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Salmonella Antimicrobianos Produção Suínos

Salmonella e Resistência a Antimicrobianos: Desafios Contemporâneos na Produção de Suínos

Publicado: 1 de setembro de 2010
Por: Marcos H. Rostagno (Research Animal Scientist-USDA-ARS / Purdue University), Leticia G. Morais
1- Introdução 
A produção mundial de suínos tem apresentado um crescimento constante ao longo dos últimos anos em resposta à maior demanda de carne suína pelo mercado internacional. Para enfrentar este desafio, os sistemas de produção tornaram-se mais intensivos e eficientes do ponto de vista econômico-produtivo. Em função desta intensificação e de uma crescente valorização da percepção dos consumidores, novos desafios emergem e se destacam mundialmente, tais como:
I) impacto ambiental causado pelos sistemas de produção
II) bem-estar dos animais alojados nos sistemas de produção, e
III) segurança dos alimentos produzidos (i.e., riscos associados à carne suína).
À medida que a indústria de produção de suínos brasileira ganha evidência no mercado internacional, torna-se extremamente importante levar em consideração estes desafios, os quais podem vir a afetar a sustentabilidade desta expansão. A indústria suinícola brasileira tem trabalhado intensamente para garantir a qualidade e a segurança da carne suína, desenvolvendo e incorporando técnicas de produção e sanidade que reduzem riscos sanitários aos animais, e consequentemente, à sua carne. A segurança dos alimentos é uma questão crítica no mercado global de carne suína, e contaminações por Salmonella constituem uma grande preocupação para a indústria. Salmonelose é uma das zoonoses mais comuns transmitidas por alimentos, com distribuição mundial e uma incidência que aumentou significativamente nos últimos anos, gerando uma conscientização pública crescente quanto aos riscos microbiológicos associados aos alimentos. As infecções por Salmonella em suínos são preocupantes por duas razões principais; primeiro, devido à doença clínica nos suínos (salmonelose), e segundo, porque os suínos são susceptíveis a infecções subclínicas com uma ampla variedade de sorotipos de Salmonella, constituindo uma fonte potencial de exposição humana à bactéria, através da contaminação das carcaças ao longo da linha de abate.
 
2- Salmonella nos sistemas de produção de suínos: Uma visão geral
O número potencial de fontes de infecção por Salmonella para uma população de suínos é aparentemente interminável, principalmente devido à diversidade e à biologia do gênero Salmonella. Sua transmissão entre hospedeiros ocorre principalmente via
fecal-oral, no entanto, experimentos com aerossóis têm mostrado que as infecções com Salmonella podem também ocorrer por esta via.
Embora a infecção com uma grande quantidade de Salmonella (i.e., dose infectante elevada) seja necessária para iniciar a doença clínica, tem sido demonstrado por vários estudos que os suínos infectados com baixas doses (102-104 unidades formadoras de colônias) de Salmonella Typhimurium desenvolvem infecção persistente e permanecem portadores por várias semanas, sem qualquer sinal clínico (ou seja, subclinicamente). Além disso, os animais infectados constitutem um importante reservatório e fonte de introdução e transmissão de Salmonella na granja. A excreção de Salmonella nas fezes é suficiente para servir como uma fonte de infecção, dentro da mesma baia ou do mesmo galpão, através da contaminação das instalações. Infecções subclínicas são muito importantes, especialmente quando os suínos provenientes de várias fontes são misturados em baias/granjas de crescimento e/ou terminação. Além disso, suínos infectados com Salmonella tem sido encontrados em rebanhos reprodutores, que podem constituir uma fonte de infecção muito importante, muitas vezes passando desapercebida. Leitoas de reposição podem albergar a bactéria, servindo como fonte de introdução e/ou manutenção da bactéria nos plantéis de reprodução.
Embora a transmissão horizontal de Salmonella ocorra através da transmissão fecal-oral ou aerógena, outros vetores devem ser considerados quando se discute a introdução e disseminação da bactéria nas granjas. Outras fontes de contaminação incluem: roedores, insetos, aves, outras espécies animais, os seres humanos e ração contaminada. Em amostras de fezes de roedores foram encontradas até 105 unidades formadoras de colônia de Salmonella, enquanto que gatos e pássaros têm sido freqüentemente associados à contaminação de depósitos de grãos e rações prontas. Moscas e poeira também podem agir como vetores mecânicos, que espalham Salmonella por todo o ambiente.
A alimentação animal é uma fonte reconhecida de Salmonella. Caminhões, silos e os próprios ingredientes das rações (principalmente, os de origem animal) também têm sido implicados como fontes potenciais de contaminação e infecção dos animais. A água não é uma fonte provável de infecção, a menos que esta seja de superfície, a qual roedores e pássaros podem contaminar, aumentando a possibilidade de propagação da infecção no rebanho. Entretanto, é importante ressaltar que Salmonella (assim como diversas outras bactérias) tem a capacidade de formar biofilmes em tubos e tubulações de água, gerando uma fonte potencial de manutenção e disseminação na granja.
O próprio ambiente de granja (i.e., instalações e equipamentos) podem tornar-se persistentemente contaminados com Salmonella após a introdução da bactéria no rebanho, contribuindo para a propagação e manutenção da bactéria. Salmonella pode persistir no ambiente por longos períodos de tempo, e procedimentos de limpeza e desinfecção rotineiros nem sempre são eficientes na eliminação da contaminação. As bactérias do gênero Salmonella são resistentes, sobrevivendo ao congelamento e desidratação, e persistem por semanas, meses ou mesmo anos, quando protegidas por um substrato orgânico adequado. Resultados de vários estudos demonstram claramente que o ambiente desempenha um papel fundamental na epidemiologia da infecção por Salmonella em suínos.
 
3- O que acontece entre a granja e o frigorífico?
Diversos estudos epidemiológicos tem demonstrado que um número substancial de suínos carream Salmonella ao entrarem na linha de abate. Nestes animais, o trato intestinal e seus gânglios linfáticos estão frequentemente infectados e proporcionam uma fonte de Salmonella, que pode ser distribuída ao longo da linha de abate e processamento, gerando a contaminação das carcaças e outros produtos alimentícios. Como a principal fonte de contaminação da carcaça é o conteúdo intestinal, o grau de contaminação da carcaça é determinado pelo número (ou nível) de Salmonella que entra no frigorífico no trato intestinal dos suínos abatidos. Dessa forma, embora grande parte da contaminação por Salmonella da carne suína e produtos derivados ocorra durante o abate e processamento, suínos infectados que deixam a granja e suínos infectados imediatamente antes de entrarem na linha de abate, são considerados como a fonte original de contaminações do frigorífico. Tem sido demonstrado que o tempo de transporte (e condições deste), o manejo alimentar (i.e., restrição ou jejum), a contaminação ambiental (dos caminhões de transporte, das baias de espera, etc.), a mistura de animais, e o tempo de espera antes do abate, afetam a frequência e os níveis de infecção por Salmonella em grupos de suínos.
A disseminação inaparente de Salmonella durante o processo de transporte da granja ao frigorífico pode ser exacerbada por uma longa lista de fatores estressantes. Durante o carregamento, transporte e descarga, os suínos são expostos a vários fatores estressantes, incluindo: sons e cheiros estranhos, vibração, mudanças de temperatura, mudança de grupos sociais, privação de alimentos e água, etc. Deste modo, o número de suínos que disseminam Salmonella é amplificado após todos esses fatores, assim como a sua susceptibilidade a novas infecções. É sabido que o estresse afeta o sistema imunológico, e consequentemente, o status imunológico dos animais submetidos a ele. No entanto, há crescentes evidências de efeitos diretos do estresse (e seus mediadores fisiológicos - cortisol, epinefrina, norepinefrina, dopamina e outros) sobre as populações microbianas gastrointestinais, especificamente Salmonella, promovendo seu crescimento e expressão de fatores de virulência.
Com base em vários estudos realizados em diferentes países, sabe-se que esse período pré-abate (momento quando os animais são movidos das granjas produtoras para os frigoríficos) é um ponto crítico de amplificação de Salmonella ao longo da produção de suínos e da cadeia de abate e processamento.
 
4- Salmonella: Como enfrentar esse desafio?
A complexa ecologia e epidemiologia da Salmonella nas populações suínas tem sido revelada através de numerosos estudos em diversos países, onde as variações são encontradas em diferentes sistemas de produção. Essa complexidade pode ser claramente evidenciada pela variedade de fatores de risco encontrados em vários estudos epidemiológicos publicados nos últimos anos.
Obviamente, Salmonella constitui um desafio complexo e multifatorial. Intervenções devem ir além do paradigma tradicional seguido para as doenças infecciosas típicas (i.e., de transmissão direta), adotando-se uma perspectiva ampla e dinâmica dos
ecossistemas (com um forte componente ambiental). Medidas de controle devem ser aplicadas para impedir a sua introdução e reintrodução através de fontes variadas, conforme discutido anteriormente. A presença de Salmonella (assim como o seu nível, ou concentração) em fontes potenciais, deve ser monitorada. Depois de sua introdução em um sistema de produção, o que é comum, os esforços devem concentrar-se na redução da sua propagação. Na maioria dos casos, a erradicação não é viável (e talvez, impossível). Esforços de controle devem ser voltados para a redução da prevalência de portadores da bactéria que deixam o sistema de produção para o mercado/abate. No entanto, com exceção dos princípios gerais de higiene e biosegurança, há uma pesquisa limitada sobre medidas específicas que afetam a prevalência no rebanho. A partir da saída dos animais do sistema de produção com destino ao frigorífico, esforços devem ser direcionados para a redução da exposição ao estresse. Além disso, a redução dos níveis de contaminação/exposição no caminhão de transporte e nas baias de espera pré-abate é fundamental. Segregação durante o transporte e a espera pré-abate deve ser considerada, especialmente quando os rebanhos são rotineiramente monitorados. Para a indústria de produção de suínos ser capaz de responder ao desafio imposto pela contaminação persistente de Salmonella, é fundamental desenvolver um conhecimento sólido sobre a ecologia e epidemiologia dessa bactéria em diferentes sistemas de produção. Fatores de risco atenuantes e aplicação de estratégias de intervenção específica devem constituir a base de qualquer programa de prevenção e controle. Além disso, uma variedade de ferramentas estão disponíveis para serem aplicadas na produção (probióticos, prebióticos, ácidos orgânicos, vacinas, bacteriófagos, etc), embora exista uma clara necessidade de validação da sua eficácia e consistência. A escolha da estratégia a ser aplicada deve ser baseada no objetivo da intervenção. Quando o objetivo for minimizar o risco de infecções e disseminação da bactéria no rebanho, o foco deve ser direcionado para os animais jovens nos sistemas de produção (em especial os leitões de creche). Neste caso, o uso de vacinas e aditivos para alimentação animal parecem representar abordagens interessantes. No entanto, quando o objetivo for minimizar a freqüência de Salmonella presente e os níveis da bactéria carreada para os frigoríficos, o foco deve ser direcionado para animais em fase de terminação, especialmente, durante as semanas que antecedem ao abate. Neste caso, o uso de bacteriófagos, controle do estresse, e descontaminação dos caminhões de transporte e baias de espera constituem pontos fundamentais a serem observados.
 
5- Mais um desafio: Resistência a antimicrobianos
A crescente ocorrência de resistência a agentes antimicrobianos utilizados no tratamento de infecções em humanos tem recebido grande atenção, assumindo um papel de destaque na saúde pública mundial. Intensas discussões sobre a utilização de antimicrobianos na produção animal, particularmente como promotores de crescimento, são constantes. Entretanto, devido ao grande número de variáveis envolvidas, evidências quanto ao risco associado à utilização de antimicrobianos na produção de animais são limitadas. Do ponto de vista de segurança dos alimentos de origem suína, os riscos estariam baseados nas seguintes possibilidades:
1) consumo de carne suína contaminada com patógenos resistentes (e.g., Salmonella), 2) consumo de carne suína contaminada com bactérias comensais (i.e., não patogênicas) portadoras de genes de resistência a serem transferidos para populações bacterianas habitantes do trato intestinal humano, e 3) consumo de resíduos de antimicrobianos na carne suína que selecionaria amostras bacterianas resistentes no trato intestinal humano.
Em função destes riscos presumidos, restrições tem sido impostas para a utilização de agentes antimicrobianos na produção animal. Entretanto, revisões recentes de dados referentes aos efeitos da proibição de antibióticos como promotores de crescimento na Europa concluem que do ponto de vista de saúde pública, os benefícios foram mínimos ou inexistentes. Na realidade, houve um aumento do risco de infecções por patógenos de origem alimentar, devido à eliminação do efeito protetor conferido pelos antibióticos subterapêuticos utilizados na produção animal. Modelos complexos de análise de risco demonstram claramente o aumento do risco de ocorrência de patógenos de origem alimentar, e consequentemente, do risco de infecções em humanos, devido à restrição da utilização de antibióticos na produção animal. Poucos estudos epidemiológicos de campo foram realizados até o momento, devido a inúmeras dificuldades e limitações. Entretanto, resultados iniciais apontam para uma prevalência significativamente mais elevada de Salmonella em rebanhos de suínos criados sem a utilização de antimicrobianos. Mais estudos são urgentemente necessários nesta área a fim de conhecermos melhor a real situação e suas implicações. Apesar de existirem muitas opiniões sobre o impacto do uso de antimicrobianos na produção animal sobre a saúde humana, tem sido muito dificil obter evidências concretas sobre os danos causados por esse uso. Em 1997, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que "a magnitude do impacto médico e de saúde pública do uso de antimicrobianos no produção animal é desconhecida". Mais recentemente, um grupo de especialistas europeus concluiu que "a extensão presente da exposição a bactérias resistentes a antimicrobianos é difícil de se determinar, e o papel dos alimentos na transferência de genes de resistência ainda é insuficientemente estudado". Uma revisão extensa realizada nos Estados Unidos afirmou que "a extensão em que o uso de antibióticos em animais de produção gera infecções resistentes a antibióticos clinicalmente importantes em humanos é desconhecida". A seguinte passagem extraída de uma revisão realizada pela Autoridade Européia de Segurança dos Alimentos (EFSA) destaca o estado de incerteza: "É desconhecido se bactérias resistentes a antimicrobianos sobrevivem ou se multiplicam durante estágios da cadeia alimentar (e.g., processamento, cozimento, etc.) em maior grau do que bactérias susceptíveis. Do mesmo modo, em termos das características dose-resposta, existem dados muito limitados sobre a possibilidade de bactérias resistentes serem mais patogênicas ou causarem doenças mais severas do que as equivalentes susceptíveis a antibióticos. Além disso, é muito difícil, através de dados muito escasos, considerar apropriadamente a significância de genes de resistência transferíveis e seu impacto indireto sobre a saúde humana". De forma semelhante, uma revisão realizada por cientistas do FDA concluiu que "apesar de pesquisas ligarem o uso de antibióticos na agricultura à emergência de patógenos alimentares resistentes a antibióticos, o debate ainda continua se este papel é significativo o suficiente para justificar regulamentação e restrição". Olhando adiante, é muito difícil imaginar que o futuro não traga mais regulamentações e restrições quanto ao uso de antimicrobianos na produção animal. Pressões e decisões de base emocional e política (sem fundamentos técnico-científicos) são cada vez mais frequentes e visíveis. A indústria de produção animal deve antecipar o futuro com um arsenal reduzido de antimicrobianos disponíveis. A taxa/velocidade de mudança de cenário deve variar muito entre países. Entretanto, a indústria de produção de alimentos de origem animal com aspirações ao mercado internacional deverá obrigatoriamente antecipar que o acesso ao mercado será influenciado pelas políticas de uso de antimicrobianos, pelo menos para os mercados mais protegidos.
 
6- Referências
Anonimous. 1997. The Medical Impact of Antimicrobial Use in Food Animals. Report of a WHO Meeting. Berlin, Germany, 13-17 October1997 http://whqlibdoc.who.int/hq/1997/WHO_EMC_ZOO_97.4.pdf
Anonimous. 2006. Antimicrobial Resistance: Implications for the Food System. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety 5:71-137
Boyen F, Haesebrouck F, Maes D, Van Immerseel F, Ducatelle R, Pasmans F. 2008. Non-typhoidal Salmonella infections in pigs: A closer look at epidemiology, pathogenesis and control. Veterinary Microbiology 130:1-19.
Casewell M, Friis C, Marco E, McMullin P, Phillips I. 2003. The European ban on growth-promoting antibiotics and emerging consequences for human and animal health. Journal of Antimicrobial Chemotherapy 52:159-161.
Davies PR, Hurd, HS, Funk JA, Fedorka_cray PJ, Jones FT. 2004. The role of contaminated feed in the epidemiology and control of Salmonella enterica in pork production. Foodborne Pathogens and Disease 1:202-215.
Dickson JS, Hurd HS, Rostagno MH. 2002. Salmonella in the pork production chain. http://www.pork.org/PorkScience/Documents/Pork%20Production%20Chain.pdf , National Pork Board FactSheet, 15p.
EFSA. 2008. Foodborne antimicrobial resistance as a biological hazard - Scientific Opinion of the Panel on Biological Hazards. http://www.efsa.europa.eu/EFSA/efsa_locale-1178620753812_1211902034881.htm.
 
 
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Autores:
Marcos Rostagno
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Autor
24 de febrero de 2011
Bom dia Marcos, muito interessante esta materia e ao mesmo tempo preocupante. Marcos somos fabricantes do PERACETIC P170 de principio ativo ácido peracético, seria permitido de sua parte que eu enviasse material a respeito de nosso produto para sua avaliação? e-mail gilsonfavarão@hotmail.com
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