Explorar
Comunidades em Português
Anuncie na Engormix

Metodologia tridimensional de avaliação dos impactos de tecnologia: uma adaptação para o segmento agroindustrial.

Publicado: 15 de novembro de 2012
Por: André Yves Cribb.
Uma análise da literatura relativa às abordagens de avaliação da pesquisa mostra que, desde cerca de 40 anos, a avaliação de impactos de tecnologia é amplamente dominada pelas questões econômicas (Observatoire..., 2002). Recentemente, ou mais precisamente nos últimos 10 anos, observa-se uma tendência a intensificar esforços no desenvolvimento de novas metodologias de avaliação da pesquisa abrangendo os aspectos não só econômicos mas também sociais e ambientais. Essa tendência se evidencia também no setor agrícola.
A metodologia, sugerida pela Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - a suas Unidades para avaliação da pesquisa, é tridimensional. A dimensão econômica é avaliada a partir do enfoque do excedente econômico através dos critérios de incremento de produtividade, redução de custos, expansão da produção e agregação de valor. A dimensão social consiste na caracterização dos efeitos da tecnologia em termos de emprego, saúde, nutrição, conhecimento, gênero e combate aos desperdícios. No tocante à dimensão ambiental, é usado o Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica Agropecuária - AMBITECBIO - um modelo de avaliação concebido de maneira a permitir estimativas referentes ao alcance e à eficiência da tecnologia bem como a seus efeitos sobre a conservação e recuperação ambiental (Avila, 2001).
No entanto, os procedimentos, ferramentas, critérios e indicadores desta metodologia não correspondem totalmente às especificidades de todos os segmentos do setor agrícola (Avila, 2001). Particularmente, eles se revelam difíceis de aplicação nos casos de tecnologias diretamente aplicadas à transformação de produtos agrícolas. A lógica de comparação das situações observadas antes e depois da transferência não se adequa à realidade das micro e pequenas empresas agroindustriais que, em geral, nascem sem antecedência em determinadas áreas produtivas (Vieira, 1998). A inserção da noção de "área de produção" nas ferramentas da metodologia não condiz com empresas de transformação agroindustrial que usam pouco espaço físico para seu sistema de produção. A recuperação ambiental, usada como critério de avaliação, não é aplicável às tecnologias agroindustriais que não são propositalmente concebidas para melhorar diretamente os recursos naturais. Além disso, indicadores como produção e renda exigem dados que não são facilmente fornecidos pelas empresas em razão de seu valor estratégico e das regras de sigilo estabelecidas (Brasil, 1968 e 1973).
Este trabalho apresenta a adaptação dessa metodologia a tecnologias de transformação industrial de produtos agrícolas. Para tal, são primeiramente descritos o material e o método, empregados na análise e compreensão das incompatibilidades dessa metodologia com as tecnologias agroindustriais. Em seguida, são indicados os resultados obtidos a partir do emprego dos referidos material e método. Finalmente, são formuladas as conclusões destacando a interação da teoria com a prática na adaptação da metodologia de avaliação de impacto ao segmento agroindustrial.
 
Material e método
A pesquisa envolveu atividades referentes à revisão de literatura, discussão da metodologia e observação in situ. Ela procurou aliar a teoria à prática e, portanto, baseou-se nos princípios da "pesquisa-ação" que, segundo Thiollent (2003), "é um tipo de pesquisa concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo".
A revisão de literatura foi realizada sobre considerações teóricas e evidências empíricas referentes à avaliação de impactos de tecnologia. O essencial da bibliografia utilizada foi constituído pelas referências que acompanharam a metodologia.
Esta metodologia foi analisada e debatida em dois encontros com a participação de seus autores (Avila, 2001). O primeiro encontro durou três dias e foi dedicado ao levantamento e estudo das dificuldades de aplicação da metodologia à avaliação das tecnologias agroindustriais. O segundo encontro foi realizado em cinco dias e aproveitado para a apresentação e discussão de novos critérios e indicadores passíveis de serem inseridos na metodologia.
Com a revisão da literatura e a discussão da metodologia, aprofundaram-se os conhecimentos teóricos sobre a avaliação de impactos de tecnologia. O passo seguinte foi o confronto desses conhecimentos com as realidades do segmento agroindustrial. Para isso, foi realizada uma pesquisa no molde do que se chama "estudo de caso" (Yin, 1998), conforme a visão de cadeia agrícola (Batalha, 1997; Zylbersztajn & Neves, 2000). A pesquisa se concretizou através de um exercício prático de avaliação de impactos da tecnologia de "conservação de água de coco verde por refrigeração e congelamento". Essa tecnologia foi desenvolvida pela Embrapa Agroindústria de Alimentos e transferida à Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Quissamã, constituída de 210 membros dos quais 43 são produtores de coco in natura na Região Norte do Estado do Rio de Janeiro. Por meio do método de diagnóstico rápido e participativo (Sweetser, 1995; Rietbergen-McCracken & Narayan, 1998), os dados e informações necessários e suficientes para a adaptação da metodologia foram levantados junto a 18 atores da cadeia incluindo dois pesquisadores da tecnologia assim como três produtores, quatro processadores, dois distribuidores e sete consumidores da água de coco.
 
Resultados e discussão
Os principais resultados obtidos são apresentados através das seguintes proposições:
1. Em termos de procedimentos de comparação das situações das empresas, é preciso pensar não só na lógica de "antes" e "depois" mas também naquela de "sem" e "com" a tecnologia a ser avaliada.
2. Na planilha usada como ferramenta de avaliação de impactos econômicos, faz-se necessário substituir o fator multiplicador "área de produção" por outro que pode ser "equipamento utilizado", "empresa", "quantidade do produto processado", etc.
3. É importante ficar atento ao fato de que algumas tecnologias podem ter maiores impactos em outros segmentos como os dos fornecedores e consumidores, ou seja em segmentos diferentes da agroindústria em que a tecnologia é diretamente aplicada.
4. Em razão da dificuldade de estimar a taxa de adoção das tecnologias no segmento agroindustrial, propõe-se concretizar a avaliação dos impactos por meio de estudos de casos.
5. É benéfico usar uma abordagem participativa nas fases de coleta e análise dos dados e informações para contornar as barreiras criadas por regras de sigilo em ambiente de produção industrial.
O mesmo roteiro proposto pela metodologia para a elaboração do relatório final da avaliação de impactos de tecnologia pode ser mantido com duas alterações. A primeira se refere à avaliação dos impactos sociais e consiste na inserção dos componentes de gestão e administração, além do emprego e de outros critérios citados acima. A segunda alteração é a substituição do componente "Recuperação Ambiental" pelo critério de "Qualidade do Produto".
 
Conclusão
A avaliação de impactos de tecnologia, como qualquer outra área de pesquisa em ciências sociais, exige atenção especial ao contexto de sua realização. A qualidade de seus resultados depende principalmente do grau de conformidade de seus procedimentos metodológicos com as especificidades do segmento produtivo que serve de pano de fundo para o desempenho da tecnologia.
Os procedimentos metodológicos, propostos às Unidades da Embrapa para avaliação de impactos de tecnologia, não se revelam completamente compatíveis com as realidades do segmento agroindustrial. A dificuldade de sua aplicação neste segmento é evidente. No entanto, isso não quer dizer que seus fundamentos teóricos sejam inconsistentes. Os principais entraves, observados por ocasião de seu uso, se encontram a nível da definição dos critérios de avaliação assim como da coleta e análise das informações e dos dados necessários.
A adaptação da metodologia, concretizada através de um estudo de caso real, reflete os diferentes aspectos característicos do segmento agroindustrial. Ela é fruto de uma associação equilibrada entre a teoria e a prática, tornada possível graças à participação dos atores envolvidos na cadeia em que se insere a tecnologia.
 
Referências bibliográficas
AUSTIN, J. E. L'analyse des projets agro-industriels. Paris: Economica; Washington, DC: Institut de Dévelppement Économique de la Banque Mondiale, 1981.
AVILA, A. F. D. (Org.) Avaliação dos impactos econômicos, sociais e ambientais da pesquisa da Embrapa: metodologia de referência. Brasília, DF: Embrapa – SEA - CAA, 2001.
BATALHA, M. O. (Coord.). Gestão agroindustrial. São Paulo: Editora Atlas, 1997. v. 1.
BRASIL. Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968. Dispõe sôbre a obrigatoriedade de prestação de informações estatísticas e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 nov. 1968. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L5534.htm> . Acesso em: 9 dez. 2005.
BRASIL. Lei nº 5.878, de 11 de maio de 1973. Dispõe sobre a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 maio de 1973. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ L5878.htm> . Acesso em: 9 dez. 2005.
OBSERVATOIRE DES SCIENCES ET DES TECHNOLOGIES. Les indicateurs d´impacts de la recherche. Montréal: INRS - CIRSTMALASSIS, 2002. (Rapport).
RIETBERGEN-McCRACKEN, J.; NARAYAN, D. Participation and social assessment: tools and techniques. Washington, D.C.: The World Bank, 1998. 359p.
SWEETSER, A. T. What is rapid appraisal?. In: WORKSHOP ON RAPID APPRAISAL (RA) AND PARTICIPATORY RURAL APPRAISAL (PRA), 1995. Rapid appraisal and beyond. Washington: USAID, 1995. (The Participation Forum Workshop Notes, 1). Disponível em: < http://www.usaid.gov/about/ part_devel/docs/pdiwksp1.html> . Acesso em: : 9 dez. 2005
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p.14. VIEIRA, L. F. Agricultura e agroindústria familiar. Revista de Política Agrícola, Brasília, v. 7, n. 1, jan.– mar., 1998.
YIN, R. K. Case study research: design and methods. London: Sage Publications, 1998. 166p.
ZYLBERSZTAJN, D.; NEVES, M. F. (Org.). Economia e gestão dos negócios alimentares: indústria de alimentos, indústria de insumos, produção agropecuária, distribuição. São Paulo: Pioneira, 2000.
Tópicos relacionados:
Autores:
André Yves Cribb
Embrapa
Recomendar
Comentário
Compartilhar
Profile picture
Quer comentar sobre outro tema? Crie uma nova publicação para dialogar com especialistas da comunidade.
Junte-se à Engormix e faça parte da maior rede social agrícola do mundo.