Por Geraldo Barros
Professor titular da USP/Esalq e coordenador científico do Cepea/Esalq/USP
À medida que a crise no mundo árabe se alastra, seus efeitos sobre o restante do globo vão sendo sentidos. Trata-se de região importante produtora de petróleo e altamente dependente de importações, inclusive do agronegócio. Os altos preços de alimentos, aliás, foram relevantes para o surto de revoltas nessa região de elevada concentração de renda e marcante pobreza.
Quando o turbilhão atingiu a Líbia, ficou sob risco direto o suprimento de petróleo, especialmente na Europa, com destaque para Itália, França e Alemanha. O mercado mundial reagiu com expressiva elevação de preços. Permanecendo esse quadro, ficaria caracterizado um choque de oferta, com o conhecido resultado de aumento da inflação e queda da atividade econômica.
O aumento do petróleo aprofunda as dificuldades decorrentes de já se acharem altos os preços de produtos vinculados a recursos naturais (alimentos, fibras, minérios, metais), cuja oferta não acompanha o crescimento da demanda mundial. Como os desarranjos produtivos no Norte da África, com possível extensão para a Ásia, dificilmente serão superados com brevidade, paira sobre a economia global o espectro de recaída numa crise, ainda em processo de superação.
É importante, porém, ter em conta que os impactos de aumentos no preço do petróleo hoje são menores do que no passado. Muitos países têm atualmente um sistema produtivo bem mais eficiente no uso da energia. É, pois, provável que, embora prossiga a ressaca da crise anterior, os maiores estragos da nova crise se restrinjam aos próprios países árabes.
Para o agronegócio, importa saber que boa parte do crescimento esperado na demanda de alimentos na próxima década está associada aos países da África e Oriente Médio. Daí que, em sequência imediata ao agravamento da crise na Líbia e seus reflexos sobre o preço do petróleo, os mercados de grãos - como trigo, soja e milho - reagiram com forte baixa. Na mesma direção atuaram as notícias de que China e Índia buscavam uma pequena frenagem em suas locomotivas econômicas.
O que a experiência ensina é que os preços de alimentos e petróleo - e commodities em geral - tendem a se movimentar nas mesmas direções embora a curtíssimo prazo possam seguir rumos discrepantes. Tanto na crise dos anos 1970 como na de 2008, distúrbios na produção de petróleo e transtornos climáticos levaram a altas substanciais de preços de ambos. Imprevidências na condução de políticas macroeconômicas agravaram os efeitos perversos do choque de oferta.
Tudo isso considerado, é provável que a crise no Norte da África traga alguma turbulência sem, porém, alterar significativamente o quadro de alta de preços tanto de petróleo como de alimentos, enquanto for mantido o atual crescimento rápido mesmo face ao aumento da inflação mundial.
Após a queda, os mercados de grãos, prudentemente, parecem ter entrado em ritmo de espera para melhor avaliar a extensão dos danos da crise e dos ajustes em andamento.