Avicultura apresenta uma importante função na estabilidade da segurança alimentar do País e tem grande contribuição na geração de divisas. A elevação dos preços dos principais insumos das rações (inflação de custos) também foi motivada e acentuada pela escassez regional devido a anormalidades climáticas que afetaram a produção de grãos. Isto tem levado a uma constante consideração das alternativas por ingredientes prontamente disponíveis e que possam ter equivalência na substituição do milho. Em conformidade com a Embrapa Suínos e Aves, o índice de custos de produção do frango acumulou alta de 10,59% no primeiro trimestre do ano.
A PRODUÇÃO DE FRANGO E OVOS
As estimativas para o setor de carnes no Brasil em 2022 é de que a carne de frango represente mais da metade do consumo total substituindo parcialmente a carne bovina. Isto ocorre em função da evolução dos preços ao consumidor das proteínas de origem animal com menores reajustes para a carne de frango e ovos. Considerando o ano de 2021, o aumento de preços ao consumidor foi 50% menor para a carne de frango se comparado com o reajuste no preçomédio da carne bovina que foi mais intensamente exportada.
Do total da produção de frango de corte nos segmentos integrados em 2020, contabilizando 13,8 milhões de toneladas segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), 31% foram destinados para exportação e 69% ficaram para consumo interno. Um conjunto de fatores associados com o câmbio, a situação sanitária de plantéis em importantes países produtores, restrições e entraves no comércio internacional eleva a demanda e o potencial de exportação. Após o ano de 2020, pode ser observada uma valorização da carne de frango no mercado internacional e, em decorrência, a receita estimada com as exportações para 2022 é de 8,2 bilhões de dólares com um provável aumento de 18% sobre o ano anterior (Figura 01). Uma característica importante no perfil da avicultura brasileira é que os três Estados do Sul são, atualmente, responsáveis por 80% da exportação de carne de frango (PR: 40,2%, SC: 23,4% e RS: 16,4%).
DISPONIBILIDADE DE MILHO NO SUL
Quando avaliamos a produção de milho na região Sul do Brasil - e tomando como base a produção de 2017 - verifica-se que nos anos de 2018, 2020 e 2021 houve redução nas safras, respectivamente, na ordem de 29%, 20% e 41% afetando o custo das rações. Ainda com base na safra de 2017, a estimativa para o ano de 2022 é que ocorra uma redução de 13% na produção do grão.
O Brasil é considerado o terceiro maior produtor mundial de milho, mas o balanço das exportações e importações apresentado na Tabela 02 indica fortes oscilações em função
das disponibilidades restritas ao Sul e variações na produção do Centro-Oeste. São os efeitos climáticos nos diferentes anos que vão desde secas consecutivas nas safras no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, atraso no plantio no Centro-Oeste e geadas no Paraná na segunda safra. Após 2018 houve uma maior dinâmica nas exportações e importações de milho refletindo uma alteração nas estratégias internas de compra e venda do grão.
As opções para disponibilizar entre 7 e 8 milhões de toneladas de milho para cobrir eventual déficit de milho no Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão apresentadas na Figura
Figura 01. Evolução das exportações brasileiras de carne de frango no último quinquênio (2017 a 2021) e primeiro trimestre de 2022*
03. Para a avicultura gaúcha o défitcit estimado é de 3,5 milhões de toneladas. Como principais fornecedores externos para abastecer o Sul do Brasil está em destaque a Argentina, país considerado o quinto maior produtor de milho, e em seguida está o Paraguai.
DEMANDA CRESCENTE PARA O MILHO
O milho de forma efetiva sofre valorização por três frentes - aumento do consumo interno para alimentação animal e produção de álcool e aumento na demanda internacional com maior pressão para exportação. As projeções do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para a demanda de milho no país estão apresentadas na Figura 04. A projeção superior reflete a alta capacidade para atender a demanda de exportação e um potencial aumento significativo na produção de álcool. As projeções média e superior indicam a necessidade de aumento anual na produção de milho de, respectivamente, 2,8 e 4,4 milhões de toneladas. O aumento na produtividade nas lavouras e redução de perdas na colheita e pós-colheita deveria ser uma das prioridades, especialmente, para as regiões com déficit de milho. A consequência dessas demandas de milho para o preço no mercado interno é um maior alinhamento com as cotações internacionais, o que aliado à instabilidade na produção por fatores climáticos adversos torna obrigatória a consideração de alternativas para substituir parcialmente o milho na alimentação animal.
AS ALTERNATIVAS AO MILHO
Cereais de inverno
Condicionado pelo preço internacional e disponibilidade, respectivamente, do trigo e do triticale, o alcance máximo estimado para o uso de cereais de inverno na alimentação de animais para produção de carne e ovos, em substituição ao milho que falta na região Sul, não ultrapassa 20% (incluindo, trigo, triticale e, eventualmente, cevada fora do padrão cervejeiro). A estimativa atual feita pela Embrapa Trigo é que 800 mil toneladas de trigo sejam utilizadas na alimentação animal na região Sul do Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Na Tabela 03 está apresentada a evolução na produção de cereais de inverno no quinquênio 2017 a 2021 e a projeção para 2022, segundo dados da Conab. Em cinco anos, especificamente a produção de trigo teve uma evolução de 80%, com um aumento de área plantada em 43%. A ênfase na produção de cereais de inverno na região Sul do Brasil é em função das áreas disponíveis visando o uso mais intensivo e estratégico, também no inverno, das terras que eram cultivadas apenas no verão. Para os Estados do Sul, a estimativa é que as áreas com cultivo no inverno correspondem a apenas 20% da área cultivada no verão. A Embrapa Suínos e Aves desde há muito tempo realiza pesquisas com cereais de inverno. No passado foram avaliados e caracterizados o triguilho, os trigos com diferentes porcentagens de germinados, os subprodutos resultantes
Figura 02. Estatística das produções de milho nas regiões Centro-Oeste e Sul no quinquênio (2017 a 2021) e estimativa para 2022*
da industrialização do trigo e da cevada, o triticale, a produção de silagem de grãos de inverno, a colheita antecipada de trigo com diferentes teores de umidade submetidos a diferentes temperaturas de secagem além da avaliação da variabilidade aminoacítica de diferentes cultivares e genótipos do banco de germoplasma da Embrapa Trigo. Atualmente, em uma parceria entre a Embrapa Trigo e a Embrapa Suínos e Aves, estão sendo avaliadas as cultivares de trigo, triticale e cevada constantes nos bancos de germaplasmas para desvendar o valor nutricional para aves e suínos. Adicionalmente, a Embrapa Suínos e Aves, em parceria com o Sindicarnes/SC, está identificando entre as cultivares mais promissoras aquelas com o maior valor nutricional para seleção de novas cultivares mais produtivas e adaptadas. Em 2019 a Embrapa Suínos e Aves realizou a avaliação de equivalência entre alguns cereais de inverno com o milho (Comunicado Técnico, 566).
Trigo
Os destinos atuais e potenciais do trigo no Brasil são múltiplos e engloba a panificação, ração animal, pastagem, silagem, produção de semente, exportação e produção de etanol. O Rio Grande do Sul produziu 3,5 milhões de toneladas de trigo na safra de 2021 e o Brasil tem uma exportação que deve alcançar 2,7 milhões de toneladas (agosto de 2021 a julho de 2022). No primeiro trimestre de 2022 a quantidade exportada pelo Rio Grande do
Sul foi de 696 mil toneladas, com destinos principalmente para a África (Egito, Marrocos, Sudão e África do Sul). O trigo é um produto básico global não industrializado, tem um preço determinado pela oferta e procura internacional e a exportação realizada é decorrência da alta disponibilidade regional e grande demanda internacional. Considerando os elevados preços internacionais da commodity e a consequente tradução para o preço interno, houve interesse apenas parcial para a aquisição pelas agroindústrias visando o uso como ingrediente de ração.
Triticale
Ao contrário do trigo, não sofre diretamente influência do preço internacional. O potencial para produção do triticale no Sul do Brasil é alto. O Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) foi estabelecido em 2022 e, oficialmente, existe uma disponibilidade de sementes para o plantio de 70 mil hectares com um potencial para quintuplicar a área que foi plantada em 2021. Historicamente em 2006 foi a máxima produção registrada de triticale com 306 mil toneladas, porém, a produção foi reduzindo e, em 2014, foi de apenas 95 mil toneladas e, após este ano, foi diminuindo à metade desse valor, alcançando apenas 43 mil toneladas em 2021, segundo os registros da Conab. Esta evolução foi verificada porque no passado houve incentivo para a produção principalmente no Paraná visando a alimentação animal. A descontinuidade nesse incentivo foi devido, entre outras razões, à maior disponibilidade de milho devido à intensificação do plantio na safrinha.
Cereais de Verão
Basicamente são três as opções produzidas em maior quantidade a serem consideradas em função da disponibilidade e preço: o arroz marrom (descascado integral), o sorgo (granífero) e o grão de milheto. Estima-se uma área de cultivo de milheto de cerca de 4 milhões de hectares como planta de cobertura somente no Cerrado brasileiro e este cultivo está vinculado à proteção dos solos e à alimentação animal.
Figura 03. Possíveis opções de aquisição de milho para as empresas nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina visando atender a demanda interna
Milheto
O milheto grão pode ser usado sem moagem nas rações de aves desde o primeiro dia de idade sem perda da digestibilidade de nutrientes e em rações para frangos de corte e poedeiras pode ser incluído em até 45% nas rações conforme apresentado nas Tabelas Brasileiras (2017). A sua composição em aminoácidos digestíveis proporciona um melhor perfil nas rações quando combinado com milho e farelo de soja.
Sorgo
A produção estimada de sorgo granífero está apresentada na Tabela 04. Segundo dados da Conab, o sorgo granífero representou em média no último quinquênio apenas 2,3% da produção do milho, e a estimativa para 2022 é que a produção seja de 2,6% da estimativa para o milho. Seu uso pode potencialmente substituir em 100% o milho nas rações de frangos e poedeiras.
Arroz sem Casca (Arroz Marrom Integral)
A utilização do arroz na alimentação de suínos e aves sempre foi praticada em diversos países, principalmente na Ásia, onde estão localizados os principais produtores mundiais do grão (China, Vietnã, Japão, Tailândia, Coreia, entre outros). No Brasil, a nutrição animal até agora utilizava apenas derivados de arroz, principalmente quirera e farelo, integral ou desengordurado. A utilização de grãos integrais sem casca, uma vez que a casca tem baixo valor nutricional e interfere negativamente na digestibilidade, no Brasil é tema novo mas há pesquisas internacionais aprofundadas sobre o assunto. Em setembro de 2011, o governo federal publicou uma portaria interministerial que trata do destino de parte do arroz excedente produzido principalmente no Estado do Rio Grande do Sul para alimentação animal. Essa medida foi uma forma de reduzir o excesso de oferta do produto e sustentar um preço de produção rentável. Com base nas informações disponíveis para as quireras e o farelo, é possível que o grão de arroz descascado seja uma matéria-prima potencial para alimentação animal. O grão de arroz com casca, descrito superficialmente, é composto por quatro frações, sendo que a casca corresponde a 20% do peso do grão, os farelos correspondem a 7% a 8% do peso, o gérmen corresponde a 2% a 3% do peso e o endosperma corresponde a 70% a 72% do peso total do grão. Dadas as semelhanças nutricionais entre o arroz sem casca (arroz descascado) e o milho, o que efetivamente determina o uso do arroz para alimentação animal é sua disponibilidade e sua relação de preço com o grão de milho. No Sul do Brasil, em um passado recente, em épocas de alta produção e baixos preços do grão de arroz integral (arroz em casca) combinados com altos preços do milho (como em 2011), seu uso era intensamente praticado na alimentação de suínos. Assim, o programa “MILHO ZERO” na alimentação de suínos praticado no município de Jaguarão/RS (zona de produção de arroz no Estado) através do uso intensivo do grão de arroz sem casca e o uso do farelo (integral ou desengordurado) é bem conhecido. Pesquisas no Estado do Rio Grande do Sul foram realizadas na década de 1990 e na primeira década de 2000 para avaliar a viabilidade do uso de quirera de arroz e farelo (integral e desengordurado) na alimentação de suínos e aves (frangos e poedeiras). Essas pesquisas foram desenvolvidas pelas principais universidades federais do RS (UFRGS, UFSM e UFPEL) e pela Fepagro (na Estação de Avaliação e Pesquisa de Suínos Santa Rosa). Na maioria das vezes, essas pesquisas contavam com o apoio do IRGA (Instituto Riograndense do Arroz), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs) e também, eventualmente, de agências de fomento à pesquisa de âmbito nacional. A Embrapa Suínos e Aves, em 2012, por meio do Comunicado Técnico número 503 (versão eletrônica) fez uma abordagem completa sobre o uso do grão de arroz descascado na alimentação de suínos e aves (frangos e poedeiras) em diferentes fases dos animais (Krabbe et al., 2012). Recentemente em 2021, por iniciativa da Farsul (Federação da Agricultura do Rio
Figura 04. Projeção da demanda de milho no Brasil considerando o consumo interno + exportação referente ao período de 2022 até 2029 sob dois cenários
Grande do Sul) e Federarroz/RS (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul), várias amostras de arroz sem casca foram enviadas à Embrapa Suínos e Aves para avaliação nutricional. Análises em diferentes laboratórios públicos e privados geraram resultados que foram interpretados e inseridos na matriz nutricional para formulação de rações a fim de determinar, com base nos preços vigentes em maio de 2021, qual a relação de equivalência entre o preço do arroz (descascado) e milho. Com base em rações isonutricionais formuladas para aves e suínos em diferentes fases de produção e assumindo desempenho semelhante dos animais em termos de ganho de peso, consumo e conversão alimentar, foi possível estabelecer a relação de equivalência entre os preços. O percentual a ser pago por quirera de arroz versus milho em ração para frangos com base nos preços vigentes no Sul do Brasil para todos os ingredientes da ração em maio de 2021 foi de 93%.
Os cálculos de equivalência entre os preços do arroz em casca e do milho referem-se aos preços dos ingredientes colocados nas fábricas de rações. Existe um grande conjunto de fatores que podem onerar o arroz como ingrediente da ração até que esteja pronto para ser utilizado nas rações da fábrica de ração. São eles processamento, impostos, taxas, taxas de comercialização, custos de transporte, entre outros. Quando calculado pelo preço real, deve-se considerar que a massa de um volume unitário de arroz em casca é de 50 kg e que o fator de perda devido à casca é de 20% (ou seja, 20% do grão de arroz é casca) enquanto a massa de um volume unitário de milho é 60 kg. A este valor deve ser adicionado o fator de equivalência nutricional que é de 0,93 para frangos de corte e 1,1 para suínos. Se o volume de milho estiver com preço de 90 reais (1,50 reais por kg) o preço máximo de equivalência para arroz sem casca será de 1,5 reais x 0,93 = 1,395 reais por kg de arroz sem casca para frangos de corte. Assim, 40 kg de arroz sem casca (50 kg de arroz em casca) podem valer 55,8 reais. Pois para cada kg de arroz sem casca, deve-se acrescentar o fator de equivalência nutricional de 0,93, considerando a dieta dos frangos. O valor neste exemplo sobre para 66 reais considerando a alimentação de suínos. O uso do arroz sem casca é apenas mais uma opção a ser considerada desde que os preços sejam compatíveis para manter o controle do custo da ração no Sul do Brasil. O arroz sem casca será utilizado se os preços forem atrativos em relação ao preço do milho, sempre considerando os ingredientes colocados na fábrica de ração. A dinâmica do mercado determinará a extensão do uso desta opção. A disponibilidade de arroz no mercado é um dos fatores importantes que determina seu uso como ingrediente em rações. Estima-se que hoje não mais de 5% do arroz produzido seja destinado à alimentação animal, o equivalente a 500 ou 600 mil toneladas. Vale lembrar que o consumo humano é o arroz tipo 1 longo fino. E a natureza produz arroz e não arroz tipo 1. Os 5% utilizados como ração seriam pelo menos o fator de classificação conforme especifica a IN 02 de 2012 ordenada pelo Ministério da Agricultura. Considerando a crescente demanda por cereais para alimentação de suínos e aves no Sul do Brasil, é necessário financiar pesquisas para otimizar o uso racional do arroz descascado (arroz sem casca) na alimentação animal. Avaliações específicas para determinar a Energia Metabolizável em ensaios de metabolismo para suínos e frangos de corte são necessárias. Portanto, são necessários recursos para a pesquisa. O comprometimento das representações de classe nesse sentido é fundamental.
Esse artigo foi originalmente publicado em Avicultura Industrial | nº 03 | 2022 | https://www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/1143612/1/final9915.pdf. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.