INTRODUÇÃO
No Nordeste do Brasil, a avicultura é uma das atividades que tem propiciado maior progresso técnico-científico e socioeconômico para a população, notável provimento de fontes protéicas de baixo custo aos consumidores, e diversificação dos sistemas de produção animal. Entretanto, a demanda exigida com o aumento da população, obriga grandes empresas e granjas produtoras ao sistema intensivo de exploração, tornando o ambiente inapropriado para expressão comportamental das aves. Assim, nota-se uma crescente busca por parte de alguns nichos de mercado por produtos avícolas obtidos de modo diferenciado, ou seja, valores mercantis agregados ao aspecto ambiental ou bem-estar animal, mesmo que isso reflita em maior preço da carne e dos ovos convencionais. A adaptação de princípios e conceitos de granjas avícolas industriais aos sistemas de produção caipira ou colonial proporciona maior viabilidade da exploração semi-intensiva de plantéis regionalizados, atendendo certa necessidade de adequação de tecnologia a fim de se obter rentabilidade satisfatória. Neste contexto, a produção semi-intensiva necessita não apenas de condições estruturais adequadas, mas, também, utilização de aves melhoradas e aclimatadas aos sistemas alternativos (Hellmeister Filho, 2002). Assim, a linhagem Isa Label surge como boa opção para esta produção nordestina, já que essas aves têm uma boa resposta produtiva frente às condições rústicas de criação, apesar das escassas informações sobre o desempenho no bioma semi-árido.
Ao se considerar que a alimentação representa cerca de 70% do custo de produção avícola, torna-se cada vez mais evidente a importância de pesquisas em avaliação de alimentos, cuja relevância deve-se a alta dependência de cereais e oleaginosas para apropriada expressão fenotípica. A perspectiva no uso de alimentos alternativos é reflexo da insegurança na produção de milho no nordeste, que nos últimos anos não foi suficiente para atender a crescente demanda. Além da recorrente competição entre humanos e animais, a inexistência de produção de soja e a oscilante disponibilidade de seus subprodutos no semi-árido tornam cada vez mais onerosos programas de alimentação nos moldes tradicionais adotados por outras regiões brasileiras (Nascimento et al., 2009; Ramos et al., 2007).
A região nordeste possui diferenciada riqueza vegetativa para a alimentação animal, entretanto, para as aves caipiras, inconvenientes no uso de plantas forrageiras referem-se ao tipo e teor em fibras, bem como, os fatores antinutricionais. Entre estes fatores, destacam-se substâncias fitotóxicas que prejudicam a digestibilidade das proteínas ou a utilização metabólica de aminoácidos, substâncias que reduzem absorção de minerais e vitaminas, ou que aumentam as necessidades energéticas (Arruda et al, 2010; Costa et al., 2007; Ramos et al., 2006). Neste contexto, uma das leguminosas mais adaptadas ao bioma semi-árido e que se destaca pelo uso empírico na alimentação animal é o Mata Pasto, que possui este nome por ser considerada planta invasora das pastagens, no entanto, quando fenada, apresenta satisfatória aceitabilidade e valor nutricional, sugerindo ainda razoável redução na concentração de fatores antinutricionais mediante simples desidratação (Sousa, 2004).
Portanto, objetivou-se neste estudo, avaliar a digestibilidade aparente dos nutrientes e a energia metabolizável do feno de Mata Pasto, em rações completas para aves caipiras de dupla aptidão, durante dois períodos distintos da fase de crescimento.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Setor de Avicultura da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), no primeiro semestre de 2009. A temperatura e umidade relativa do ar no interior dos galpões, durante o período experimental, foram mensuradas com uso de termohigrometro digital. O alojamento dos pintainhos Isa Label de 1 dia de idade, vacinados contra Marek, realizou-se em galpões com cobertura de telha francesa, piso de concreto e muretas laterais em alvenaria, com tela de arame até altura do pé-direito do telhado, providas de cortinas laterais. Nesta fase inicial, utilizaram-se camas de maravalha sobre piso, círculos de proteção e campânulas a gás para aquecimento na primeira semana de vida. Após a sexta semana de vida, as aves foram selecionadas com base na uniformidade em peso vivo.
As rações foram formuladas com base nas recomendações de Oliveira (2005), adaptadas às exigências nutricionais para aves de crescimento lento ou semi-pesadas sugeridas por Rostagno (2005). Na Tabela 1 são apresentados os tratamentos que consistiram de uma ração controle (RCO) e outra ração com feno de mata pasto (FMP), a qual conteve um nível de substituição de 20% (kg/kg) do milho e do farelo de soja pela leguminosa em estudo, ambas suplementadas com vitaminas e minerais. As rações foram elaboradas observando as exigências das aves em dois períodos de crescimento, a fase de cria (FC) de 8 a 10 semanas e a fase de recria (FR) de 16 a 18 semanas de idade. As análises químicoenergéticas dos alimentos e das rações realizaram-se no Laboratório de Nutrição Animal da UFERSA, seguindo as técnicas descritas por Silva e Queiroz (2002).
O ensaio foi realizado com 48 aves dispostas em sistema de baterias, alojadas em gaiolas de digestibilidade metálicas com dimensões de 40 x 40 x 22 cm, providas de bebedouro semi-automático do tipo nipple, comedouro tipo calha e bandejas
adaptadas a fim de facilitar o processo de coleta das excretas. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, em esquema fatorial 2x2 (rações x idades) com 12 repetições e duas aves por unidade experimental, sendo a seleção das aves baseada na uniformidade em peso vivo. O método utilizado foi o de coleta total de excretas, a cada 24 horas, com alimentação ad libitum. O período de adaptação foi de sete dias seguido de jejum para o início do período de coleta de excretas por mais sete dias. Nos períodos de coleta de excretas durante a fase de crescimento, houve a subdivisão em duas fases, de 56 a 70 dias (FC) e de 84 a 98 dias (FR). Os animais e as rações foram pesados, antes e após cada período de experimental, sendo as sobras de ração e as excretas pesadas, identificadas e congeladas imediatamente a -10°C.
Ao término do período experimental as excretas foram descongeladas à temperatura ambiente e homogeneizadas, em seguida, foram pesadas e amostradas de modo representativo por repetição, destinando-as para realização da pré-secagem em estufa de circulação de ar forçada a 55º C por 72 horas. Após a pré-secagem, as amostras foram moídas em moinho de facas com peneira de 1mm para execução das análises químico-energéticas. Posteriormente, foram determinados os coeficientes de digestibilidade aparente dos nutrientes, mediante técnica matemática convencional, e seqüencialmente, os coeficientes de metabolização da energia das rações e do feno de mata pasto, seguindo protocolo de avaliação de alimentos para aves conforme descrito por Sakomura e Rostagno (2007). A hipótese experimental deste trabalho foi validada pela análise estatística dos dados, mediante análise de variância e teste de médias, em nível de 5% de probabilidade, através do programa computacional contido no Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas - SAEG (UFV, 2000).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As médias de temperatura e a umidade relativa do ar no interior dos galpões, durante o período experimental, situaram-se em 27°C e 67%, respectivamente, caracterizando ambiente limite ao estresse calórico para aves, pois segundo Lana et al. (2000), em temperatura ambiente inferior a 29°C não são observados efeitos consistentes sobre a temperatura corporal, e quando a temperatura ambiente é inferior a 32°C e a umidade relativa situa-se em 55%, o efeito da sensação térmica sobre a eficiência alimentar é pouco significativo.
O feno de mata pasto, neste estudo, apresentou teores médios de 88,87% MS, de 6,04% MM, de 2,74% EE, de 53,75% EE, de 32,26% EE, de 12% PB e de 4308,98 EB kcal/kg. Assim, nota-se que o valor de proteína bruta é similar ao obtido por Sousa et al. (2006) e Arruda et al. (2010). A variação observada nos valores supracitados permite inferir que a idade de corte, origem das sementes e situação edafoclimática, são determinantes na composição bromatológica do mata pasto.
Os valores de digestibilidade aparente dos nutrientes são apresentados na Tabela 2, onde pode-se observar a ausência de interação significativa (P> 0,05) para a disponibilidade de MM e para digestibilidade do EE, FDN, FDA e PB, no entanto, verifica-se a presença de interações significativas (P< 0,05) para digestibilidade da MS e EB entre as rações e as fases.
A redução na disponibilidade de MM e na digestibilidade da PB da ração FMP pode estar associada a um efeito aditivo depressor determinado pelo aumento nos teores de fibra, elevando a taxa de passagem e perdas endógenas (Sakomura e Rostagno, 2007), além da provável presença de taninos agindo de forma quelatante sobre certos elementos minerais ou ação adstringente sobre a atividade das enzimas proteolíticas intestinais. A menor digestibilidade justifica-se parcialmente pelo efeito da fibra do mata pasto, devido possível complexação lignocelulósica sobre a fração protéica e mineral (Carre et al., 1995; Leeson e Summers, 2001), influenciando a viscosidade da digesta intestinal, bem como a qualidade do substrato para atividade fermentativa microbiana.
Em relação à digestibilidade da fração fibrosa, sugere-se prevalência do efeito da lignificação da parede celular na leguminosa fenada em concordância com Nascimento et al. (2001), pois o aspecto qualitativo da fibra também envolve a natureza e localização das biomoléculas nutritivas, se predominantes no conteúdo celular ou se ligadas à parede celular, pois a extensão da digestão da fibra depende da origem botânica, complexação com a lignina, e até mesmo o tipo de processamento do alimento fibroso, como a fenação, neste estudo. Para a digestibilidade do EE, a diferença significativa para fase de crescimento, com maior eficiência da FC em relação à FR, possivelmente deva estar associado a diferenças intrínsecas na eficiência digestiva relacionada à maturidade fisiológica das aves com a idade (Macari et al., 2008), e adicionalmente, um provável reflexo de um discreto efeito acumulativo de pigmentos com a inclusão dietética do mata pasto, em concordância com Sousa (2004), elevando a concentração de lipídios nas excretas, justificando assim as diferenças entre as médias de digestibilidade da fração lipídica das rações experimentais.
No comparativo entre as rações e fases, houve redução na digestibilidade da MS e EB, quando se compara RCO e FMP em ambas as fases de crescimento, o que se deve provavelmente às diferenças na composição nutricional das rações propiciadas pela inclusão do feno de mata pasto, associadas às diferenças intrínsecas de eficiência digestiva fisiologicamente relacionadas à idade das aves. A partir dos coeficientes de digestibilidade aparente de energia bruta das rações, determinaramse os valores de energia metabolizável aparente (EMA), os quais apresentaram interação significativa (P< 0,05). A média geral de EMA foi 3026,50 kcal/kg (CV=1,69%), determinando-se para FC 2979,51 kcal/kg com RCO e 2612,56 com FMP, enquanto para FR, 3285,83 kcal/kg com RCO e 3228,13 kcal/kg com FMP. Tais resultados podem ser explicados pelas interações nutricionais resultantes da substituição em 20% (kg/kg) da RCO pelo feno de mata pasto para uso da metodologia de Matterson de avaliação energética de alimentos para aves (Sakomura e Rostagno, 2007), cujos efeitos interativos do alimento fibroso em sua passagem pelo trato digestório foi determinante para menor eficiência de metabolização da energia das rações nas duas fases.
Na Tabela 3, são apresentados os valores de energia metabolizável do feno de mata pasto para as aves, nas fases de cria e recria, onde se verifica efeito significativo (P< 0,05) semelhante ao obtido nos coeficientes de digestibilidade aparente dos nutrientes (Tabela 2), ou seja, o melhor aproveitamento dos nutrientes e conseqüentemente da energia do alimento pelas aves, conforme a maturidade e adaptação fisiológica do trato digestório e a plenitude na simbiose microbiana intestinal (Leeson e Summers, 2001). Os coeficientes de metabolização de energia do feno de mata pasto obtidos em cada uma das fases de crescimento, reflete a composição químico-energética intrínseca à leguminosa e interatividade nutricional no trato digestório das aves (Vergara et al., 1989; Borges et al., 2003).
Segundo Beelen (2002), a maioria das leguminosas do semi-árido possui concentrações de taninos que afetam negativamente a digestibilidade dos nutrientes, especialmente as frações protéicas e fibrosas. Assim, a menor digestibilidade de nutrientes com FMP possivelmente relacione-se a fatores antinutricionais ainda pouco esclarecidos, em concordância com Chubb (1982), devido a efeitos adversos resultantes de substâncias que prejudicam a digestibilidade de nutrientes (inibidores de enzimas), substâncias que interferem na disponibilidade dos nutrientes (fitatos, oxalatos, glicosinolatos), entre outros. Por isso, a fenação se torna um processo importante na alimentação alternativa, já que a desidratação parcial de alimentos minimiza a concentração ou atenua os efeitos de compostos fitotóxicos, como glicosídeos cianogênicos, substâncias estrogênicas e elementos do grupo dos taninos (Reis et al., 1998; Sousa, 2004).
Portanto, sugere-se que o feno mata pasto possa ser usado na alimentação de aves caipiras da linhagem Isa Label, porém, com níveis de inclusão nas rações iguais ou inferiores ao deste estudo para as fases de crescimento, sempre considerando a disponibilidade e o custo aos programas de alimentação em sistema de produção caipira no semi-árido. Desta maneira, vislumbra-se o estabelecimento futuro de combinações de alimentos alternativos que possam garantir o pleno atendimento das necessidades nutricionais e normalidade fisiológica do trato digestório das aves, conseqüentemente, permitir uma produtividade compatível à qualidade esperada nos
produtos regionalizados ofertados ao mercado consumidor.
CONCLUSÃO
A inclusão de 20% de feno de Mata Pasto em rações completas para aves caipiras propiciou redução significativa na digestibilidade total dos nutrientes, determinando-se valores de energia metabolizável aparente para esta leguminosa de 1695,97 kcal/kg para a fase de cria e de 1882,69 kcal/kg para a fase de recria.
Esse artigo foi originalmente publicado em Acta Veterinária Brasílica, v.4, n.3, p.193-198, 2010 | https://periodicos.ufersa.edu.br/acta/article/view/1866/4681. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.