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Aditivos alimentares à base de bacteriofágos para saúde intestinal

Publicado: 9 de outubro de 2023
Por: Clarissa Silveira Luiz Vaz – Embrapa Suínos e Aves.
Muito se tem discutido sobre a interdependência entre saúde intestinal avícola e microbiota do intestino (entendida como o conjunto de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos nesse nicho), e seu papel na proteção contra a colonização por patógenos. Simultaneamente, as ações globais para se combater a resistência aos antimicrobianos, aqui abordados como fármacos que inibem ou inativam bactérias, demandam adequações nas práticas produtivas que gerem maior independência do uso não terapêutico de antimicrobianos na manutenção da saúde intestinal. Isso tem induzido mudanças profundas na produção avícola, como a gradativa redução de uso de melhoradores de desempenho e atendimento à lista de antimicrobianos de importância veterinária recomendada pela Organização Mundial de Saúde Animal, ao passo que surgem novos nichos, como criação de lotes sob o regime NAE – no antibiotics ever (nunca submetidos a uso de antimicrobianos). Esse caminho exige melhorias nas formas de se promover a saúde intestinal avícola, principalmente baseadas em programas sanitários, ajustes de manejo (inclusive nutricional) e biosseguridade nas granjas. Como uma necessidade de mercado, os portfólios de produtos para a saúde animal têm se diversificado com insumos alternativos, dentre os quais os bacteriófagos (fagos). Fagos possuem ação bactericida seletiva, que pode ser explorada no enfrentamento das infecções bacterianas aviárias que demandam redução da colonização intestinal e/ou excreção fecal, como é o caso das salmoneloses paratíficas em frangos.
ADITIVOS ALIMENTARES PARA SAÚDE INTESTINAL

BACTERIÓFAGOS: O QUE SÃO?

Fagos são vírus onipresentes nos diferentes ecossistemas e, provavelmente, as estruturas biológicas mais abundantes na natureza. Infectam somente bactérias e por isso são inofensivos a humanos e animais. A forma de atuação depende de características biológicas: fagos líticos introduzem seus ácidos nucleicos na célula hospedeira, desencadeando a replicação e a formação de novas partículas virais que rompem a membrana da bactéria durante sua liberação. Essa progênie é capaz de infectar novas células suscetíveis, repetindo o ciclo lítico e caracterizando a natureza autorreplicante. Já os fagos lisogênicos penetram na célula-alvo e integram seu material genético ao genoma da bactéria, permanecendo num estado quiescente, que é transferido à progênie bacteriana durante a replicação celular. Isso pode conferir vantagens seletivas para a bactéria hospedeira, tais como a expressão de eventuais genes carreados pelo fago que codificam fatores de virulência ou outras propriedades, como resistência a antimicrobianos. Os fagos líticos, portanto, são os que têm aplicação em saúde animal.
Uma das vantagens dos fagos líticos frente a outros aditivos não antimicrobianos que atuam na microbiota intestinal é a especificidade – característica determinada pela interação com receptores geralmente distribuídos na superfície da célula-alvo, a partir dos quais há a adsorção e a infecção da bactéria. Alguns fagos são altamente específicos a determinado hospedeiro, reconhecendo um único tipo de receptor; outros têm espectro de ação mais amplo, reconhecendo diferentes receptores em gêneros bacterianos distintos. Com base na especificidade, são selecionados bacteriófagos líticos com ação sobre bactérias patogênicas, enquanto outras bactérias da microbiota permanecem intactas. Produtos contendo único ou múltiplos fagos podem ser administrados via água ou ração, em uma ou mais aplicações, para controle de um ou mais sorotipos de salmonelas em frangos de corte. O resultado vai desde a redução da concentração cecal de salmonelas até a sua eliminação. Todavia, a completa eliminação de salmonelas pelo uso de bacteriófagos ou outro aditivo alimentar nem sempre é factível, já que sua sobrevivência em macrófagos após invasão da mucosa intestinal possibilita multiplicação e disseminação sistêmica, e também proteção à ligação de fagos. Diferenças quanto à administração de fagos por curto ou longo prazo reforçam que o protocolo de uso precisa considerar as características biológicas dos fagos que compõem o produto, da bactéria-alvo e do hospedeiro animal. Vários protocolos experimentais para controle de salmonelas em frangos propõem a aplicação dos fagos em idade pré-abate.

CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS NOS BACTERIÓFAGOS

Parte das falhas na fagoterapia advém da seleção equivocada de bacteriófagos, mas que na maioria das vezes pode ser evitada na fase de desenvolvimento do produto. Fagos candidatos a aditivos alimentares são inicialmente selecionados por extensa caracterização, que inclui análise do genoma para assegurar ausência de genes relacionados à lisogenização e que codifiquem características indesejadas. Fagos líticos, que apresentam período de latência curto (entendido como o tempo entre a adsorção e o rompimento da célula) e alta capacidade de produção e liberação de novas partículas virais a partir da célula infectada, tendem a aumentar sua população em relação à população bacteriana alvo mais rápido do que a velocidade com que são naturalmente eliminados do organismo hospedeiro, sendo também mais eficientes em se evadir dos mecanismos de proteção da bactéria-alvo.
Idealmente, os fagos devem agir sobre várias estirpes da bactéria-alvo. Bacteriófagos líticos nativos efetivos contra cepas de campo locais podem ser interessantes para o desenvolvimento de produtos voltados a tipos regionalmente importantes; isso pode ser vantajoso em relação a produtos contendo fagos oriundos de outros países. Todavia, não é incomum encontrar ação lítica restrita a determinados grupos/sorotipos de dado gênero de bactéria e, dentro desses, a determinadas cepas. Em parte, essa diferença de suscetibilidade de algumas cepas reflete a distribuição e densidade de receptores na superfície bacteriana, o que pode interferir no acesso dos fagos. Pela necessidade de se obter altos títulos para produção do insumo, tanto na fase de desenvolvimento quanto em escala industrial, fagos que replicam pobremente em cultura e são instáveis sob armazenamento a longo prazo são fracos candidatos para produtos para a saúde animal. Características intrínsecas de cada fago podem também influenciar no tipo de veículo do produto final e forma de armazenamento (temperatura ambiente ou refrigeração), por meio dos quais se busca garantir baixa taxa de redução do número de fagos viáveis durante o tempo de prateleira. Fagos fornecidos via ração precisam ser suficientemente resistentes à peletização. Sob o ponto de vista de estabilidade no hospedeiro, produtos voltados à saúde intestinal e administrados via água ou ração precisam garantir a viabilidade dos fagos até atingirem o sítio preferencial de atuação e replicação in vivo. Sistemas de entrega baseados em revestimento ou encapsulamento de fagos com diferentes polímeros têm sido propostos como forma de melhorar sua sobrevivência frente ao pH do papo e estômago glandular.

LIMITAÇÕES

Nem sempre fagos-candidatos selecionados nas etapas laboratoriais de desenvolvimento de produto reproduzem o mesmo desempenho em experimentações com desafio in vivo ou testes a campo. Diferentemente de moléculas de fármacos tradicionais, com estrutura química definida e cuja farmacocinética e farmacodinâmica podem ser claramente determinadas, fagos são estruturas biológicas que atuam num sistema vivo, tendo sua ação influenciada por fatores do hospedeiro e também da célula-alvo. Sendo assim, a dose de fagos líticos necessária para se alcançar o sítio de atuação in vivo e a concentração necessária para afetar a multiplicação da bactéria-alvo ou inativá-la não são facilmente preditas. Baixa taxa de replicação in vivo dificulta a redução da densidade da população bacteriana alvo no hospedeiro. Por outro lado, a taxa de propagação in vivo do bacteriófago lítico é dependente da presença da bactéria-alvo em quantidade suficientemente capaz de viabilizar essa replicação.
Por isso, a fagoterapia pode não ser tão eficiente diante de baixa concentração da bactéria-alvo. Como estruturas não próprias, fagos têm potencial de interagir com o sistema imunológico do hospedeiro, induzindo resposta imune específica com formação de anticorpos ou estimulação da resposta imune inata, e ambas podem interferir no resultado da fagoterapia. A via e a frequência de administração dos fagos parecem influenciar essa resposta: altos títulos de fagos líticos em doses repetidas podem ser necessários para se reduzir a população da bactéria- -alvo, mas podem também induzir anticorpos neutralizantes contra os fagos.
Cepas bacterianas resistentes a bacteriófagos podem surgir ao longo da fagoterapia como um processo adaptativo natural. Essa resistência geralmente se desenvolve por mutações no genoma bacteriano que alteram os receptores de fagos; porém outros mecanismos de proteção devem ser considerados, como produção de polissacarídeos extracelulares que dificultam o acesso de fagos aos receptores, ou fatores intracelulares (enzimas de restrição que clivam os ácidos nucleicos dos fagos, sistema CRISPR-Cas etc.). Produtos compostos por coquetéis de fagos líticos distintos, que utilizam diferentes receptores bacterianos, evitam a competição entre si pelo mesmo receptor na coinfecção da bactéria, mas também minimizam o problema do desenvolvimento de resistência a algum dos fagos presentes na composição. Não obstante, os produtos no mercado podem ser periodicamente atualizados, com a substituição dos fagos componentes. Notadamente, a regulamentação em alguns países não exige novo registro do produto após a atualização do coquetel de fagos componentes em relação à fórmula originalmente aprovada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas suas características biológicas, bacteriófagos líticos provavelmente não irão substituir o uso terapêutico de antimicrobianos na saúde animal no atual momento. Porém, têm aplicação em saúde intestinal contra bactérias implicadas na segurança dos alimentos e cujo enfrentamento não demanda, necessariamente, o uso de antimicrobianos. Portanto, contribuem indiretamente para reduzir a resistência aos antimicrobianos ao preservá-los para outros fins. Muitos dos estudos em frangos de corte e novos produtos à base de fagos líticos lançados no mercado têm sido direcionados à redução da excreção cecal de salmonelas paratíficas, diversificando as estratégias de controle nas granjas. A seleção criteriosa de fagos para compor esses produtos faz parte do desenvolvimento de formulações com produção escalonável, fácil conservação e administração, custo de adoção viável, e com protocolos de aplicação que otimizam o efeito in vivo.

Publicado originalmente na revista Avicultura Industria l número 05 | 2023.
Acesso disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1156684/aditivos-alimentares-a-base-de-bacteriofagos-para-saude-intestinal
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A forma de atuação depende de características biológicas: fagos líticos introduzem seus ácidos nucleicos na célula hospedeira, desencadeando a replicação e a formação de novas partículas virais que rompem a membrana da bactéria durante sua liberação. Essa progênie é capaz de infectar novas células suscetíveis, repetindo o ciclo lítico e caracterizando a natureza autorreplicante.
Fagos candidatos a aditivos alimentares são inicialmente selecionados por extensa caracterização, que inclui análise do genoma para assegurar ausência de genes relacionados à lisogenização e que codifiquem características indesejadas.
Como estruturas não próprias, fagos têm potencial de interagir com o sistema imunológico do hospedeiro, induzindo resposta imune específica com formação de anticorpos ou estimulação da resposta imune inata, e ambas podem interferir no resultado da fagoterapia.
Autores:
Clarissa Silveira Luiz Vaz
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