Lüpold, 2009). Lüpold et al. (2009) analisaram espermatozoides de 40 espécies de passeriformes. O comprimento médio dos espermatozoides foi de 46,8 a 287,6 mm, sendo a cauda correspondente a 78,6–95,0%. A peça intermediária helicoidal é bastante longa em torno de 54,8–100% da cauda.

Anseriformes

Grupo de aves aquáticas representadas pelos patos, marrecos, gansos e cisnes. Possuem o falo protraível, que em algumas espécies pode alcançar a incrível marca de 20 cm de comprimento. Isso significa que ao se excitar um falo espiralado é exposto e penetra a cloaca da fêmea (Guzsal, 1974).
O interesse econômico em aumentar os índices de fertilidade intra ou inter espécies como a formação de híbridos entre pato muscovy (Cairina moschata) e marreco pequim (Aitas platyvhynchos) estimulou o desenvolvimento de técnicas de coleta de sêmen e inseminação artificial. Massagem manual, eletroejaculação e uso de vagina artificial são métodos utilizados em anatídeos (Watanabe, 1957; Watanabe, 1961; Kamar, 1962).
A massagem manual é executada à semelhança da técnica de Burrows e Quinn, (1937). Duas pessoas são necessárias: um ajudante para conter os membros pélvicos e asas e o coletador. Este faz massagens no dorso e ventre do abdômen com as palmas das mãos até que o falo seja exposto espontaneamente, ou com uma compressão com os dedos ao redor da cloaca para forçar a sua exposição. O falo é introduzido em um tubo de vidro onde o ejaculado é coletado (Penfold, 2001; Ghonim et al., 2009;).
O uso de vagina artificial é muito interessante por permitir a coleta de um ejaculado com maior volume e melhor qualidade sem estressar o animal (Setioko e Kusumaningrum, 2002; Łukaszewicz et al., 2020). No entanto requer um período de treinamento do macho para que ele copule com um manequim (geralmente uma fêmea em postura) e permita que seu falo seja desviado para um tubo coletor (Nishiyama, 1976). Neste momento o responsável pela coleta comprime a base do falo com os dedos polegar e indicador para evitar contaminação do sêmen com uratos e fezes (Tan, 1980).
Kasai et al. (2001) compararam os métodos de massagem manual e vagina artificial e obtiveram 60 e 82,5% de sucesso respectivamente. Essa diferença acontece, pois no método de vagina artificial a monta e ejaculação são voluntárias enquanto na massagem manual a ejaculação é induzida ou forçada do falo pelo operador. Além disso, a massagem causa muita excitação, exposição violenta do falo acompanhada muitas vezes de expulsão de fezes e urina.
Samour et al. (1985) coletaram sêmen de três espécies de anatídeos utilizando a técnica de eletroejaculação. As aves foram sedadas com associação de quetamina e xilazina IM. Em seguida uma probe foi inserida da cloaca. Os estímulos eram iniciados com pulsos de 5 volts, com duração de 3 segundos e intervalos de 5 segundos. Foram realizados 5 a 8 vezes e aumentados gradualmente até 30 volts.

Falconiformes

Pelo menos 10% das 300 espécies de falconiformes estão ameaçadas de extinção (Del Hoyo, 1992). Conhecer as características seminais de cada espécie é uma ferramenta fundamental para a instituição de técnicas de reprodução assistida que aumentem o número de ovos férteis e filhotes viáveis.
Os métodos de coleta de sêmen em aves de rapina se concentram na massagem digital e na técnica cooperativa onde uma ave “imprintada” copula em uma luva ou chapéu preparado para receber o sêmen. Até o momento desta publicação não foram encontrados relatos do uso de eletroejaculação nessas espécies.
A massagem digital é amplamente utilizada, pois é simples, adaptável a qualquer tamanho de ave e não necessita de longos períodos de adaptação (Temple, 1972; Blanco et al., 2002; Blanco et al., 2002; Villaverde-Morcillo et al., 2015).
Dogliero et al. (2016) coletaram sêmen de 4 espécies de falconiformes via massagem manual. Com o auxílio de uma toalha, a metade cranial do corpo das aves foi envolvida obstruindo a visão e com isso diminuindo os estímulos estressores. Foram realizados movimentos com os dedos polegar e indicador ou médio em direção crânio-caudal no dorso do abdômen seguidos por compressões rítmicas com os mesmos dedos da outra mão nas paredes da cloaca. O sêmen foi coletado com tubos de microhematócrito.
Publicado originalmente em Anais do XXV Congresso Brasileiro de Reprodução Animal (CBRA-2023), Belo Horizonte, MG, 24 a 26 de maio de 2023. 
DOI: 10.21451/1809-3000.RBRA2023.033

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Neumann et al. (2013) obtiveram 74.2% de sucesso na coleta de sêmen em calopsitas usando técnica semelhante a de Stelzer et al. (2005), mas com diferença na posição dos dedos: os dedos polegar e indicador em cada lado da cloaca enquanto o dedo médio massageando a região do sinsacro. A duração da massagem foi de 1 a 3 minutos até a ejaculação.

Para a técnica de massagem, as aves devem ser preparadas com o aparo das penas da região pericloacal com o intuito de evitar que o ejaculado se perca em contato com as penas.
Autores:
Juliano Vogas Peixoto
UFLA - Universidade Federal de Lavras
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